Começou apenas como uma informação a circular em alguns grupos de sócios e adeptos do Benfica, ainda de manhã. Ganhou uma outra dimensão numa carta enviada pelos associados Francisco Benitez, Tiago Godinho e Gonçalo Pereira tendo como destinatário o líder do Conselho Fiscal e Disciplinar, Fernando Fonseca Santos, alegando que uma empresa de Rui Costa, a Footlab, tinha negócios com o clube que chegavam mesmo à intermediação de venda de atletas no futebol feminino. Rui Costa respondeu refutando por completo as acusações e esclarecendo algumas incongruências nos argumentos. O Conselho Fiscal e Disciplinar arrumou o “caso”, até pela questão da entrada na Direção apenas em outubro de 2020, no último sufrágio eleitoral.

Na “ressaca” da detenção de Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica que vai passar mais uma noite detido antes de ser apresentado a primeiro interrogatório perante o juiz Carlos Alexandre, o universo benfiquista continua a sentir réplicas do autêntico terramoto que surgiu na quarta-feira. E se o ruído externo tem aumentado, também no plano interno têm sido várias as movimentações, neste caso reforçando algo que já tinha ficado mais definido nas reuniões realizadas na Luz no dia da detenção: Rui Costa assume a liderança se existir essa necessidade, que pode surgir ou por demissão do próprio Vieira ou por suspensão do mandato por parte das autoridades. Mas vamos por partes, começando com as alegações de que o administrador da SAD e vice teria violado os estatutos.

A acusação de violação dos estatutos feita a Rui Costa que começou o dia

“Foram tornadas públicas, nos últimos dias, diversas informações que – a serem confirmadas – constituem uma violação clara dos estatutos do Sport Lisboa e Benfica, nomeadamente do seu artigo 44°, n° 4, o qual dita: ‘Os membros dos órgãos sociais não podem, direta ou indiretamente, estabelecer com o clube e sociedades em que este tenha participação relevante, relações comerciais ou de prestação de serviços, ainda que por interposta pessoa, considerando-se para estes efeitos, nomeadamente, o cônjuge, ascendentes e descendentes’. Foi divulgado em diversos meios que o vice-presidente do clube será – através de uma sociedade por si detida – o proprietário da marca Footlab, a qual realizará, segundo o representante da própria, diversos negócios com o Sport Lisboa e Benfica”, referiu a queixa ao Conselho Fiscal e Disciplinar, a que o Observador teve acesso.

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“A Footlab intermediará a venda de atletas ao Sport Lisboa e Benfica, conforme foi tornado público pelo seu autodenominado CEO, Filipe Costa, filho do vice-presidente Rui Manuel Costa, ao anunciar, em publicações nas suas redes sociais Instagram e LinkedIn, a intermediação da venda de, pelo menos, as seguintes atletas ao Sport Lisboa e Benfica: Caroline VanSlambrouck, a 15 de novembro de 2019; Thembi Júnior Kgatlaba, a 27 de janeiro de 2020; Ucheibe Christy, a 14 de fevereiro de 2020. Em diversas das referidas transações é igualmente mencionada uma sociedade denominada KSirius Football Management, à qual o referido Filipe Costa prestará serviços. A Footlab terá, de acordo com as informações tornadas públicas, igualmente, uma parceria com o Sport Lisboa e Benfica, através da qual o clube instalou uma escolinha de futebol nas instalações da dita Footlab, não sendo divulgados os valores comerciais da mesma, assumindo-se que os mesmos estejam regulados em contrato entre o Sport Lisboa e Benfica e a 10 Events Lda.”, apontou a carta enviada ao órgão disciplinar.

Rui Costa refuta acusações, Conselho Fiscal e Disciplinar “arruma” o caso

Já depois de alguns esclarecimentos (e não só) que foram chegando ao grupo de sócios que assinou essa missiva, Rui Costa respondeu diretamente ao Conselho Fiscal e Disciplinar, recusando qualquer tipo de intervenção, seja direta ou indireta, na intermediação de atletas ou qualquer outro negócio envolvendo o clube, o que deitava por terra a possibilidade de violações e estatuto como tinha sido alegado na queixa que foi apresentada.

