O presidente da Nani Holdings não espera que haja mais pedidos de capital por parte do Novo Banco ao Fundo de Resolução depois da chamada de 598 milhões de euros feita este ano com base nos resultados de 2020 e cuja dimensão e transferência ainda está por decidir.

Evgeny Kazarez, que está a ser ouvido esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco, afastou um potencial conflito de interesses pelo facto de ter trabalhado como consultor do Banco de Portugal no processo de venda do banco à Lone Star, dois anos antes de integrar a empresa criada pela compradora para controlar o Novo Banco. O gestor sublinhou que a sua nomeação para a presidência da Nani Holdings foi aprovada pelos supervisores bancários.

Já sobre se faz sentido atribuir bónus de gestão em empresas com prejuízos superiores a mil milhões de euros, o gestor remete decisão para os órgãos do banco (escolhidos pelo acionista da empresa a que preside), mas deixa a nota: As perdas do Novo Banco não são culpa da atual gestão, vieram do Banco Espírito Santo.

Kazarez recebeu ainda um pedido insistente (do deputado Hugo Carneiro do PSD) para autorizar a divulgação pública do contrato de venda do banco em relação ao qual se comprometeu a avaliar após revisão das cláusulas confidenciais. Apesar da reserva manifestada em varias matérias, o presidente da Nani Holdings acabou por revelar números que foram considerados confidenciais pela Comissão Europeia quando divulgou o acordo de venda que prevê a ajuda do Estado. Segundo Kazarez, o intervalo para o uso do mecanismo de capital contingente, no melhor cenário, oscila entre os três e os quatro mil milhões de euros, números que resultam de uma avaliação independente de Bruxelas, diz.

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Podem sobrar entre 300 e 480 milhões da almofada para cobrir perdas no Novo Banco

Logo no arranque da audição, o gestor manifestou a expetativa de que não haverá mais pedidos de fundos, tendo por base as declarações proferidas pelo presidente do banco quando apresentou os prejuízos do ano passado. António Ramalho afirmou que o processo de reestruturação estava terminado e que o Novo Banco devia ter lucros este ano, como aliás é o compromisso assumido com a Comissão Europeia.

Invocando essas declarações, o presidente da Nani Holdings parte do princípio de que não vai haver mais pedidos de capital, mas assinala também em resposta à deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, que faltam oito meses para terminar o ano. E um plano de negócios não é a mesma coisa que os números finais. O Novo Banco fez a reestruturação possível e está já gerar capital, “mas isto não está escrito em pedra”, acrescentou à deputada do CDS, Cecília Meireles. E mais tarde referiu o impacto da pandemia e das moratórias.

A deputada conclui que haverá uma pequena parte da garantia (implícita ao mecanismo de capital contingente) ficará por usar. De um valor máximo de 3.890 milhões de euros, o Novo Banco já recebeu quase 3.000 milhões de euros e tem pendente um pedido de 598 milhões de euros, que o Governo defende não deve ser superior a 430 milhões de euros. O que sobra do polémico mecanismo poderá assim oscilar entre os 300 e os 480 milhões de euros.

A Nani Holdings é a sociedade criada no Luxemburgo pelo Fundo Lone Star para adquirir o Novo Banco em 2017, mas Kazarez só está na presidência da sociedade desde 2019 e invoca essa circunstância para não responder a algumas perguntas relacionadas com a utilização do mecanismo de backstop negociado com Bruxelas, pelo qual o Estado pode ser chamado a injetar mais 1,6 mil milhões de euros, para além do valor previsto no acordo de capital contingente contratado com a Lone Star. Mas admite que “será pouco provável”, em resposta ao deputado do PCP, Duarte Alves.

O gestor confirma ainda que o Fundo de Resolução poderá vir a ser chamado a pagar o desfecho negativo de processos judiciais relacionados com a resolução do BES e criação do Novo Banco.

Tribunal Europeu de Justiça trama Novo Banco com decisão em Espanha que pode levar a mais injeções públicas

Presidente da Nani afasta potencial conflito de interesses e recorda pouco da venda que assessorou

Evgeny Kazarez foi confrontado com a circunstância de ter trabalhado como consultor do Banco de Portugal na venda do Novo Banco em 2017 — enquanto parte da equipa do Deutsche Bank. A deputada do CDS, Cecília Meireles quis saber se esta eventual incompatibilidade foi comunicada e avaliada pelo Fundo de Resolução e pelo Banco de Portugal. O gestor de nacionalidade polaca confirma a transferência, mas sublinha que passaram dois anos e meio entre o seu envolvimento com o vendedor e a contratação pelo comprador. E destaca que a sua nomeação para presidente da Nani Holdings foi avaliada e autorizada pelo Banco de Portugal e pelo Banco Central Europeu.

