Quase três semanas após o acidente, a GNR decidiu chamar à hora de almoço desta quinta-feira pelo menos um dos outros três trabalhadores que estavam na A6 no momento do atropelamento mortal com o carro oficial do ministro Eduardo Cabrita, ao que apurou o Observador junto de fonte próxima da investigação. A notificação aconteceu assim depois de o Observador ter revelado que os restantes colegas da vítimas que com eles participavam na limpeza da via ainda só tinham sido ouvidos no dia e no local do acidente.
Apesar de dois dos trabalhadores estarem de costas com os cortadores de erva, e não terem visto o que passou, e do outro colega, o condutor da carrinha, o único que assistiu ao acidente e que gritou a alertar os colegas, estar em absoluto estado de choque e não querer falar sobre o mesmo, tudo o que estas três testemunhas disserem será sempre relevante para o caso. Apesar de, como já referia a reconstituição do acidente feita pela reportagem do Observador, nenhum deles ter certezas quanto ao que o colega, chefe de equipa, terá ido fazer ao centro da via, onde se deu o atropelamento mortal — o trabalhador estava com o aspirador e saiu junto dos colegas, tendo sido colhido quando se preparava para voltar ao saltar do centro do via –, todos os pormenores permitirão perceber o que se passou naquele momento. Desde os métodos de trabalho, ao comportamento, à sinalização da estrada, e ao que se passou nas horas seguintes com socorro e o próprio ministro e o seu motorista, incluindo o que aconteceu ao carro onde seguiam.
Aliás, quanto a alegadas limitações nas perícias, noticiadas esta manhã, a GNR emitiu às 15h25 um comunicado a garantir que estava a fazer “todas as diligências” relacionadas com a investigação à morte do trabalhador de 43 anos e com o carro do ministro da Administração Interna. Este esclarecimento foi emitido na sequência de uma notícia que dava conta de que os elementos do Núcleo de Investigação Criminal a Acidentes de Viação da GNR de Évora teriam sido impedidos de fazer perícias ao BMW onde seguia Eduardo Cabrita, incluindo aceder ao computador interno do carro — a centralina — para perceber a que velocidade este seguia. A GNR garantiu que “nunca existiu qualquer ordem superior para impedir ou condicionar” a investigação.
Acidente na A6. GNR garante que “nunca existiu ordem superior” para não investigar carro de Cabrita
A GNR negou também que os titulares da investigação não saibam para onde a viatura foi levada. O carro foi apreendido no dia do acidente, 18 de junho, por ordem do tribunal, encontra-se na posse da GNR. “Está à nossa guarda”, garantiu ao Observador o porta-voz da GNR, o tenente-coronel João Fonseca. O carro estará em instalações desta força de segurança militar em Lisboa, mas não em Évora, distrito onde aconteceu o acidente, e onde o caso está a ser investigado.
Carro tinha seguro válido e matrícula provisória
O BMW onde seguia o ministro Eduardo Cabrita, sabe o Observador, tem um seguro da Ageas Seguros válido até 6 de abril de 2022 (a apólice tem data de início de 7 de abril deste ano). E a seguradora já estará a analisar o acidente.
O Observador já havia questionado anteriormente o Ministério da Administração Interna sobre se algum seguro havia sido acionado, mas fonte oficial alegou não poder prestar declarações, uma vez que o caso está em segredo de justiça.
Esta quarta-feira, Rui Rio disse em declarações aos jornalistas na Assembleia da República que o carro em que seguia o ministro não estava registado na conservatória do registo automóvel, o que levou o MAI a reagir de seguida, não obstante o segredo de justiça que tem sido invocado para não responder a outras questões, como a velocidade a que seguia: “O veículo encontra-se na situação jurídica de apreendido e não foi declarado perdido a favor do Estado. Assim, para poder circular na via pública, a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP) emitiu uma guia para que o veículo possa circular válida até 13 de maio de 2023”, disse à agência Lusa fonte do Ministério da Administração Interna (MAI).
