Bruxelas continua a tentar sacudir a pressão sobre o ritmo com que é suposto aprovar os planos de recuperação e resiliência. Na conferência de imprensa que encerrou os dois dias de reuniões dos ministros das Finanças da Zona Euro (Eurogrupo) e da União Europeia (Ecofin), Valdis Dombrovskis, vice-presidente da Comissão, reconheceu que a avaliação das instituições europeias sobre esses planos para a “bazuca” de 750 mil milhões de euros até pode ser acelerada — como pretende João Leão —, mas lembra que o processo tem um tempo próprio que não pode ser descurado.
Depois de os estados-membros terem levado mais de meio ano a aprovar as regras para o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, com avanços e recuos relativamente a várias matérias, o vice-presidente da Comissão regista a pressa dos estados-membros, garante que Bruxelas está a fazer o que pode, mas avisa que vão ter de esperar o tempo que for preciso.
“Sabemos que os estados-membros estão agora ansiosos para receber o pré-financiamento o mais rapidamente possível — e na Comissão Europeia estamos a trabalhar o mais rápido que podemos —, mas estas são avaliações complexas”, avisou Valdis Dombrovskis. É que os planos, que vão servir de guião para os investimentos e as reformas que serão feitos a partir de agora nas economias nacionais, “têm de resistir ao teste do tempo e levar a uma reconfiguração positiva das economias”.
O comissário lembra os estados-membros que o executivo europeu não está sozinho nesse processo de avaliação. “Nós temos dois meses, e tentaremos acelerar as coisas um pouco, mas vale a pena lembrar os estados-membros que o Conselho [da União Europeia] também precisa de um mês para a sua avaliação”.
Assinalando que o objetivo mantém-se de fazer fluir os primeiros fundos comunitários “durante o verão”, Dombrovskis diz estar satisfeito com o que vê nos planos: “É promissor, tendo um balanço apropriado entre investimentos e reformas, forte contributo para as transições verde e digital e um foco social sólido”.
As declarações de Dombrovskis são uma resposta ao ministro das Finanças português, João Leão, que, em representação do Ecofin, voltou a insistir, nesta conferência de imprensa, na ideia de que a aprovação dos primeiros planos deve estar finalizada até ao próximo mês.
João Leão anunciou ainda que, no último mês da presidência rotativa da União Europeia, Portugal vai receber uma cimeira “de alto nível” sobre os planos de recuperação económica. O ministro das Finanças indica que “a cimeira da recuperação” vai ter como convidados “vários responsáveis e especialistas europeus”, embora ainda não adiante quais, “para pensar a economia pós-Covid e a governação económica europeia, algo que a Comissão pretende concretizar mais no final do ano”. Fonte oficial do Ministério das Finanças citada pela agência Lusa refere que a cimeira vai realizar-se a 28 de junho.
O ping-pong entre João Leão e Valdis Dombrovskis começou na manhã deste sábado à entrada do Ecofin, quando o ministro das Finanças disse esperar que os primeiros planos de recuperação e resiliência sejam “aprovados nas próximas semanas, até meados de Junho”. Uma declaração que vai ao encontro de várias outras feitas pelo ministro das Finanças ou pelo primeiro-ministro, todas no sentido de pressionar a Comissão a aprovar ainda no primeiro semestre — durante a presidência portuguesa da UE — os primeiros planos de recuperação e resiliência. O Governo espera que nessa primeira vaga esteja o documento entregue por António Costa à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Confrontado então pelos jornalistas com as declarações do ministro das Finanças português, o vice-presidente da Comissão pôs água na fervura, dizendo que o objetivo continua a ser “a segunda metade de junho”, mas que também “depende de quanto tempo o Conselho [da UE] vai levar para cada procedimento e para aprovar os planos, baseando-se nas propostas da Comissão”.
“Podemos acelerar este processo de alguma forma, mas não por muito, porque já recebemos 18 planos e mais vão chegar. São documentos complexos e leva tempo”, referiu Dombrovskis à entrada do Ecofin. “Em qualquer caso, se tudo correr bem, incluindo a ratificação da decisão dos recursos próprios por todos os estados-membros até este mês, podemos esperar os desembolsos em julho”.
A decisão sobre os recursos próprios não é uma questão menor, porque sem ela Bruxelas não poderá pedir emprestado em nome dos estados-membros e fornecer assim a “bazuca” com os recursos necessários à recuperação europeia. E ao contrário da generalidade das medidas aprovadas no âmbito europeu, carece de unanimidade entre os estados-membros, em vários casos dependentes dos parlamentos nacionais.
Estão em causa os Países Baixos, Áustria, Hungria e Polónia — quatro dos países que, por diferentes razões, mais obstáculos colocaram no longo processo de aprovação do Mecanismo de Recuperação Económica —, mas também a Roménia.
