João Almeida e o Giro estão numa relação. Em 2020 conheceram-se e foi amor à primeira vista, em 2021 ficou bem patente que é uma ligação que ainda terá vários capítulos. O português voltou a não ganhar numa etapa, não conseguiu desta vez andar com a camisola rosa mas provou até mais do que no ano passado que, aos 22 anos, é um caso sério. Está melhor, mais evoluído, a colocar-se muito melhor nas subidas, tem outra resistência aos ataques. O Pantera amadureceu. E, de trás para a frente, voltou a fazer uma Volta a Itália de grande nível.

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A primeira semana trouxe a frustração. Um grande contrarrelógio logo a abrir que valeu o quarto lugar na geral, um episódio no mínimo estranho de ver a Deceuninck Quick-Step a trabalhar para ser Remco Evenepoel a ter a bonificação final, uma etapa completamente falhada na chegada a Sestola onde perdeu vários minutos também porque a equipa estava toda concentrada no belga, que entretanto tinha passado a líder sem que se percebesse ao certo o que mudou em termos práticos desde o arranque da prova (a não ser aquela constatação da mais do que provável saída do português no final da temporada). Era 42.º, já a 5.38 do primeiro lugar.

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A segunda semana trouxe a redenção. Em todas as etapas a subir, João Almeida andava entre os primeiros, ia mostrando todas as condições para poder andar na roda dos verdadeiros candidatos mas lá tinha de baixar o ritmo para “rebocar” Remco Evenepoel, ou porque se colocava mal no início e depois era mais complicado voltar a colar ou porque estava mesmo em dificuldades – que eram normais e até previsíveis, tendo em conta o longo período de paragem do jovem prodígio depois da arrepiante queda de uma ponte na Volta à Lombardia de 2020. Nessa fase, também por ter feito dois décimos lugares em etapas, já tinha subido a 14.º, longe de Bernal.

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A terceira e última semana trouxe a afirmação. Mais do que isso, trouxe o espectáculo, já sem Evenepoel na corrida depois de uma desistência natural no seguimento de etapas de montanha verdadeiramente falhadas onde saiu das contas logo no início das subidas (numa delas a mais de 20 minutos do vencedor): sexto lugar em Cortina d’Ampezzo, segundo em Sega di Ala, segundo em Alpe di Mera, quinto em Valle Spluga-Alpe Motta. E foi talvez nesta última, que conseguiu diminuir distâncias para alguns dos adversários diretos, que surgiu essa grande demonstração de força, estando quase a descolar em dois momentos da subida, agarrando e superando Vlasov, agarrando e superando Simon Yates e sendo o último resistente ao ataque de Daniel Martínez para Bernal até ao último quilómetro, reduzindo a distância de chegou a ter na etapa também para Bardet.

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Com essa ponta final, João Almeida ganhou o direito a sonhar. A sonhar de forma mais razoável com o sétimo lugar, de forma mais pragmática com o sexto lugar, de forma mais ambiciosa com o quinto lugar, de forma mais impossível com o quarto lugar. Tudo com as distâncias de 28 segundos para Hugh Carthy (sétimo), 54 segundos para Daniel Martínez (sexto), 1.02 para Romain Bardet (quinto) e 1.43 para Aleksandr Vlasov (quarto). Mas este seria sobretudo um contrarrelógio marcado quase por uma espécie de “bruxedo” com a liderança.

Primeiro Filippo Ganna, o especialista da Ineos, campeão mundial e crónico candidato ao triunfo que acabou por sofrer um furo, perdeu cerca de 20 segundos e não conseguiu o tempo referência que queria em Milão. Depois Rémi Cavagna, que tinha todas as condições para superar o tempo do transalpino mas falhou uma curva na parte final do trajeto, bateu contra as proteções, caiu e acabou a 13 segundos de Ganna. Depois Matteo Sobrebro, que ia para segundo melhor registo, foi atrapalhado por um carro de equipa, ainda deu dois murros na porta e ficou então pelo terceiro tempo parcial. Não faltava acontecer mais nada até à saída dos primeiros.

O primeiro resultado intermédio ainda abriu uma pequena esperança de João Almeida poder lutar pela vitória no contrarrelógio (Nelson Oliveira, o outro português na prova e também especialista, teve um dia bem menos conseguido do que era esperado), o segundo ponto intermédio colocou essa possibilidade quase como uma miragem mesmo tendo em conta a paragem forçada de Ganna no final e até o quarto lugar começou a ser algo muito complicado perante as marcas que Vlasov ia fazendo. No entanto, o Pantera não virava a cara à luta.

João Almeida acabou o contrarrelógio a 26 segundos de Ganna, com o tempo de 34.15 que lhe dava logo nessa fase o quinto lugar na última etapa em Milão. Hugh Carthy estava ultrapassado, Romain Bardet também já não conseguiria aguentar o lugar face ao português, Daniel Martínez dava tudo para fechar no top 5 da classificação geral e a decisão teve mesmo de passar pelas frações de segundo. Lá na frente, Egan Bernal, Damiano Caruso e Simon Yates tinham apenas de confirmar chegada para completar, ao passo que Aleksandr Vlasov estava no ritmo certo para fechar sem grandes problemas na quarta posição. Ficava por saber quem teria sido o quinto posicionado, olhando para os centésimos de segundo para o desempate, que caiu para o colombiano tendo o mesmo tempo de João Almeida. O top 5 ficou a menos de um segundo mas o sexto lugar, no contexto em que começou a terceira e última semana, é mais do que uma vitória – e uma candidatura para os próximos anos.

“Não me lembro de quantas vezes ouvi gritar o meu nome, quantas bandeiras portuguesas vi, quantos ‘Bota Lume’, quantos ‘Força’. O ciclismo é isto. Incrível! Obrigado a todos pelo apoio. 30 km separam-nos de terminar mais um Giro. Um Giro em que, uma vez mais, dei tudo de mim. Independentemente dos resultados, irei para casa com um sorriso na cara porque não há melhor sentimento do que poder estar lá em cima, com os melhores. 1 day to go, Bota Lume”, tinha escrito João Almeida na véspera. E esse sorriso tornou-se ainda maior, mesmo com aquele sentimento agridoce de ter ficado apenas a 53 milésimos de segundo do top 5.