Às 6h30 da manhã desta segunda-feira, Sandra Silva abriu as portas do seu café em Resende. Se fosse outro dia qualquer, admite, tinha mantido o horário de abertura às 9h30, mas quis chegar mais cedo na esperança de conseguir mais clientes. Só que o cenário que encontrou não facilitou a tarefa. Desde sábado que este concelho de Viseu teve de dar um passo atrás no desconfinamento: ao contrário de grande parte do país — e tendo em conta a evolução da situação epidemiológica — Resende voltou a medidas como a venda ao postigo e o serviço de esplanada limitado a quatro pessoas por mesa nos cafés, restaurantes e pastelarias. “Não há clientes. Só tive três pessoas até agora. Está tudo muito parado”, desabafa a comerciante, em frente à mesa que impede a entrada no interior.
O som da rádio vai fazendo companhia enquanto Sandra Silva olha em frente para a rua, à espera de algum movimento. Mesmo com a abertura mais cedo, explica, os clientes continuam sem chegar. Durante mais de uma hora, passaram três pessoas e as duas mesas de esplanada ainda não foram ocupadas. “Ninguém quer vir cá porque não podem entrar dentro dos cafés e não querem estar ao frio”, conta ao Observador. O recuo no desconfinamento “é mau para o negócio, mas é para o bem de toda a gente”. “Não tenho alternativa”, acrescenta.
Se isto está assim tão mau como dizem, também convém recuar. O fim de semana era o dia em que se trabalhava mais e tivemos que fechar. Este fim de semana foi muito parado. Está muito complicado e as pessoas só saem mesmo para vir buscar os bens essenciais”, descreve a gerente.
Segundo a última atualização das autoridades de saúde locais, o município conta atualmente com 17 casos ativos de Covid-19, um número inferior ao cenário verificado entre 5 a 18 de abril (quase 50 casos ativos) e que levou à decisão do Governo em recuar nas medidas de desconfinamento. Para Joaquim Garcez Trindade, presidente da Câmara Municipal de Resende, as medidas surgem numa altura já desajustada à realidade.
Estas medidas vêm atuar aqui sobre Resende e sobre outros concelhos quando já não estão em curso e já passaram há 15 dias. O surto foi provocado no fim de semana da Páscoa, portanto, no início do mês, os reflexos, tal como foi no Natal e Passagem de Ano, são 15 dias depois e 15 dias depois cá estávamos nós com 44 casos. A partir daí começou a decair”, explicou o autarca aos jornalistas na sexta-feira.
Agora, acrescenta Garcez Trindade, a preocupação está também no regresso dos emigrantes durante o verão, defendendo já a tomada de “medidas preventivas” para que estas situações não se voltem a repetir.
Na rua ao lado do café de Sandra Silva, entre lojas que permanecem de portas fechadas e moradores que começam a circular, Almerindo Pereira também deseja dias melhores e que, sobretudo, cheguem mais clientes ao seu talho. É aqui que trabalha há mais de 40 anos. O regresso de algumas restrições não afetaram diretamente o negócio, mas também aqui se sente que já não há tanta gente como antes.
“Tem de ser. O pessoal não se comporta como deve ser e as autoridades também parecem não ligar nada. E é nisto que dá”, desabafa, falando ainda nas “pessoas que vêm de fora e que já não aparecem cá porque há vários casos”. Em frente à montra de vidro, há uma fita que impede que os clientes se aproximem e álcool-gel logo à entrada. 17 casos ativos, confessa, “não é assim tanto”. “Já tivemos mais. Mas, enfim, acham que é muito”, atira.
Cafés vazios, esplanadas com poucos clientes: “Nem vale a pena”
Se logo no início da manhã as ruas de Resende estavam praticamente vazias, o cenário às 10h00 já mostrava um dia mais perto do normal. Os autocarros vão passando, há mais movimento e as esplanadas começam a receber os primeiros clientes. Ainda assim, explica Filipe Caldas, funcionário do café “O Emigrante”, nada disto é suficiente para compensar as perdas que o setor tem sentido e volta a sentir com este recuo. “Ontem [domingo] nem chegámos a abrir porque não vale a pena. Não se vê ninguém. O mês de maio é um mês em que uma pessoa até trabalhava mais ou menos por causa da cereja e assim acabamos por não fazer nada”, lamenta.
A decisão de recuar às medidas de desconfinamento de 5 de abril, acrescenta, “não se justifica” atualmente, uma vez que Resende tem vindo a melhorar a situação. “Podiam já ter fechado as coisas antes, mas agora acho que fizeram mal”, sublinha, acrescentando que “as pessoas têm tido cuidado, mas há de tudo”. “Nós aqui dentro temos que manter as regras, lá fora isso já não é connosco”.
Entre as 7h30 e as 10h00, Filipe Caldas serviu apenas sete clientes. As mesas da esplanada estão vazias e o interior do café conta só com a presença deste funcionário. “Se continuar assim — a abrir e a fechar — não dá para ganharmos para as despesas. Atender meia dúzia de clientes durante o dia não dá para nada. Chegamos a fazer pouco ou nada. Mais vale fechar a porta de vez. Uma coisa é ter uma porta aberta, as pessoas entram, passam um bocadinho de tempo, convivem e sempre vão gastando mais alguma coisa. Cá fora, na esplanada, se estiver a chover ou se estiver frio, quem é que vai estar aqui?”, questiona, enquanto espera que cheguem mais clientes.
Maria Sequeira, responsável por uma drogaria há mais de 15 anos, está também a abrir as portas da sua loja, juntamente com o marido. À semelhança de Filipe Caldas, a comerciante também não considera que esta seja a altura mais adequada para estas medidas, uma vez que a situação tem vindo a melhorar. Entre suspiros, há uma certeza: “As pessoas deviam ter mais noção, deviam resguardar-se mais um pouco, estarem mais conscientes do que estão a fazer, mais concentradas em casa. E se estão doentes também podiam dizer para não infetarem as outras pessoas”. A altura da Páscoa, admite, “foi a altura mais difícil”.
Entre o descontentamento e o desejo que o cenário melhore, a população de Resende terá agora que esperar uma semana para saber como vai ser o resto do desconfinamento: se volta a recuar ou se dá o tão esperado passo em frente.