Num ano (que continua a ser) de pandemia, a criatividade nacional volta a ser testada e a dar provas de vitalidade e resistência. Num mercado que alguns podem considerar saturado — o dos biquínis e fatos de banho –, quatro novas marcas surgem com propostas pertinentes: da versatilidade do swimwear e respetivos complementos ao minimalismo que garante a longevidade das peças de banho, passando pelo novo imperativo dos corpos reais, por oposição às silhuetas esculturais de manequins.
Com idades até aos 32 anos, são sete as empreendedoras que tentam marcar a diferença. Entre elas, há quem faça o esforço de coordenar uma produção totalmente feita em Portugal a partir do estrangeiro e ainda uma popular influencer que dá a cara pelas próprias criações. Quando pensávamos que o mercado português não tinha mais espaço para novas marcas de biquínis e fatos de banho, a imaginação portuguesa mostra que há sempre lugar para mais uma.
Sonne Collection
A história não é inédita: durante uma viagem ao Brasil, duas amigas despertaram para uma secção do swimwear ainda por explorar em Portugal. Os complementos foram a porta de entrada no mercado, embora a Sonne Collection, lançada no final de abril, tenha pensado no pacote completo. “Existiam muitas marcas de biquínis, mas nenhuma que oferecesse também este tipo de produto. No Brasil, vimos que a oferta de peças que as pessoas pudessem adaptar para um sunset ou mesmo para irem jantar era enorme”, explica Catarina Pereira, que além de empreendedora é também uma força do Instagram, com mais de 45 mil seguidores.
Ana Luísa Lopes é a outra metade do negócio. Uma designer de moda nascida no Brasil que quis criar a sua própria marca de swimwear à luz de um minimalismo português. Saias, saídas de praia, um quimono e umas calças à boca de sino surgem emparelhados com o primeiro lançamento de biquínis, triquínis e fatos de banho. Sem padrões, a riqueza das peças está nos detalhes — formas recortadas, aros de metal e rendas.
Resultam de um processo criativo que teve lugar durante o segundo confinamento, orientado sobretudo para oferecer conjuntos de praia chave na mão. “Tínhamos de trazer alguma frescura, não podíamos ser banais. Concentrámo-nos em peças versáteis, que se pudessem adaptar a todas as situações. E estar em casa acabou por ser bom porque tivemos muito tempo para trabalhar nisto — em dois meses tínhamos tudo desenhado”, continua. Pormenor importante: além de amigas e agora sócias, Catarina e Ana Luísa também partilham casa em Lisboa.
A sustentabilidade é inevitável na equação. Além da intemporalidade do design, que pretende estender a vida útil das peças, a produção tem uma escala local, por duas costureiras em Lisboa. Vestuário de banho e complementos podem ser comprados separadamente, embora a aposta da marca seja vender o conjunto como um dos must-haves do verão. “Temos a certeza que, neste verão, a vontade de ir a uma esplanada ou a um restaurante depois da praia vai ser ainda maior, depois de todas as limitações que tivemos”, adiciona Catarina.
O conceito da Sonne Collection foi capturado em duas sessões fotográficas — no Guincho, onde Catarina foi ela própria uma das protagonistas, e num estúdio, cenário neutro e minimal que distancia a marca portuguesa da praia e a aproxima de um registo mais sofisticado. Para julho, as duas criativas de 23 anos planeiam já um segundo lançamento. Para a estação fria, paira a ideia de desenvolver outro tipo de peças.
Misplaced
Sem filtros, tão pouco Photoshop, Ana Rodrigues e Carolina Galvão fizeram uma primeira abordagem ao mercado português no verão do ano passado. Os poucos modelos produzidos em casa e vendidos durante o mês de agosto passaram com distinção no teste da viabilidade e, menos de um ano depois, nasceu a Misplaced, uma marca de swimwear moldada à imagem e semelhança de corpos reais.
“Sempre foi difícil para mim comprar fatos de banho. Tinha problemas com o meu corpo e simplesmente não gostava dos padrões que encontrava nas lojas”, explica Carolina, de 22 anos, com formação em audiovisual e multimédia. Ana, de 25 anos, estudou e trabalha em moda. Com a amiga, partilha a implicância com os padrões tipicamente estivais — nomeadamente frutas e flores –, razão pela qual tomou um outro caminho, o dos estampados geométricas e das cores lisas.
“Existem imensos estereótipos em torno do corpo da mulher. As marcas que conheço são praticamente todos criadas a pensar em corpos de modelos. Os nossos não são perfeitos. Somos normais e não vamos deixar de fazer aquilo de que gostamos só porque temos aquela gordurinha a mais”, admite Ana. A amiga (e sócia) completa a filosofia: “Nunca vamos editar a pele, as curvas ou as borbulhas nas fotografias que pomos no nosso Instagram. Queremos mostrar diversidade e isto tanto vale para miúdas que sempre foram chamadas ‘Olívia Palito’, como para as que sempre foram consideradas ‘bolinhas'”.