Antes, o líder do PSD tinha exigido “saber se havia sinalização da obra ou não havia sinalização da obra”, “acima de tudo de saber a velocidade a que o carro vinha”, mas também “saber mais uma coisa que eu não entendo: é que o carro que transportava o MAI pura e simplesmente não está registado na conservatória do registo automóvel”.
A questão contudo tem enquadramento legal. O despacho 17 115/2003 (2.ª série) estabelece que a Direção-Geral do Património, como entidade responsável pela gestão dos veículos apreendidos a favor do Estado, “procede regularmente à atribuição de veículos a organismos do Estado, para os quais importa assegurar a atribuição de matrícula e a correspondente emissão de documentos de identificação”.
Ao que o Observador apurou, a matrícula do carro em que seguia Cabrita (28-VG-24) é provisória e tem validade até maio de 2023.
Na alínea 1) deste despacho é clarificado que “a pedido da Direção-Geral do Património do Estado pode ser atribuída matrícula, a título provisório, a veículos apreendidos que ainda não estejam definitivamente perdidos a favor do Estado”. Ou seja, a carros que ainda não tenham passado para a esfera do Estado no âmbito de uma decisão da justiça transitada em julgado. Estamos sempre a falar de bens apreendidos por via judicial.
Mas, em tese, mesmo que a matrícula provisória tivesse sido cancelada entretanto, a seguradora não poderia rejeitar as suas responsabilidades, apurou o Observador.
O que se sabe e o que falta saber sobre o caso
A morte do trabalhador atropelado está a ser investigada pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Évora, que esta quinta-feira emitiu uma nota a garantir o que “estão a ser realizadas todas as diligências de investigação consideradas pertinentes e adequadas”. “Nesta investigação, o Ministério Público do DIAP de Évora é coadjuvado pela GNR, órgão de polícia criminal legalmente competente”, lê-se na nota.
O acidente aconteceu cerca das 13h15 de sexta-feira, ao quilómetro 77,6 da A6, perto da Azaruja, em Évora, no sentido Estremoz-Lisboa. Num comunicado emitido logo após o atropelamento, já com o caso em segredo de justiça — motivo alegado depois disso para não serem dados mais esclarecimentos — o Ministério da Administração Interna esclareceu que a viatura em que seguia Eduardo Cabrita “não sofreu qualquer despiste” e que a vítima “atravessou a faixa de rodagem, próxima do separador central, apesar de os trabalhos de limpeza em curso estarem a decorrer na berma da autoestrada”. O MAI não revelou até hoje a velocidade a que seguia o BMW.
O homem de 43 anos terá deixado temporariamente o grupo de trabalho que estava na berma e atravessou a faixa de rodagem até ao separador central — embora não se saiba ainda porquê. A vítima estaria a saltar por cima do rail de separador central para atravessar a estrada e regressar à berma, quando foi atingido pelo carro do ministro. Estaria de costas quando a colisão aconteceu. O corpo terá sido projetado no ar, tendo caído a cerca de quatro metros de distância, na valeta de cimento no separador central.
No comunicado emitido logo após o acidente, o MAI garantia que “não havia qualquer sinalização que alertasse os condutores para a existência de trabalhos de limpeza em curso”. Estas informações já foram desmentidas por fontes da Brisa, a empresa responsável pela manutenção da estrada, que tinha subcontratado a empresa Arquijardim, para a qual trabalhava a vítima — tal como noticiou o Observador. O que dizem os trabalhadores também vai neste sentido: o trabalho de limpeza era feito em andamento, pelo que não era possível alertar os condutores com sinais de trânsito fixos — razão pela qual os trabalhadores eram protegidos à retaguarda por uma carrinha com um sinal luminoso. Além disso, os próprios usavam calças e coletes refletores para serem facilmente avistados — como era o caso de Nuno, a vítima.