O Presidente do Haiti, Jovenel Moise, foi assassinado durante a madrugada desta quarta-feira. A notícia, que começou a ser divulgada pelos jornais locais, foi depois confirmada pelo gabinete do primeiro-ministro interino.

Segundo o comunicado emitido, Moise foi morto por um grupo de indivíduos não identificados, alguns falantes de espanhol, que invadiram a sua residência privada nos arredores da capital haitiana, Porto Príncipe, pela 1h (5h em Lisboa) desta quarta-feira. De acordo com a Reuters, o Presidente, que tinha 53 anos, foi assassinado a tiros com armas de alto calibre.

A mulher do Presidente sofreu ferimentos provocados por uma arma de fogo, mas sobreviveu. O embaixador do Haiti nos Estados Unidos confirmou que Martine Moise se encontra estável mas em estado crítico, e revelou que estão a ser feitos esforços para levar a primeira-dama para Miami para ser tratada.

O embaixador, Bocchit Edmond, explicou ainda à agência Reuters que o governo haitiano possui imagens de vídeo que mostram que os homens armados se identificaram falsamente como agentes da Administração de Fiscalização de Drogas dos EUA, mas garante que não o eram.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O primeiro-ministro da Jamaica recorreu ao Twitter para se mostrar chocado com as “notícias trágicas”. Andrew Holness revelou ter estado várias vezes com Moise, um homem que lhe pareceu “comprometido em ver o Haiti ocupar o seu lugar no mundo”.

Classificando o homicídio como um “ato odioso, desumano e bárbaro”, Claude Joseph, que substituiu Joseph Jouthe como primeiro-ministro interino em abril depois de este apresentar subitamente a demissão após três meses no cargo, apelou à calma da população.

Joseph, que deveria ser substituído esta semana e que é agora a mais alta figura do Estado, garantiu que a segurança do país está assegurada e que todas as medidas foram tomadas para garantir a “continuidade do Estado”.

O primeiro-ministro interino declarou ainda o estado de sítio no país após presidir a um Conselho de Ministros extraordinário.

O assassínio ocorre dois meses antes das eleições presidenciais e legislativas convocadas para o próximo dia 26 de setembro, às quais Moise não se poderia candidatar.

Durante a tarde, as autoridades haitianas decidiram encerrar o aeroporto internacional de Príncipe, obrigando ao cancelamento ou ao desvio para outros destinos de vários voos da capital do país. Duas companhias aéreas com rotas diárias para a capital da Haiti cancelaram todos os voos programados para esta quarta.

Conselho de Segurança da ONU convoca reunião de emergência

O Conselho de Segurança da ONU está “profundamente chocado” com o assassínio do chefe de Estado do Haiti, declarou o seu presidente em exercício, o embaixador francês Nicolas de Rivière.

Falando na abertura dos trabalhos do órgão executivo das Nações Unidas, Rivière disse que “os membros do Conselho se declararam profundamente chocados com o assassínio do Presidente Moise ao início do dia em Porto Príncipe e preocupados com a situação da primeira-dama, Martine Moise, que também foi ferida a tiro no atentado”.

O Conselho de Segurança convocou esta quarta-feira uma reunião de emergência devido à situação no Haiti, a realizar-se na quinta-feira, depois do assassínio do Presidente haitiano. Solicitada pelos Estados Unidos da América e pelo México (membro não permanente do Conselho), a reunião vai ser realizada à porta fechada a meio do dia, anunciaram fontes diplomáticas.

Já o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu unidade ao país e a preservação da ordem constitucional. Numa breve declaração do seu porta-voz, Guterres transmitiu condolências ao povo e ao governo do Haiti, destacando que os responsáveis pelo crime devem ser levados à justiça.

“O secretário-geral apela a todos os haitianos a preservarem a ordem constitucional, manterem-se unidos perante este ato horrível e rejeitar toda a violência. As Nações Unidas vão continuar ao lado do governo e do povo do Haiti”, disse o porta-voz, Stéphane Dujarric.

França denuncia “assassínio cobarde” e Biden oferece ajuda

A França denunciou o “assassínio cobarde” do Presidente haitiano e pediu “toda a luz” sobre os eventos do caso. “Condeno veementemente este assassínio covarde. Toda a luz deve ser lançada sobre este crime que aconteceu num clima política e de segurança muito degradado”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Yves Le Drian. O chefe da diplomacia francesa convidou também “todos os atores da vida política haitiana à calma e contenção”, pedindo aos franceses a “maior prudência”.

Há uma semana, a França exortou o governo haitiano a agir para garantir a proteção da população, após a morte de 20 pessoas, incluindo um jornalista e um ativista político da oposição, num tiroteio em Porto Príncipe.

O presidente dos EUA, por sua vez, condenou o “ataque hediondo” e desejou a recuperação da primeira-dama. Joe Biden, em comunicado citado pela Reuters, afirma ainda que os EUA estão “prontos” para ajudar, enquanto trabalham para “um Haiti seguro e protegido”.

Morte de Jovenel Moise pode provocar onda de violência no país, considera ex-embaixador

O Haiti atravessa um momento particularmente conturbado, marcado por grande instabilidade social e política, que incluiu o escalar da violência entre grupos criminosos armados. Na semana passada, um massacre na zona de Porto Príncipe provocou a morte de, pelo menos, 20 pessoas, informou uma organização não-governamental haitiana.

A esta situação vêm-se juntar as dificuldades em lidar com a pandemia do novo coronavírus. O Haiti, um dos mais pobres das Caraíbas, aguarda ainda a chegada da primeira remessa de vacinas ao abrigo do programa internacional COVAX.

Jovenel Moise tem sido apontado como o principal responsável pela crise que o país enfrenta. Manifestações pela sua demissão causaram vários mortos nos últimos dois anos. Em junho de 2019, um protesto contra o Presidente acusado de corrupção provocou pelo menos sete mortos e mais de uma centena de feridos.

No início deste ano, uma nova onda de protestos varreu o país após Moise ter-se recusado a abandonar o cargo. De acordo com a oposição, o seu mandato terminou a 7 de fevereiro, quando fez cinco anos que o seu antecessor, Michel Martelly, deixou a Presidência. O Presidente rebateu os argumentos, dizendo que tinha ainda um ano de mandato para cumprir.

Milhares de haitianos voltaram a sair à rua. Foram detidas 23 pessoas, incluindo um juiz e um oficial da polícia, que teriam tentado matar Moïse e apoderar-se do poder. “O objetivo destas pessoas era atentar contra a minha vida”, disse na altura o governante, de acordo com o The New York Times. “O plano foi abortado.”

Didier Le Bret, antigo embaixador francês no Haiti, acredita que a morte de Moise pode levar a uma ainda maior instabilidade se não forem logo tomadas as medidas adequadas. “Haverá uma transição de poder que pode levar a alguma violência se não se fizer nada para o prevenir numa primeira fase”, disse à France24, admitindo que a situação pode ficar “descontrolada”.

Vindo do mundo dos negócios, Jovenel Moise foi eleito Presidente em 2016 e assumiu o cargo a 7 de fevereiro de 2017.