“A variante Delta (B.1.617.2), associada inicialmente à Índia, apresentou uma subida galopante na frequência relativa a nível nacional, a qual aumentou de 4,0% (amostragem de maio) para 55,6% (amostragem de junho)”, destaca o relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), divulgado esta segunda-feira. Nas letras pequenas, é possível perceber que esta é a diferença entre as primeiras semanas de maio e as primeiras de junho. Sobre o que aconteceu entre 12 de maio e 1 de junho praticamente não há dados. Fonte oficial do Insa diz que mesmo que tivessem sido recolhidos dados não mudaria o cenário epidemiológico do país.

A estratégia vai mudar, cerca de seis meses depois da primeira variante de preocupação entrar no país e numa altura em que a variante Delta já é dominante. A metodologia anterior era válida e robusta, assegura fonte oficial do Insa ao Observador, mas a mudança foi imposta por “compromissos nacionais e internacionais de uma vigilância contínua com relatórios semanais, de forma a que este trabalho seja ainda mais útil à saúde pública e à decisão política“.

Os “intervalos temporais entre análises” (ou ‘snapshots’), como refere o instituto, foram a estratégia usada durante vários meses, mas a 7 de junho foi implementada uma nova estratégia que “permitirá uma melhor caracterização genética do SARS-CoV-2, uma vez que os dados serão analisados continuamente”, anunciou o Insa em comunicado de imprensa, na passada sexta-feira. O relatório “Diversidade genética do novo coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19) em Portugal” de dia 28 de junho será assim o último da velha metodologia, mas ainda está “em fase de finalização”, segundo o documento, e ainda não foram divulgados os resultados semanais de, pelo menos, 500 amostras positivas do vírus conforme previsto.

O instituto não ponderou a mudança de estratégia mais cedo, aquando a identificação da variante Alpha em Portugal, porque “outros países estavam a adotar exatamente o mesmo esquema de vigilância seguido em Portugal, baseado em robustos ‘snapshots’ mensais focados num período de tempo em cada mês”.

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INSA reforça vigilância das variantes em circulação em Portugal

Ao Observador, fonte oficial do instituto reafirma que “a estratégia de amostragem anteriormente adotada sempre foi válida e continuaria a sê-lo agora”, mas o comunicado divulgado na semana passada deixa evidentes as vantagens. “As mais-valias desta nova abordagem vão desde a identificação mais atempada de variantes genéticas que estejam a emergir no país, à monitorização contínua da prevalência das várias variantes em circulação, permitindo um apoio mais robusto e atempado à tomada de decisão em Saúde Pública”.

Dito de outra forma, com uma vigilância mais regular dos casos positivos e com mais análises feitas ao longo de um mês será possível acompanhar melhor a evolução de variantes de preocupação, como a Delta, que aumentou de 4 para 55% das amostras analisadas sem vermos como. Fonte do instituto diz, no entanto, que mesmo que tivesse havido amostragens regulares nas últimas semanas de maio, isso não permitiria ter mais controlo sobre a disseminação da variante Delta.

O cenário epidemiológico do país é definido pela taxa de incidência a 14 dias, valor do R(t), hospitalizações, entre outros indicadores. A informação sobre variantes é extremamente válida como complemento a estes dados”, diz fonte oficial do instituto.

Certo é que a primeira variante de preocupação, a Alpha, oriunda do Reino Unido, entrou em Portugal há cerca de seis meses e já mostrava ser mais transmissível. Tal como aconteceu no Reino Unido, acabou por tomar o lugar da variante que dominou Portugal durante quase todo o ano de 2020 — conhecida pela sua mutação mais importante, D614G. Bastaram pouco mais de dois meses, com um confinamento pelo meio, para a Alpha se tornar dominante.

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Mais uma vez, o exemplo do Reino Unido mostrou que a variante Delta (com origem na Índia) tinha uma capacidade de transmissão e de crescimento na comunidade ainda maior. Os modelos matemáticos mostravam que a variante Delta iria ultrapassar a Alpha em menos tempo do que esta tinha levado a dominar o país. O primeiro caso da variante indiana em Portugal foi registado a 19 de abril, mas referia-se a uma linhagem que ainda não se revelou de preocupação (a Kappa, B.1.617.1). A presença da variante Delta foi reportada, pela primeira vez, no relatório da “Monitorização das linhas vermelhas para a Covid-19” de 14 de maio — numa altura em que a recolha de amostras para análise de maio já estava completa e só seria retomada a 2 de junho.

A estratégia adotada pelo Insa até agora previa a recolha de amostras durante duas semanas no início do mês: em abril, decorreu de 5 a 18, antes da variante Delta (B.1.617.2) ter sido identificada pela primeira vez em Portugal. Em maio, das 1.013 amostras recolhidas entre 3 e 11 de maio, 92 eram desta variante — mas este valor só foi conhecido semanas mais tarde, a 11 de junho, no relatório semanal de monitorização das linhas vermelhas. Com os dados das amostras de 2 a 15 de junho, divulgados esta segunda-feira, percebemos que a B.1.617.2 passou de 4,0% das amostras analisadas para 55,6% — evidenciando ainda mais a lacuna causada pelos intervalos de amostragem. Com os dados já analisados, foram identificados 766 casos de Delta em Portugal e a variante foi declarada dominante não só na região de Lisboa e Vale do Tejo, mas em todo o país.

