A organização não-governamental (ONG) Centro Terra Viva denunciou esta quarta-feira alegados casos de “mutilação de cadáveres” durante a transferência de cemitérios familiares num espaço que acolhe a construção de um novo aeroporto na província de Gaza, sul de Moçambique.
As obras de construção do aeroporto, que começaram 2018, abrangem uma área de cerca de 140 hectares no distrito de Chongane, espaço que acolhia algumas campas de famílias que vivem nos arredores do projeto.
Para avançar com o processo de construção deste aeroporto foi necessária a transferência dos cemitérios familiares que se encontravam na área abrangida e, devido ao tamanho dos caixões adquiridos para o processo, foram amputados, pelo menos, sete corpos que estavam lá sepultados”, disse à Lusa Samanta Remane, diretora de programas de política e legislação do Centro Terra Viva.
Segundo a fonte da ONG moçambicana, a amputação foi feita na presença das famílias, mas por pessoas não especializadas, que terão usado catanas, serrotes e outros instrumentos para mutilar braços e pernas dos cadáveres, de forma a que pudessem caber nos novos caixões. “Algumas eram pessoas da comunidade que foram contratadas para cortar os membros inferiores e superiores dos corpos destas famílias. Isto é uma situação que gera traumas“, declarou.
A exumação dos corpos esteve a cargo de uma comissão criada localmente pelo governo, embora tivesse indicado também uma médica legista e uma funcionária da Direção Provincial de Assistência Social de Gaza.
“Uma situação tão delicada como a exumação de corpos não pode ser deixada na responsabilidade de membros da comunidade, que não são especializados no assunto”, afirmou Samanta Remane, acrescentando que a organização pediu, em encontros posteriores com as autoridades, a criação de uma comissão de inquérito para investigar o caso, mas o governo provincial não o fez.
No total, pelo menos 400 famílias foram afetadas pelo projeto de construção do aeroporto, descrito pelo chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, como uma infraestrutura que vai “promover o desenvolvimento da economia local e regional“, colocando a província de Gaza na “rede de transporte aéreo”.
Para o Centro Terra Viva, que acompanha o processo desde início das obras, em 2018, as famílias afetadas pelo projeto não foram ainda compensadas. “Neste processo, as comunidades perderam as suas machambas [campos agrícolas] e ainda não foram compensadas. Segundo a legislação, a indemnização deve ser paga antes das comunidades perderem os seus espaços, o que não aconteceu“, afirmou.
Segundo dados divulgados este mês pela direção do Serviço Provincial de Infraestruturas da província de Gaza, são necessários 18 milhões de meticais (239 mil euros) para as compensações, estando o executivo à procura do montante. A Lusa tentou, sem sucesso, contactar o governo provincial de Gaza e os Aeroportos de Moçambique. O aeroporto de Chongoene, com uma pista de aterragem de 1.800 metros, está orçado em 75 milhões de dólares (63 milhões de euros), disponibilizado pelo banco chinês Exim Bank, segundo dados avançados pela Presidência em 2018.