A deputada do PS Ana Paula Vitorino – nomeada pelo Governo para a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes – tentou alterar o relatório da comissão parlamentar que lhe fez a audição para o cargo, no início deste mês.
Ana Paula Vitorino tem estado sob fogo dos deputados da oposição por ter sido nomeada para o regulador dos transportes, que vai fiscalizar os contratos de um governo no qual o seu marido, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, tem assento no Conselho de Ministros. A deputada também foi ministra do Mar no primeiro governo de António Costa, de novembro de 2015 a 2019.
A deputada – que é suplente da própria comissão que lhe fez a audição – enviou para os serviços um documento de várias folhas com sugestões de alteração ao relatório, que vão desde correções à gramática ou gralhas até parágrafos inteiros com considerações, interpretações que considera mais adequadas ao que disse aos deputados a 1 de julho e até um parágrafo nas conclusões.
As alterações sugeridas por Ana Paula Vitorino foram avançadas pelo Expresso. No entanto, o Observador também teve acesso a à documentação, onde a ex-ministra explica que “tendo tido acesso ao relatório (…), e após consulta da gravação vídeo e áudio da referida audição” solicita as correções que permitem “uma maior aderência do documento à audição realizada”.
A mais importante das alterações sugeridas é a introdução de um novo parágrafo no final da sua intervenção. Ana Paula Vitorino queria que fosse introduzido no relatório o seguinte parágrafo, acerca da sua relação com o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita: “Relativamente às questões familiares disse que “enquanto mulher não aceito nem aqui nem em qualquer sítio que ponham em causa a minha capacidade e a minha independência por viver seja com quem for. Isso é tentativa de menorização. Isso chama-se machismo e misoginia.”
Outra das “correções” diz respeito a um parágrafo em que o relator refere o parecer da CRESAP sobre a nomeação da ex-ministra, que cita “o parecer emitido de ‘Adequado à designação para o desempenho das funções de Presidente do Conselho de Administração da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes’”.
Neste ponto, Ana Paula Vitorino pretendeu sublinhar que o parecer da CRESAP não diz apenas isso, mas sim que “existem evidências da presença de competências técnicas e comportamentais que sustentam uma apreciação muito positiva para o desempenho do cargo em causa. Assim, …, a CReSAP, …, emite o parecer de ADEQUADO à designação”.
Noutro ponto, a proposta de relatório indica que, “quanto à isenção”, Ana Paula Vitorino “afirma nunca ter questionado no exercício de funções ninguém por orientações partidárias, nem ter alguma vez discriminado nas nomeações que fez por razões políticas, e manterá sempre essa postura”.
A deputada sugeriu outra forma: “Quanto à isenção, afirma nunca ter questionado nenhuma das pessoas que nomeou sobre as respetivas opções políticas, nem discriminado quando tal era do conhecimento público, do que deu vários exemplos. O critério fundamental era a competência técnica e profissional e manterá essa postura na AMT.”
E até a frase que muitos meios de comunicação social destacaram da sua audição pela comissão de Economia – “Não vou para ministra-sombra dos Transportes, mas para Presidente da AMT” – foi alvo de reparos. Ana Paula Vitorino precisou que a frase mais correta não é essa.
“Quanto à política de transporte esclareceu que não iria ser a ministra-sombra dos transportes, mas sim presidente da AMT, em princípio”, sugere a deputada.
Mas nenhuma destas alterações foi, sequer, posta a votação. O PS fez algumas sugestões, entre as quais uma às conclusões do relator, o social-democrata Carlos Silva. Era esta: “Atento o que antecede, não nos é permitido concluir que a candidata haja afastado a possibilidade da existência de conflitos, impedimentos e incompatibilidades face aos regulados, bem como ofereça garantias sólidas de independência, isenção e imparcialidade para o exercício do cargo para o qual se encontra indigitada pelo Governo”, escreveu o relator, lembrando a falta de consenso quanto à independência e isenção de Ana Paula Vitorino.
O PS quis alterar para: “A comissão parlamentar sinaliza ter existido uma opinião amplamente favorável relativamente à sua competência técnica, seguindo a apreciação da CRESAP, e ausência de uma única posição relativamente ao que cada força política presente considerou como independência, isenção e imparcialidade para o exercício do cargo para o qual se encontra indigitada pelo Governo”.
Postas a votação, as alterações passaram mesmo, com os votos favoráveis do PS e as abstenções do Bloco de Esquerda e do PCP. PSD e PAN votaram contra.
Só que Carlos Silva, face às alterações, pediu para ser substituído como relator. Como existe uma rotatividade de relatores (ou melhor, de partidos que escolhem relatores) em prática na Comissão de Economia, o próximo partido na grelha para escolher o relator era o PS. É suposto o novo relator socialista apresentar um novo relatório na reunião de segunda-feira.