O líder do Chega, André Ventura, foi condenado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa por ter ofendido honra e imagem de moradores do Bairro da Jamaica, quando exibiu num debate televisivo com Marcelo Rebelo de Sousa uma fotografia de residentes (ao lado do Presidente) a quem chamou “bandidos”.
Ventura terá agora não só de pedir desculpas publicamente à família Coxi, que lhe moveu um processo, como ainda de publicar a informação relativa à condenação nas estações de televisão onde as suas declarações — quando chamou àqueles moradores “bandidos” — foram difundidas. Terá ainda de o fazer na conta do partido Chega no Twitter. Caso não recorresse, o que o próprio já disse que irá fazer, teria de cumprir a sentença no espaço de 30 dias.
André Ventura confirmou ao Observador que vai recorrer da sentença, no entanto, o líder do Chega remete mais explicações para esta terça-feira, altura em que vai apresentar os fundamentos do recurso. O partido, também condenado neste processo, vai igualmente recorrer da sentença.
Já em declarações à SIC, o líder do Chega apontou: “Não pretendo pedir desculpa. Não pedirei desculpa disto, não peço desculpa quando entendo que tenho razão. Mantenho as declarações que fiz.. Entendo que o que disse foi ajustado no momento em que o deveria ter dito. Acho que estamos a deixar que a justiça interfira no domínio da política e do politicamente correto. Vou analisar a decisão, só hoje soube mas não consigo compreender a minha condenação e a condenação do partido”.
Ventura proibido de voltar a proferir ofensas contra a família Coxi
Na sentença a que o Observador teve acesso pode ler-se que o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa condenou “cada um dos Réus [André ventura e o partido Chega] a emitir uma declaração, escrita ou oral, de retratação pública, quanto aos factos praticados por cada um deles, a ser publicada nos mesmos meios de comunicação social onde as respetivas declarações e publicações ofensivas dos direitos de personalidade dos Autores foram originalmente divulgadas (SIC, SIC Notícias, TVI e conta do Partido Chega no Twitter), no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória, com a sanção pecuniária compulsória de € 500,00 (quinhentos euros) por cada dia de atraso no seu cumprimento”.
O líder do Chega não só foi condenado pelo que disse — e obrigado a retratar-se — como ficou também obrigado a não voltar a ofender a família Coxi, sob pena de ter de pagar cinco mil euros por cada ofensa. “Condeno cada um dos Réus a abster-se de proferir ou divulgar, no futuro, declarações ou publicações, escritas ou orais, ofensivas do bom nome dos Autores, com a sanção pecuniária compulsória de € 5.000,00 (cinco mil euros) por cada infração”, lê-se ainda na decisão, que determina que cabe a André Ventura e ao Chega “diligenciar pela publicação da presente sentença, a expensas suas, nos mesmos meios de comunicação social onde as declarações ofensivas foram originalmente divulgadas (SIC, SIC Notícias, TVI e conta do Partido Chega no Twitter), no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão”.
A sentença terá ainda de ser publicada na conta de Twitter do Chega, havendo uma multa de 500 euros por cada dia de atraso dessa publicação.
Discriminação não resulta necessariamente da cor da pele
Os membros da família visada nas declarações do André Ventura pediram ao tribunal que reconhecesse “a ilicitude das ofensas ao direito à honra e ao direito de imagem dos Autores descritas na presente ação, bem como o seu cariz discriminatório em função da cor da sua pele e da sua situação socioeconómica”, que condenasse Ventura a um pedido de desculpas público, assim como a eliminar uma publicação do Twitter. Além disso, era pedido que Ventura ficasse obrigado a abster-se de ofensas futuras — mediante o pagamento de cinco mil euros por cada ofensa –, assim como era pedida a publicação da condenação do tribunal nos órgão de comunicação onde Ventura os visou e na conta do Twitter.
Quanto à eliminação da publicação, o tribunal lembra que o mesmo já foi retirado. E, quanto à discriminação, a sentença dá conta de que não resulta necessariamente da cor da pele ou da condição socioeconómica: “Entendemos, tendo por base o conteúdo dos autos que o cariz discriminatório das declarações não é o aspeto mais relevante do processo, nem resulta dos autos que tal discriminação seja necessariamente determinada pela cor da pele ou pela condição socioeconómica dos visados, embora esses elementos ressaltem de imediato aos olhos dos recetores da mensagem. O que é essencial é o carácter ilícito das declarações com referência à fotografia dos autores que foi exibida e a ofensa aos direitos de personalidade destes e é isso que importa reconhecer”.
Uma fotografia em que a autoestima dos visados “é diminuída”, e em que “são apresentados como o oposto dos portugueses de bem, colados a um discurso em que se fala deles e das pessoas como eles de forma depreciativa – são referidos como ‘a bandidagem'”.
A 10 de maio, dia em que foi ouvido no Tribunal Cível de Lisboa no âmbito deste processo, André Ventura insinuou que a família que moveu o processo poderia estar a ser “instrumentalizada” e que o seu verdadeiro alvo não seria apenas André Ventura, seria também o Chega.
A insinuação passava, à data, pela possibilidade do processo estar a ser usado para fortalecer a tentativa de ilegalização do Chega por via legal — um processo pelo qual a antiga eurodeputada socialista e ex-candidata presidencial Ana Gomes se tem batido.
André Ventura terá dito mesmo, citado pelo jornal Expresso: “Provavelmente ainda perceberemos as intenções desta ação. Vamos ver se a pedido de alguém ou não querem juntar este processo a um processo que é conhecido de todos e que é a ilegalização do partido junto do Tribunal Constitucional”.
O líder do Chega na altura não quis explicitar se se referia ao pedido formal feito em fevereiro à PGR pela antiga candidata presidencial, que requereu à Procuradoria-Geral da República em fevereiro que “instrua o MP [Ministério Público] a desencadear um processo de reapreciação da legalidade do Partido Chega pelo Tribunal Constitucional e de consideração da eventual extinção judicial desse partido”.
Disse então simplesmente André Ventura, citado pelo Expresso: “Acho que esta peça não faz sentido e, ao não fazer sentido e ao reconhecer que está bem escrita, só posso concluir que afinal os objetivos são outros. A família pode ter sido instrumentalizada por alguém. Tenho 99% de certeza de que se o partido fosse condenado, esta ação seria junta ao processo no TC. Isto tem um objetivo político dos autores de me prejudicar e de prejudicar o partido”.
Comportamento e discurso aptos a a atingir a honra dos moradores
“É também especialmente grave o facto das declarações do réu terem sido proferidas quase sempre indistintamente perante e em simultâneo com a exibição da imagem duma criança ou de ter sido utilizada uma foto onde se encontram representados homens, mulheres e crianças de um grupo de pessoas moradoras de um bairro degradado e de modesta condição social, na sua maioria vindas de países Africanos, a cuja imagem o Réu cola toda uma panóplia de menções depreciativas”, refere ainda a decisão do tribunal, que deixa claro que Ventura ultrapassou os limites da liberdade de expressão. “Reconhecemos que o comportamento do réu e o seu discurso se mostram aptos a atingir a honra e consideração dos Autores e têm carácter ilícito”, pode ler-se na sentença.