“Os meus filhos cresceram aqui. Eu, a minha mãe, a minha irmã, todos vivemos aqui. É pena, é muito triste.”

Diana já não mora no bairro 6 de Maio, na Amadora, há dois anos, mas veio dizer adeus. É apenas uma de dezenas de moradores que, ao longo de mais de meio século, aqui viveram, cresceram e construíram famílias.

Localizado a cerca de 15 minutos do centro de Lisboa, o bairro 6 de Maio começou a ser criado aos poucos, de forma provisória, no início dos anos 70, em parte pela comunidade cabo-verdiana da zona. É um dos 35 núcleos precários de habitação no concelho da Amadora integrados no Programa Especial de Realojamento (PER), e através dos quais a Câmara assinou, em 1995, um acordo para erradicação. Após várias demolições e um subir de tom na contestação dos moradores, sem perspetivas de novas habitações, a autarquia celebrou em 2018 um novo acordo, desta vez com o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), com o objetivo de realojar, no parque habitacional do instituto, os 24 agregados familiares não recenseados a morar no local.

Rodeados de entulho e lixo, Artemiza e Martinho vivem o fim do bairro 6 de Maio na Amadora

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Os anos foram passando e, no início deste ano, eram “sete ou oito” as famílias que ainda aguardavam a erradicação deste núcleo precário, revela ao Observador fonte da autarquia da Amadora. Viviam nos “escombros”, rodeados de “bichos, lixo e entulho”, num bairro que passou a servir de depósito para todo o tipo de material, como confessam os que lá viveram, numa espécie de “lixeira” a céu aberto.

“Não aguentei. Tinha uma filha pequena e não conseguia continuar a viver assim, numa situação precária”, explica à Rádio Observador Diana, que abandonou o bairro há dois anos. Na altura “não tinha documentos” e, por isso, não teve direito a usufruir do PER. “O meu nome está na Câmara, mas nunca voltei a tentar inscrever-me”, acrescenta, “é preciso muita paciência e com trabalho não tenho tempo para tantas reuniões”. Acabou por arranjar um apartamento para viver, a custo próprio.

Sorte diferente teve o filho de Diana. Sem querer divulgar o nome, explica ao Observador que “hoje é um dia feliz”. Nove anos depois o processo de inscrição no PER está finalizado e “tem um sítio para viver”. Admite que, no seu caso, o processo correu “melhor” porque “foi tendo o apoio de muitas pessoas e conseguiu não cometer os mesmos erros” que outros, na mesma situação, cometeram. “O processo teve início em 94”, lembra, “na altura muitas pessoas estavam presas ou, como o bairro ainda estava de pé, não se interessaram. Não tiveram a felicidade de se inscreverem no programa” para, duas décadas depois, “garantirem uma habitação para elas e para as suas famílias”.

Bairro 6 de maio erradicado. “É pena. Crescemos aqui”

É o caso de Cecílio. Quando saiu da prisão, em 2018, deparou-se com a habitação demolida. Confessa ao Observador que “tem um processo na Câmara Municipal” mas, três anos depois, “não sabe se continua a decorrer” e, por isso, “hoje não tem uma casa” para viver. Na mesma situação, garante, “há muitos outros”.

São esses “muitos outros” que foram obrigados a dizer adeus ao bairro 6 de Maio. As duas últimas barracas começaram a ser demolidas ao início da manhã, num processo que se prolongou durante várias horas e que foi acompanhado pela Polícia de Segurança Pública e pela autarquia da Amadora. Mais de 20 anos depois, o processo de erradicação está, finalmente, finalizado.

Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador e veja a fotogaleria acima.