A amostragem do Insa implica que do total de casos positivos, uma parte dos casos espalhados por todo o país (cerca de 10%) seja sequenciada geneticamente, ou seja, que os genes do vírus sejam lidos para perceber de que variante se trata ou que mutações apresentam. São cerca de mil amostras recolhidas nas duas primeiras semanas do mês (em abril foram 1.426) que depois vão sendo analisadas ao longo do mês e os dados conhecidos aos poucos. Além disso, ao longo do mês, o Insa analisa também casos suspeitos — por exemplo, uma pessoa com histórico de viagem a um país de risco ou um surto localizado. A probabilidade de se encontrar o que se procura aumenta nestes casos porque é uma escolha dirigida e não uma amostragem aleatória como se faz a nível nacional.

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Para se compreender o problema, as críticas do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) e a solução do Insa, vejamos: num surto com 10 pessoas infetadas que estiveram em contacto com outra que tem a variante Delta pode acontecer que as 10 tenham essa variante, logo, neste conjunto de dados (ou nessa semana) 100% dos casos analisados são da variante Delta. Na semana seguinte, a análise das amostras recolhidas aleatoriamente só revela, por exemplo, 2% de Delta. Depois, pode acontecer que numa semana sejam sequenciados poucos casos ou comunicadas poucas sequências na base de dados internacional e na semana seguinte haja mais sequenciação ou que os dados sejam divulgados todos juntos. Estas variações de semana para semana são uma explicação possível para as críticas relativamente ao facto de se estar a analisar poucos vírus em Portugal.

De forma geral, na segunda-feira, quando Portugal ultrapassou os 875 mil infetados com o coronavírus SARS-CoV-2, o relatório do Insa mostrava que durante este período se analisou pouco mais de 1% dos vírus que causaram estas infeções (9.846). Claro que o esforço para sequenciar as amostras de vírus é variável e será, à partida, tanto maior quanto mais importante for para a identificação e monitorização de cadeias de transmissão do SARS-CoV-2, assim como para a identificação de novas introduções do vírus em Portugal — que é o objetivo do projeto.

Na verdade, e segundo fonte oficial do Insa, a percentagem de amostras sequenciadas (amostras cujos genes são analisados) é dada tendo em conta apenas o número de novos casos no período da amostragem (cerca de duas semanas). Assim, em abril, “foram sequenciados cerca de 20% de todos os casos positivos no país e que, em maio, essa taxa de sequenciação subiu para mais de 30%”. Em junho, no entanto, a taxa de sequenciação desceu para 10%.

Considerando o número total de infetados num mês e o número de sequências feitas, aí o quadro fica muito diferente. Entre 1 e 31 de maio, a Direção-Geral da Saúde (DGS) reportou um total de 12.600 novas infeções e, no mês seguinte, entre 1 e 30 de junho, foram reportadas 30.464. Mas o número de amostras recolhidas pelo Insa foi equivalente em ambos os meses: 1.013 em maio (8% dos casos positivos desse mês) e 1.087 em junho (3,6% dos casos positivos do mês). Já em janeiro, entre os dias 10 e 19 (mesmo antes do pico da terceira vaga), foram reportados 90.771 novos casos de infeção e recolhidas 532 amostras para análise (0,6% dos casos positivos dessa semana). Nesta altura, a variante Alpha representava 16% e estava a crescer. No relatório, o Insa referiu que “esta variante [estava] amplamente dispersa por todo o território nacional”.

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Nas duas últimas semanas de maio e duas primeiras de junho (semana 20 a 23), assim como em semanas anteriores, o ECDC indica que Portugal não atingiu a meta da sequenciação definida pelo organismo europeu: pelo menos, 10% dos casos positivos identificados ou, pelo menos, 500 amostras por semana. A nova estratégia do Insa, implementada a 7 de junho, “consiste na sequenciação de mais de 500 amostras positivas de SARS-CoV-2 por semana, sendo este o número considerado como ideal pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças para um sistema de vigilância genética robusto”.

Falta saber se o instituto terá capacidade para assegurar este ritmo de trabalho. João Paulo Gomes, investigador no Insa e coordenador do estudo sobre diversidade genética do SARS-CoV-2 em Portugal, disse ao Público que a falta de financiamento e de recursos humanos (apenas oito pessoas para cumprir este trabalho, entre os colaboradores do Insa e do Instituto Gulbenkian de Ciência) têm sido as principais limitações. Outra limitação é que apenas os testes PCR permitem guardar amostras para se fazer a leitura dos genes (sequenciação). Com o crescimento dos testes de antigénio e autotestes há menos amostras disponíveis para análise.

Fonte oficial do Insa confirmou ao Observador que, apesar da mudança de estratégia, o número de pessoas envolvidas nas tarefas não aumentou e que “nesta fase de transição, este trabalho está, naturalmente, a implicar um esforço acrescido para os recursos humanos existentes, os quais, no entanto, estão a responder cabalmente às solicitações”. Quando outros laboratórios da academia também participavam no processo “era significativamente mais simples”, mas os custos elevados e a falta de financiamento condicionam este tipo de colaborações.

Artigo atualizado às 20h55 com as respostas do Insa ao Observador.
Artigo atualizado às 00h00 com clarificação da taxa de sequenciação.