“E não tem mal nenhum não gostares de certas partes do teu corpo. Se quiseres mudar, tudo bem. Se as aceitares, também. É pessoal”, resume ainda Carolina. Disponibilizar tamanhos grandes é essencial para fazer cumprir o objetivo a que a Misplaced de propõe. Por enquanto, biquínis e fatos de banho vão do S ao XL, embora a boa relação com a fábrica possa vir a facilitar a produção de outros tamanhos por encomenda. “s pessoas consideradas plus size não têm de usar uma toalha de cozinha, têm de vestir coisas de que gostem. Com a nossa dimensão, ainda não conseguimos ter todos os tamanhos que gostaríamos, mas havemos de conseguir inclur mais daqui a uns tempos”, conclui Ana.
Os planos para saltar do swimwear para outras secções do vestuário existem, mas são mantidos em segredo, além de ajustados às expectativas de um negócio que só agora está a descolar. Ainda assim, a dupla deixa escapar uma das ideias: pequenos acessórios para o cabelo para reaproveitar desperdícios de tecido.
Marma
Dos corredores da Farfetch aos longos dias de praia, há muito que a amizade de Sofia Vasconcelos e Catarina Medon ameaçava materializar-se numa marca de swimwear. As ideias estavam lá, mas a verdade é que o superavit de propostas nacionais neste segmento fez com que o projeto fosse adiado. “Conhecemo-nos há uns seis anos e desde então que temos passado os verões juntas na praia. Os biquínis foram sempre uma paixão das duas, mas fomos adiando o projeto. No ano passado, estávamos de férias e voltámos a falar no assunto”, contextualiza Sofia, que aos 27 anos trabalha como repórter de televisão.
Com noção do mercado, mas focadas numa forma de propor algo diferente dentro da moda de praia, a dupla desenhou a primeira coleção a quatro mãos — os modelos criados foram muitos mais do que aqueles que realmente saíram do papel — e lançou a Marma em maio deste ano. “A verdade é que já existe tudo. O importante para nós era termos uma boa licra e biquínis com um design clássico, para apanhar sol à vontade e sem ficar com marcas”, continua.
O segredo está nos extras: missangas, búzios e cordões que adornam os biquínis e fatos de banho, tornando-os peças especiais. “Vinte mulheres podem vestir o mesmo biquíni e sentirem-se todas elas de forma diferente, independentemente do corpo que tenham”, assinala ainda. Sobre criar para todos os corpos, a dupla defende que escolha do modelo é sobretudo uma questão pessoal de gosto e segurança e não uma questão de curvas.
“Queremos que quem usa um biquíni Marma conte a sua história, que partilhe como se sente. Muitas vezes, partilhar uma fotografia de biquíni não significa que a pessoa se sinta bem com ela própria. Também queremos desmistificar a ideia de que uma pessoa se sente bem com o seu corpo só porque ele se aproxima do estereótipo de corpo perfeito”, explica. A mensagem sai reforçada com a escolha de duas embaixadoras — Constança Braddell e Teresa Arraião dão a cara e o corpo pela marca e mostram que a diversidade e a inclusão são mesmo o novo pilar da moda.
Kalimera Collection
O que é que pode levar uma dentista a criar a sua própria marca de biquínis e fatos de banho? Bem, o melhor é perguntar a Sara Arrais, para quem Kalimera começou por ser um blogue de viagens, já lá vão cinco anos. “Era onde partilhava tudo sobre os sítios por onde passava. Viajava muito para sítios de calor e tinha sempre a mesma dificuldade em encontrar fatos de banho, em Portugal e mesmo na Europa, quando não estávamos na época alta. Acabava sempre por mandar vir de fora”, afirma.
Além da conveniência, o próprio gosto era difícil de corresponder. “Tinha sempre tudo muitos padrões e folhos, enquanto eu sempre gostei de coisas mais minimalistas”, continua. No início de 2019, pôs mãos à obra. Mesmo sem formação em design, Sara sabia bem o que queria. A verdadeira aventura veio depois, quando começou a procurar uma fábrica que garantisse as pequenas quantidades de uma marca de moda nacional a dar os primeiros passos. Num país rico em indústria têxtil, foi um pequeno atelier a abrir-lhe as portas.
Mas Breeze, a primeira coleção, ainda teria de esperar. Inicialmente previsto para o verão de 2020, o lançamento acabou por ser adiado para o ano seguinte. Aos primeiros dias de março, a Kalimera Collection estava cá fora. A simplicidade do design e a escolha dos materiais são o principal cartão-de-visita da marca, que elegeu o Econyl, fibra obtida a partir de velhas redes de pesca e de outros resíduos retirados do mar, como matéria-prima principal.
Aos 28 anos, Sara gere o negócio à distância, mais precisamente a partir de Paris, cidade onde vive e trabalha atualmente. A vindas a Portugal são frequentes, com passagem obrigatória pelo norte do país, onde os biquínis e fatos de banho são confecionados. O primeiro verão pode ser um teste para qualquer marca de swimwear, mas dificilmente esta chumbará — 24 horas após o lançamento online, já havia um modelo esgotado. No futuro, o plano é conseguir duplicar o número de coleções anuais e conseguir rumar ao outro hemisfério. Só assim, a Kalimera Collection cumprirá o desejo da sua fundadora — fazer com que o verão dure o ano inteiro.
100% português é uma rubrica dedicada a marcas nacionais que achamos que tem de conhecer.