“Desconheço em absoluto qualquer informação tornada pública ou não de uma alegada parceria entre o Footlab e o Sport Lisboa e Benfica. Em nome da transparência que entendo que deve pautar, e sempre pautou, a minha vida e, particularmente, a minha relação com o Sport Lisboa e Benfica, devo referir que, em tempos, existiu uma escola do Benfica de Miraflores que alugava um dos campos do Footlab para lá jogar como todos os outros clientes daquele espaço. Nunca foi estabelecida qualquer ligação com o Sport Lisboa e Benfica”, explicou ao órgão Rui Costa, que antes referira que a Footlab está registada em nome da 10 Events Lda. e não da 10 Invest.

Em paralelo, Rui Costa refuta também que o filho, Filipe Costa, alguma vez tenha participado numa negociação que envolvesse o Benfica. O Observador confirmou de facto que Filipe Costa, que aparece nas fotos com essas atletas que reforçaram a equipa de futebol feminina encarnada, estava apenas a fazer um estágio nessa altura em que essas contratações aconteceram na empresa que serviu de intermediária nessas negociações. “Nos tempos conturbados que o Benfica vive, é importante conceder aos membros dos órgãos sociais a oportunidade de prestarem esclarecimentos relativos à vivência associativa em matérias que lhes digam respeito. Assim, como é facilmente comprovável, a missiva que vos foi dirigida é falsa e de má-fé, tendo como objetivo denegrir-me pessoalmente e à minha família”, tinha destacado logo no início da carta de resposta ao órgão.

“O vice-presidente visado apenas passou a estar sujeito ao previsto nas previsões que aqui relevam e constam do artigo 44.º dos Estatutos depois da sua eleição e posse, o que se verificou, no que respeita aos períodos em questão apenas depois de 28 de outubro de 2020. Na verdade, o referido vice-presidente não era, até essa data, membro dos órgãos sociais do Benfica”, resumiu o Conselho Fiscal e Disciplinar na resposta.

Hipótese de Vieira perder mandato existe mas Direção não cai – e Rui Costa assume

Em termos internos, num contexto adensado pelas conversas que foram existindo ao longo desta quinta-feira entre dirigentes do Benfica, o cenário de Luís Filipe Vieira poder deixar de ser presidente dos encarnados existe, está em cima da mesa e, na verdade, depende não só do próprio mas do juiz Carlos Alexandre, que pode aplicar como medida de coação algo que entronque no artigo 43º dos Estatutos do clube, que prevê que o mandato possa cessar de forma antecipada por “impossibilidade física” e “situação de incompatibilidade”. No entanto, e como foi já avaliado, a hipótese de perda de mandato dos elementos da Direção não está em causa.

Cientes das movimentações que existem no universo benfiquista, e sabendo também da importância dos dois próximos meses na preparação da equipa de futebol para a nova temporada, o elenco não irá apresentar uma demissão em bloco e manter-se-á em funções com a provável subida de Rui Costa a número 1 interino, ainda que com outros nomes a ganharem um outro peso: por querer estar focado no futebol profissional nesta fase mais precoce da época (aliás, mais uma vez passou o dia todo no Seixal até ao final da tarde com o diretor geral do futebol, Rui Pedro Braz, com o plantel a ter duas sessões de trabalho), é provável que Domingos Soares Oliveira possa intervir mais publicamente em questões financeiras, ainda para mais numa fase em que decorre ainda um empréstimo obrigacionista e que Domingos Almeida Lima tenho um papel mais presente ainda no plano mais institucional. A ideia é tentar gerir o atual momento sobretudo nos próximos 60 dias.

Depois, e como o Observador foi ouvindo durante o dia, ninguém arrisca fazer cenários e todas as hipóteses vão ficar em aberto, até para perceber: 1) que tipo de medidas de coação poderão ser aplicadas a Luís Filipe Vieira; 2) como irá decorrer o mercado de transferências e o início da temporada oficial com a presença do futebol na terceira pré-eliminatória da Champions; 3) quão grande será a pressão externa para a convocação de um ato eleitoral antecipado. E é neste contexto que surge como ponto chave também a Assembleia Geral Extraordinária que já tinha sido pedida por um grupo de associados com as respetivas assinaturas e número de votos precisos antes da demissão de Rui Pereira da liderança da Mesa e da detenção de Luís Filipe Vieira.