O gestor voltou a ser questionado sobre o potencial conflito de interesses por Cotrim de Figueiredo, deputado da Iniciativa Liberal. Kazarez saiu do Deutsche Bank e meses depois foi contratado para uma empresa, a Hudson Advisers, ligada à Lone Star, antes de ser proposto para presidente da Nani Holdings em 2019. No entanto, afastou a tese de conflito de interesses, argumentando que a Lone Star teve acesso a toda a informação sobre o banco quando se tornou o seu acionista. Além de que existem cláusulas de confidencialidade. Já no final da audição, Kazarev explicou que gostou muito de trabalhar em Portugal (quando esteve no Deutsche Bank) e que valorizou isso quando aceitou o convite da Lone Star.

Se não conhece a transação do lado do comprador, conhece do lado do vendedor, considera a deputada do CDS que aproveitou para perguntar quem propôs o mecanismo de capital contingente que protege o acionista privado do Novo Bando das perdas em ativos problemáticos. Kazarez confirma que foi a Lone Star, mas não sabe precisar qual a expetativa feita à data de utilização do mecanismo de proteção de perdas. Sabe que houve avaliações para o cliente do Fundo, mas não ficou com os documentos. “Tenho dificuldade em acreditar que não se lembra”, atira Cecília Meireles.

Bónus com prejuízos superior a mil milhões? Perdas vieram do BES e não são culpa da atual gestão

Ao longo da audição, o presidente da Nani Holdings foi remetendo várias explicações e definições de estratégia para a Lone Star, descrevendo-se como um executor e não um decisor. Não respondeu por isso a perguntas sobre a estratégia para o banco ou quais os objetivos fixados, nomeadamente em matéria de reestruturação, aos gestores do Novo Banco. Nem sobre a disponibilidade do acionista privado para meter eventualmente mais capital na instituição. “Não participo nessas discussões”, afirmou ao deputado Hugo Carneiro do PSD.

O gestor afastou ainda a responsabilidade pela decisão de atribuir bónus aos administradores do Novo Banco num contexto de prejuízos de mais de mil milhões de euros, remetendo-a para a comissão de remuneração do banco que é escolhida pelo acionista privado.

Apesar da ressalva, Evgeny Kazarez deu várias explicações sobre esses bónus (1,9 milhões de euros), atribuídos, mas ainda não pagos, e que resultam do cumprimento de indicadores de desempenho. E à pergunta sobre se concorda com o pagamento de prémios em prejuízos de mil milhões de euros — Novo Banco teve prejuízo de 1.329 milhões de euros — (de Hugo Carneiro), respondeu: “Depende”, sublinhando que os ativos que geram essas perdas estão no balanço do banco por causa do BES e não por culpa da administração do Novo Banco. A atividade recorrente do banco, sem o impacto da herança BES, (legacy) gera resultados positivos há dois anos.

Evegny foi ainda questionado por Duarte Alves sobre os planos noticiados para o Novo Banco concorrer ao EuroBic. Começa por lembrar que o banco está impedido de comprar outros bancos enquanto não estiver concluído o plano de reestruturação. “A nossa posição é a de que o Novo Banco deve considerar opções estratégicas que tragam valor para os seus acionistas”.

Apesar do distanciamento manifestado em várias matérias — e que suscitou várias interrogações aos deputados sobre quem de facto toma decisões sobre o Novo Banco — Evgeny Kazarez afastou a existência de negócios com partes relacionadas à Lone Star na venda de ativos do Novo Banco. “Tanto quanto sei, não”, afirmou, assinalando que essas operações são muito escrutinadas pela instituição. As vendas a entidades ligadas ao comprador estão proibidas no contrato assinado em 2017 com as autoridades portuguesas.

O presidente da Nani Holdings foi ainda questionado sobre quem é o beneficiário último da Lone Star, dono do Novo Banco, e indicou o fundador do fundo americano, John Grayken. Segundo a lei citada por Mariana Mortágua, quando não há um investidor com pelo menos 25%, o último beneficiário é considerado o gestor e não os detentores das unidades de participação. Sem resposta clara ficou a pergunta de Duarte Alves sobre porque foi criada uma sociedade no Luxemburgo e não em Portugal.

A Nani Holdings não tem funcionários e tem um acordo com o Novo Banco que lhe prepara as contas e cálculos regulatórios e pelo qual paga honorários. E como cobrem os custos? — pergunta do deputado da Iniciativa Liberal, Cotrim de Figueiredo. São cobertos pelo acionista. A empresa recorre também a juristas, indicou ao deputado socialista Miguel Matos.

Apesar de reconhecer que um fundo como a Lone Star tem em regra a prática de investir em sociedades para as vender depois de recuperadas, assinala que o Fundo tem um banco na Alemanha há mais de dez anos que ainda não vendeu. Evgeny Kazarez adiantou também que a Lone Star não recebeu qualquer oferta pelo Novo Banco.

Corrigida a referência a quem contratou o Deutsche Bank e Evgney Kazarez para assessorar a venda do Novo Banco. Foi o Banco de Portugal enquanto autoridade de resolução e não o Fundo de Resolução que é o acionista do banco.