À entrada do Ecofin, questionado sobre esses cinco estados-membros que ainda não ratificaram a decisão, João Leão afirmou que “há indicações desses países de que podem ratificar nas próximas semanas”. O ministro espera “que seja ainda no mês de maio“, mas admite que possa ainda ficar “alguma para junho”.
Eurogrupo/Ecofin. Reencontro de ministros marcado por “grande otimismo” (mas sem grandes decisões)
Retirada dos apoios deve ser gradual e prudente (incluindo nas moratórias)
Luís de Guindos, vice-presidente do BCE, avisa que, por causa da potencial vaga de falências, será necessário ter cautela na forma como os estados-membros acabam com as medidas de apoio à economia. “A retirada de medidas tem que ser cuidadosa, não pode ser prematura, para que não ponha em causa a recuperação”, disse Luis de Guindos na conferência de imprensa de fecho do Ecofin, numa ideia que tem sido partilhada também pelos outros responsáveis europeus.
Entre essas medidas, o vice-presidente do BCE inclui as moratórias de crédito, que merecem uma “abordagem equilibrada”. É que, enquanto “o nível de crédito malparado é bastante limitado” nos empréstimos que já saíram destes esquemas de apoio, os créditos que ainda por lá continuam “são mais complicados e de menor qualidade”.
A preocupação com as moratórias tem sido manifestada por várias entidades, incluindo o FMI, que já em março avisava que a retirada antecipada desse tipo de apoios aos setores mais afetados apresentava “o risco de uma recuperação desigual e de cicatrizes específicas”.
Do outro lado da moeda, referindo-se às empresas que não são viáveis, o fundo também assinalava que “persistir [com esses apoios] indefinidamente impedirá o crescimento necessário para sustentar a recuperação”, porque “as políticas que sustentam as empresas em falência acabam a impedir novos empreendimentos e a realocação agregada de capital e de trabalho”.
Nesta conferência de imprensa, Luís de Guindos pediu ainda cautela adicional com o crédito malparado, tendo em conta que esta crise, ao contrário de outras no passado, traz “um desfasamento” entre a recessão e os incumprimentos de empréstimos junto da banca, por causa dos apoios que os estados deram às empresas e às famílias neste período.
O responsável do BCE nota ainda que a recuperação económica “a avançar”, com uma perspetiva “bastante mais positiva” do que “há três ou seis meses”, mas ressalva que será necessário haver “condições monetárias e orçamentais favoráveis” para que esse movimento ascendente não seja interrompido.
Quão favoráveis? Do ponto de vista orçamental, já se sabe que as regras europeias vão ser mais uma vez suspensas em 2022, e Valdis Dombrovkis já alertou, tal como todos os outros responsáveis europeus, que se deve evitar uma retirada prematura dos apoios. Mas o comissário também fez questão de referir que a flexibilidade deverá ficar por aí, porque “manter um amplo apoio à liquidez durante demasiado tempo iria trazer riscos orçamentais”.
Daqui a dois anos a história já será outra. “Podemos confirmar a nossa abordagem de que manteremos a cláusula geral de escape ativada em 2022, mas já não a partir de 2023”, deixa claro Dombrovskis. A decisão final será conhecida no início junho.
Depois de esta sexta-feira o tom ter sido marcadamente otimista no Ecofin (entre ministros das Finanças da UE) e no Eurogrupo (ministros da Zona Euro), com enfoque na “grande viragem” económica, João Leão avisou logo à entrada da reunião que este sábado seria altura de “discutir as marcas deixadas pela crise”
O ministro das Finanças admite que há setores que não vão chegar a recuperar do embate da pandemia. “Por um lado, esperamos uma recuperação forte da economia este ano, e um regresso à normalidade logo que possível, mas, por outro lado, também reconhecemos que nem tudo vai voltar a ser o mesmo e há alterações que vão afetar de forma permanente alguns setores”, afirmou João Leão.
Implementação “gradual” do imposto para penalizar importação de produtos poluentes
João Leão revelou que o imposto que a União Europeia está a ponderar para “penalizar produtos importados altamente poluentes” vai avançar “de forma gradual”. O ministro das Finanças adianta que esse “mecanismo inovador” tem “alguma complexidade” e revela que a Comissão Europeia quer, por isso, dar um passo de cada vez.
Antes da reunião, o ministro referiu que “a Europa é um espaço muito avançado no combate às alterações climáticas”, mas que isso leva “à deslocalização para outros continentes” por parte de empresas que fogem às restrições ambientais colocadas nos países europeus.
“O que está aqui em discussão é um imposto sobre ajustamento na fronteira, que evite que a Europa, ao ser uma das zonas mais avançadas nas alterações climáticas, acabe depois indiretamente por importar bens que são produzidos de forma que poluem muito o ambiente”, disse João Leão.
Além deste imposto, a UE quer ainda “tributar menos as indústrias e as energias menos poluentes, como as renováveis, em prejuízo de tributar mais industrias mais poluentes, baseadas no carbono”.
Última atualização às 16h28