Nuno Melo entrou, cumprimentou, ajeitou o microfone e avisou: nada do que pudesse ser dito ali, no jantar do primeiro dia das jornadas parlamentares do CDS, poderia ser interpretado como um anúncio de que é oposição à atual direção do partido. Mas, como “quem não se sente não é filho de boa gente”, não resistiu a dar todos os sinais disso mesmo, num discurso inflamado contra a cúpula de Francisco Rodrigues dos Santos que acabou com uma ovação em pé. E uma garantia que pareceu agradar a quem o ouvia: “Eu estou cá”.

Foi o culminar de uma intervenção de 45 minutos em que Melo, visto por parte do partido como uma possível solução de futuro, se posicionou com críticas duríssimas à atual direção e figura de união dos ‘portistas’. A inspiração? Um artigo recentemente publicado no Observador pela dirigente Margarida Bentes Penedo em que separava o CDS antigo — a geração de delfins de Paulo Portas — do atual, garantindo que o CDS de Nuno Melo, mas também o de João Almeida, Telmo Correia ou Cecília Meireles (estavam todos sentados à mesma mesa a ouvir e até a complementar as intervenções de Melo) gosta de “conviver com o PS”.

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No púlpito de um restaurante em São João da Madeira, perante figuras do tal antigo CDS (e do seu ‘aparelho’), Melo indignou-se com “a profundidade do disparate”. “Eu senti-me ofendido”, garantiu. (“E eu também”, completou Cecília Meireles). E explicou porquê, traçando a fronteira clara entre os tais dois CDS, o que governou o partido durante os anos de Portas e o que venceu com Rodrigues dos Santos, no que as suas tropas batizam como uma revolta das bases: “Muitos de nós que cá estamos já combatiam os socialismos quando muitos dos que hoje nos atacam sem necessidade nenhuma ainda estavam sentados nos bancos da escola. Quando assim é, há lições que eu não recebo”. Mais: “Eu nunca mudei e não vou mudar agora, tenha a direção nacional a certeza, por muito que isso pudesse dar jeito à narrativa”.

A partir daí, Melo não deixou pedra sobre pedra: criticou o “entrincheiramento diretivo”, uma direção que “desvaloriza a saída de militantes”, mais concentrada em “ajustes de contas e purgas” do que em fazer oposição, sem fazer “o esforço de agregar o partido do topo para a base”.

Foi dando asas ao “sentimento de injustiça” que sente pelo que tem ouvido das cúpulas — até porque tem dificuldade em “dar a outra face” — que Melo entusiasmou a sala: defendeu Assunção Cristas pela oposição que fez ao PS (“foi crucificada”, lamentava ao lado Cecília Meireles), criticou a direção por “atacar os seus” num dos momentos “mais difíceis da vida” do partido.

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E depois chegou ao debate clássico sobre o que é, afinal, o CDS. “Se há tendência que se firmou e era completamente escusada foi a das tendências que se acantonaram”, lamentou. “Nós temos de conseguir agregar  o todo em vez de nos fixarmos em partes. Qualquer direção que se queira herdeira de uma das tendências apenas não conseguirá outra coisa que a visão redutora de uma fação”. E foi então que Melo se começou a apresentar como a cara da união, com aplausos frequentes de uma sala mais animada.

Foi isso mesmo que pediu: “ânimo”, que o partido não caia em “depressão”, que não haja uma “debandada”, que “lute”, recordando os velhos tempos em que “cada vez que entrava numa casa do CDS” via “caras alegres”. “Hoje não sinto isso, confessou”. E voltou ao artigo que o ofendeu: “Não sei o que se pretendia: que fôssemos embora, que optássemos por uma filiação no PSD; no que tem a ver comigo, desenganem-se”. O tal entusiasmo apareceu entre a sopa e o prato principal e o orador acabou a receber palmadas nas costas de muitos dos colegas de partido.

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Melo tinha passado a primeira parte do discurso a dar uma lição sobre oposição, que era o tema do jantar: enumerou as falhas do Governo do PS, dirigiu os maiores arrasos a Eduardo Cabrita, criticou o “bloquizado” Pedro Nuno Santos, falou num Executivo “nepotista, dogmático, conflituoso e incompetente” que mesmo assim “avança sem travão”.

Tudo para a seguir dizer que, apesar disto tudo, “nota pouco” que haja “oposições capazes”, à exceção da bancada do CDS; a oposição não tem “músculo” e deve fazer uma “reflexão sincera” sobre o que está a falhar. Para Melo, ficou claro que o problema do CDS começa por dentro — e se no início do discurso garantia que diria “o que tem de ser dito” mas sem que isso fizesse de si oposição interna, no final Melo era o rosto que reunia todas as críticas que vão sendo feitas em surdina ou em voz alta à direção atual.

Os ataques deverão ter-se ouvido alto, bem além das paredes do restaurante em São João da Madeira: escassos minutos depois do fim do discurso, e ainda os deputados iam na refeição principal, já Margaria Bentes Penedo contra-atacava no Facebook, dirigindo-se a Melo: “Não tem vergonha de choramingar em público a dizer que ficou “sentido?”. Rodrigues dos Santos terá oportunidade de responder pela sua direção se quiser, na terça-feira, quando aparecer para encerrar as jornadas do partido.