Olhando para os últimos dez anos, parece estar-se perante um paradoxo: os incêndios dos primeiros seis meses de 2021 são, em números absolutos, o 3.º valor mais reduzido desse período. Em contrapartida, representam o 4.º valor mais elevado de área ardida, num ano em os fogos de pequena dimensão têm sido a maioria. Números exatos, entre 1 de janeiro e 30 de junho, um total de 3.628 incêndios rurais resultaram em 11.030 hectares de área ardida, entre povoamentos (2.263 hectares), matos (7.995) e agricultura (772). Os dados foram revelados esta quarta-feira no Relatório de incêndios rurais de 2021 do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.

Quando se olha para a média dos dez anos, 2021 regista quedas nos dois indicadores: menos 38% de incêndios rurais e menos 36% de área ardida. No entanto, o valor médio de área ardida (17.144) está bastante inflacionado com os valores dos 3 piores anos: 2017 com 72.005 hectares ardidos (o ano do fogo de Pedrógão Grande); 2012 com 36.445 e 2015 com 20.081. Olhando só para os anos recordistas, a média seria de 42.843 hectares ardidos.

Sem estes três anos, e os seus picos, a média estaria nos 6.129 hectares de área ardida e o valor de 2021 estaria bastante acima.

Por outro lado, apesar da muita área ardida, os fogos registados não são de grandes dimensões. Os incêndios com área ardida inferior a 1 hectare (pequena dimensão) são a grande maioria, representando 77% do total de incêndios rurais. Até ao último dia de junho, contaram-se 18 grandes fogos (100 a 1000 hectares).

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Comparativamente, em 2017, nos mesmos seis meses, registaram-se 38 incêndios de grande dimensão, a que se somaram 4 fogos acima dos mil hectares de área ardida.

Incendiários foram responsáveis por 13% dos fogos com causa definida

O relatório dá conta de que a grande maioria dos incêndios (2.741 em 3.628) foram investigados e, estes, representaram 91% da área ardida. Não foi possível concluir para todos qual a causa do incêndio, chegando-se à origem em 2.179 fogos (79% do total investigado, responsáveis por 86% da área total ardida). Houve também dois fogos causados por queda de raios.

Quanto ao que levou à deflagração, as queimadas estão no topo da lista. Os incendiários foram responsáveis por 13% dos incêndios, enquanto que o uso negligente do fogo representou 69%.

Dentro deste grupo, as queimadas de sobrantes florestais ou agrícolas representaram 28% da origem dos fogos, as queimas de amontoados de sobrantes florestais ou agrícolas 16% e as queimadas para gestão de pasto para gado 22%. O documento aponta ainda que os reacendimentos representam 4% do total de causas apuradas, num valor inferior face à média dos 10 anos anteriores (12%).

Olhando para o mapa, é no Norte do país que a maioria dos incêndios teve lugar e os concelhos com maior número de incêndios estão todos a norte do Tejo. Em comum têm também a elevada densidade populacional, a presença de grandes aglomerados urbanos ou a utilização tradicional do fogo na gestão agroflorestal.

No topo da lista, está o distrito do Porto (556 fogos), seguido do de Vila Real (413) e do de Braga (339), sempre com incêndios que, na sua maioria, não ultrapassam 1 hectare de área ardida. No Porto, a percentagem de fogos de pequena dimensão é de 88%.

Se, em vez do número de fogos se olhar para a área ardida, quem encabeça a lista é o distrito de Vila Real, com 3.576 hectares, seguido do distrito de Braga, com 1.843 hectares e, em terceiro lugar, o de Viana do Castelo (1.308 hectares).

Março é o pior mês até à data

O relatório do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas mostra ainda que, em relação aos primeiros seis meses do ano, março é o que apresenta piores resultados quer em área ardida, quer em número de fogos.

Com um total de 1.285 incêndios rurais, este valor representa 35% dos fogos totais do ano. Quanto à área ardida, no terceiro mês de 2021 foram consumidos pelo fogo um total de 66.88 hectares — 61% do total de área ardida durante o período analisado.

Uma última nota diz respeito à diferença entre o que era esperado arder e a parte do território que ardeu de facto. O valor de área ardida real (11.030 hectares) corresponde a 129% da área ardida ponderada, o que, lê-se no relatório, significa que o valor “é consideravelmente superior à área ardida expectável tendo em conta a severidade meteorológica verificada”.