Ricardo Mourinho Félix acusa o Banco de Portugal de se ter subjugado à vontade do Governo de Passos Coelho no momento da resolução do BES, em agosto de 2014, e acusa tanto o Governo como o ex-governador, Carlos Costa, de terem participado num “embuste”.

“Se quem determinou o montante [de capitalização inicial para a resolução] foi mesmo a senhora ministra das Finanças [Maria Luís Albuquerque], uma coisa fica clara: O Banco de Portugal nesse momento não atuou de forma independente. Fez o que a senhora ministra das Finanças lhe mandou fazer. Subjugou-se. E isso é uma falha grave, muito muito grave”, afirmou o ex-secretário de Estado do Tesouro e das Finanças aos deputados, na comissão parlamentar de inquérito dedicada aos problemas do Novo Banco.

O antigo governante, e agora vice-presidente do Comité de Gestão do Banco Europeu de Investimento, referia-se ao “segredo que era de polichinelo e que foi finalmente revelado pelo então governador do Banco de Portugal” na comissão de inquérito: “Não foi o Banco de Portugal que determinou o montante de injeção de capital no momento da resolução, foi o Governo, através da senhora ministra das Finanças [Maria Luís Albuquerque]”, atirou Mourinho Félix.

Poucos minutos passavam do início da audição de Ricardo Mourinho Félix no Parlamento para se ouvirem ataques cerrados ao governo de Passos Coelho sobre a situação do BES e a tentativa de alienação do Novo Banco que se seguiu, mas também ao anterior governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.

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“Assim se explica também por que falhou o processo de venda de 2015. Porque se estava a vender um banco com um balanço inacreditável”, conclui. “Não foi surpresa” que ninguém quisesse comprar o banco, porque “vender assim não é sério”, entende Mourinho Félix.

Uma venda em 2015 deixaria claro o embuste que tinha sido a resolução de 2014. Deixaria claro que a venda do banco, com pagamento integral dos empréstimos pelo Fundo de Resolução e um potencial lucro simplesmente não existia. O Governo tinha mentido, tinha enganado os portugueses”, disse o ex-secretário de Estado Adjunto do Tesouro e das Finanças aos deputados.

O antigo governante acusa o governo PSD-CDS de ter deixado o Novo Banco chegar a um elevado “estado de degradação da solvabilidade”, com a necessidade de capital de 4 mil milhões de euros no final de 2015, metade do qual de imediato, já depois de terem sido injetados 4,9 mil milhões de euros aquando da resolução do BES, em 2014.

Mourinho Félix nota que o Governo prometeu que “não haveria custos para os contribuintes, que o Novo Banco era bom, saudável e que seria vendido com relativa rapidez”.

“O Governo dizia que a venda permitiria recuperar o capital injetados, permitiria ao Fundo de Resolução pagar os empréstimos, e — imagine-se — que o banco poderia ser vendido até com algum lucro — um pouco mais de 4.900 milhões de euros”, apontou.

O antigo governante fala numa história “que podia ter começado com ‘era uma vez’, mas que seguramente nunca terminaria com ‘e viveram felizes para sempre e ainda ganharam algum com isso’”.

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“Tudo isso era uma fábula, uma mistificação. O BES foi resolvido, daí resultou um banco péssimo — o BES em liquidação — e um banco que era mau — o Novo Banco à data da resolução”, atirou Mourinho Félix. “O banco era novo mas não era bom, os ativos estavam sobreavaliados”. Em quanto? “Pelo menos 4.500 mil milhões de euros acima do seu valor”.

“A separação do BES transmitiu para o Novo Banco perdas não reconhecidas, mas que já existiam. O valor dos ativos não se deteriorou daquela forma no ano seguinte à resolução. As perdas foram criadas obviamente pelos atos de gestão ruinosa dos administradores do Novo Banco”, através do crédito concedido a vários empresários, considerou Mourinho Félix.

“Não é possível acreditar que tenha sido por lapso ou por apego a uma interpretação estrita das normas internacionais de contabilidade que se fez por 4,9 mil milhões de euros uma resolução que deveria ter implicado uma injeção do dobro do capital”. Ou seja, “4,9 mil milhões de euros em vez de 10 mil milhões de euros”.

Entende, por isso, que está em causa “a vontade de adiar a resolução de um problema, de simular uma saída limpa que deixava para trás um sistema financeiro numa situação frágil, com um banco que, primeiro, estava insolvente e que, depois de resolvido, continuava, na prática, insolvente”. 

Sobre a polémica decisão do Banco de Portugal de passar obrigações do Novo Banco para o BES, em 2015, Mourinho Félix entende que teve “um impacto reputacional sobre a República Portuguesa de proporções sísmicas”. “Não está aqui em causa a legalidade do ato”, mas “o impacto do ato”, disse Ricardo Mourinho Félix, que responsabilizou o supervisor.

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Depois de ouvir as acusações, mais de duas horas depois, o PSD acabou por usar uma parte das perguntas para defender a posição do Governo de Passos Coelho. O deputado Hugo Carneiro acusou Ricardo Mourinho Félix de ter trazido ao Parlamento “uma cartilha encomendada” e de estar a fazer “um exercício de desonestidade” ao estabelecer uma ligação entre a saída limpa e a resolução, uns meses depois.

“Como é que demorou seis anos a perceber que, afinal, o balanço do BES que transitou para o Novo Banco era tudo mau? Demorou seis anos? “Esteve tantas vezes no Parlamento e nunca foi tão claro, tão direto a esclarecer esta matéria?”, questionou Hugo Carneiro. “Não vale tudo na política”, disse o deputado social-democrata.

À esquerda, Mariana Mortágua defendeu que a resolução do BES “não foi o único embuste”:  “O Governo PSD-CDS não foi o único a dourar a pílula e a mentir aos portugueses, porque o mesmo embuste foi criado pelo primeiro Governo do Partido Socialista, quando disse que não haveria custos para os contribuintes da garantia, por exemplo, que criou na venda”, afirmou a deputada bloquista. Também no PCP, Duarte Alves, acusou o Governo socialista de ter “levado a fraude até ao fim”.

Última atualização: 19h05