A reestruturação da dívida do grupo Moniz da Maia foi um dos casos que “não correu bem”, reconheceu Daniel Santos, diretor do departamento de recuperação de créditos a empresas do Novo Banco. Mas isso não quer dizer que o banco “não tenha sido diligente” na tentativa de recuperar créditos, defendeu o responsável esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco.

Sobre o caso Moniz da Maia, cujas dívidas de 530 milhões de euros geraram perdas de 270 milhões de euros para o Fundo de Resolução, Daniel Santos indicou que os serviços do banco tentaram ir buscar garantias onde elas existiam: aos negócios florestais no Brasil. “Sabíamos que o grupo tinha ativos aos quais não tínhamos acesso”, afirmou o diretor. E o devedor até estava disponível para os entregar, mas não os deu.

A audição ao diretor do departamento de recuperação de crédito de empresas trouxe muitos detalhes sobre a relação entre o Novo Banco e alguns dos devedores mais famosos.

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No caso da Ongoing, Daniel Santos afirmou que, “ao início”, em 2014, o devedor (Nuno Vasconcellos) mostrou-se de “aparentemente cooperante” na tentativa de reestruturar a dívida, mas acabou por não entregar mais ativos. E depois afastou-se.

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O responsável explicou o porquê de o Novo Banco ter optado por executar Gama Leão em vez de reestruturar a dívida da Prebuild e fez um ponto de situação na recuperação das dívidas de Joe Berardo e do antigo grupo Lena. Até chegou a contar um caso de sucesso na recuperação de um devedor, a Martifer.

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Moniz da Maia e a empresa de cogumelos vendida a pessoas do mesmo apelido

Ao contrário de alguns deputados que confrontaram Bernardo Moniz da Maia com tentativas para desviar os ativos do Novo Banco, Daniel Santos não culpou de forma direta o gestor do grupo. Atribuiu o fracasso da tentativa de obtenção de mais garantias com o processo judicial no Brasil, que resultou no arresto das contas e ativos do grupo Moniz da Maia naquele país — e que entretanto este vendeu a terceiros. Esse arresto, decidido em 2016, acabou por ser conhecido em 2017 e levou a que o banco não avançasse na reestruturação cujos contornos tinham suscitado reservas num parecer do departamento de risco, como aliás sinalizou a deputada do PSD Mónica Quintela. O parecer alertava para a inexistência de documentos fundamentais na prestação de contas das empresas no Brasil, tais como os relatórios de gestão e de auditoria.

O diretor do departamento de recuperação de créditos foi ainda confrontado com uma operação que envolveu o grupo Sugal que acabou por comprar uma empresa de cogumelos, a Varandas de Sousa, que tinha sido vendida pelo Novo Banco por causa das dívidas. Segundo um parecer do departamento de risco – citado pelo deputado do PCP Duarte Alves – foram feitos alertas para o facto de os proprietários terem o mesmo apelido de um dos grupos grande devedor, Moniz da Maia. O deputado quis saber se o financiamento dado a esta aquisição aumentou a exposição ao grupo, que ficou a dever mais de 500 milhões de euros ao banco.

Daniel Santos explicou que a empresa em causa foi um processo longo que esteve para acabar em liquidação. Mas como se tratava de uma empresa importante no Nordeste de Portugal tentou-se a todo o custo evitar que fosse para a insolvência. Conseguiu-se encontrar um comprador, a Core Capital, que terá vendido a empresa ao grupo Sugal. A Sugal, diz, tinha interesse em adquirir a sociedade e era um bom cliente do Novo Banco, não tendo sido identificada qualquer ligação à Moniz da Maia. De qualquer forma, disse que a relação com o Novo Banco foi com a Core Capital – a quem vendeu a Varanda de Sousa, também conhecida como o Rei dos Cogumelos.

Nuno Vasconcellos nunca disse “não pago”, mas “depois desapareceu”

Outro caso de um grande devedor que não correu bem para o Novo Banco foi o da Ongoing. O deputado Hugo Carneiro, do PSD, quis saber se o Novo Banco tentou cobrar a dívida de 600 milhões de euros contraída pelo grupo fundado por Nuno Vasconcellos. Em 2014, recorda Daniel Santos, Nuno Vasconcellos mostrou-se “aparentemente colaborativo. Nunca foi daqueles que disse logo ‘não pago, ou não devo’”, como argumentou durante a audição da semana passada que os deputados interromperam.

Mas acabou por não trazer mais nada em termos de garantias adicionais (ativos ou património de garantia adicional). E depois afastou-se e desapareceu.

Questionado sobre a intervenção nessa abordagem inicial de Rafael Mora, o sócio do dono da Ongoing que o PSD quer chamar à comissão de inquérito depois de frustrada a audição com o primeiro, o diretor do Novo Banco confirma que Mora “apareceu uma ou duas vezes”, mas não teve efeito prático, nem foi peça no processo. O banco decidiu executar Nuno Vasconcellos, que – segundo Daniel Santos – acabou por ficar insolvente (em Portugal) por causa de uma dívida à própria mãe que colocou o capital na Ongoing.

O caso de sucesso da Martifer

Daniel Santos está frente da divisão de recuperação de créditos a empresas por onde não passam as dívidas negociadas ou reestruturadas como foram os casos da Promovalor de Luís Filipe Vieira e do construtor José Guilherme. Sobre os casos que chegaram ao departamento, indicou que muitos dos clientes em incumprimento mantiveram-se na área comercial até ser demasiado tarde. E quando chegavam, já estavam numa situação má, o crédito estava concedido e as garantias já não existiam ou não se conseguia ir buscá-las. Em 2018, e segundo revelou Mónica Quintela, o Novo Banco tinha 500 ações executivas para recuperar 282 milhões de euros.

Mas houve ainda oportunidade para destacar um caso de “sucesso” na recuperação de um grande devedor que não consta da lista de incumprimentos ao Novo Banco que foi “gratificante para mim”. A Martifer, empresa dos irmãos Martins, vinha com graves problemas de desequilíbrio económico e financeiro e a nível da gestão. “Foi um trabalho muito árduo” e que passou pela discussão com vários bancos. Destacou ainda o contributo do acionista minoritário Mota-Engil para o reforço da gestão da empresa. O Novo Banco deu novos apoios porque recebeu mais garantias e achou que o plano de negócios era de confiança. “A Martifer está a fazer o seu caminho, está a pagar a dívida. Foi um caso de sucesso”.