O cenário de Governo nos Açores assente num acordo de governação entre PSD, CDS-PP e PPM e que conta com um entendimento de apoio parlamentar dos sociais-democratas com o Chega e a Iniciativa Liberal está por um fio, depois da passagem de Carlos Furtado, eleito pelo Chega, a deputado não-inscrito e com a oposição a pedir uma clarificação. André Ventura reuniu com José Manuel Bolieiro, o líder regional, para analisar a nova situação política nos Açores e o apoio do partido à solução do Governo, após ter ficado apenas com um deputado. Há um partido que pode ser a resposta a este imbróglio: o PAN, que tem um deputado único e pode substituir o até agora representante do Chega caso o partido deixe de apoiar a solução governativa.

Fonte do Chega assegurou ao Observador que a situação nos Açores é “muito delicada” e existe um “clima de excessiva subserviência ao PSD” que o partido liderado por André Ventura rejeita. Apesar de o Chega pretender “fazer tudo para evitar eleições antecipadas”, recusa ser “encostado à parede” e exige, para já, “o fim dos familiares no governo regional e a aceleração da redução do RSI nos Açores”. A reunião entre André Ventura e José Manuel Bolieiro deve definir o futuro do entendimento parlamentar que suporta o Governo, em que neste momento o Chega só tem um deputado.

No final da reunião, o presidente do governo regional dos Açores e o líder do Chega garantiram em conferência de imprensa que existe estabilidade governativa e recusaram cenários de eleições antecipadas ou receios de moções de censura após a retirada de confiança a Carlos Furtado.

“Não vivo de temores, mas de responsabilidades. Não esperem de mim uma gestão de temores [relativamente a eventual moção de censura]. Não vi especial perturbação parlamentar e conheço o nível de responsabilidade dos envolvidos nestes acordos para a afirmação de um novo paradigma na governação dos Açores”, afirmou o presidente do Governo, José Manuel Bolieiro.

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André Ventura insistiu que “o Chega preza a estabilidade e o afastamento do PS da governação” e, por isso, não pretende encabeçar “nenhuma iniciativa ou desestabilização que leve ao regresso dos socialistas à governação”, vincou”.

Apesar disso, o líder do Chega fez questão de lembrar Bolieiro sobre a importância de avançar em projetos contemplados no acordo de incidência parlamentar com o Chega, como o novo gabinete de luta contra a corrupção e a redução da subsidiodependência, uma “batalha fundamental”. Neste ponto, Bolieiro notou que o governo regional não só “continua na expetativa de fazer” como “tem trabalho realizado no cumprimento integral dos acordos celebrados”.

O presidente do Governo manifestou-se seguro de chegar a bom porto com a solução governativa de que o Chega faz parte. “Esta palavra do líder nacional do Chega quanto à aposta na estabilidade é tranquilizadora. Estive sempre tranquilizado. Estamos mutuamente a fazer este esforço, o caminho está assegurado. Vamos chegar, com certeza, a bom porto”, afirmou.

Um desentendimento no Chega que pode afetar o governo regional

Em março, quando houve um desentendimento entre Carlos Furtado, na altura líder regional do Chega, e o deputado José Pacheco, que era nesse momento secretário-geral do partido na região, André Ventura foi aos Açores, ameaçou retirar a confiança política a um dos representante, mas o tema acabou por arrefecer. Primeiro com a demissão de Furtado da liderança, depois com a marcação de novas eleições que teriam os dois deputados como candidatos, e mais tarde com a desistência de Pacheco da corrida. Carlos Furtado acabou por ser reeleito líder do Chega/Açores. Tudo parecia sanado, apesar das visíveis divergências entre os deputados, até Carlos Furtado ter passado a não-inscrito.

A decisão de Carlos Furtado se manter como deputado independente na assembleia regional, após André Ventura lhe ter retirado a confiança política, deixou o Chega em maus-lençóis, com menos um deputado, e vai contra as convicções do líder do partido. Em março, quando espoletou o polémico desentendimento, Ventura afirmou que o Chega é “estruturalmente contra os deputados não-inscritos” e “nunca aceitará deputados não-inscritos, nem no Parlamento nacional, nem regional, nem em nenhum ponto do país”.

Açores. Chega “agirá muito duramente” caso algum deputado regional se torne “não-inscrito”

Na verdade, essa decisão cabe apenas ao deputado eleito — já que o mandato é do representante e não do partido que o elegeu — mas nessa altura Ventura admitiu que não podia “fazer nada”, mas prometeu que o partido agiria “muito duramente em conformidade porque temos dever de respeito pelos militantes”. Nesse momento, aquando da apresentação de Graciano à Câmara de Lisboa, o líder tinha a “certeza” de que os representantes açorianos não o fariam, mas acabou por acontecer e o Chega perdeu mesmo um deputado.

O partido acusa Carlos Furtado de ser subserviente ao PSD e conflituoso e, em declarações à TVI, Carlos Furtado defendeu-se ao ataque, apontando o dedo a André Ventura e à direção do partido: “Teve uma campanha de descarne feita à minha pessoa e ao meu trabalho. Durante semanas e meses adverti a direção nacional, a jurisdição, a ética e as pessoas que fizeram isso e que são militantes não foram admoestadas”, acusou o deputado. Sobre José Pacheco, disse que o até agora companheiro de bancada parlamentar quis este desfecho e desejou-lhe que “faça bom proveito do Chega”.

O Chega descreve as declarações em causa como tendo “gravidade” e pelo “facto de não corresponderem à verdade dos factos” foi proposta a expulsão de Carlos Furtado do Chega, estando suspenso 90 dias da atividade partidária, capacidade eleitoral ativa e passiva.

Um partido que pode ser a “chave” do imbróglio

Perante esta situação, e tendo em conta que o partido de André Ventura se encontra insatisfeito com o atual cenário (e mesmo com Carlos Furtado a prometer dar continuidade ao acordo assinado entre o PSD e o Chega), o acordo poderá estar em risco. André Ventura disse, no dia em que retirou a confiança política a Furtado, que “não está definitivamente comprometido o apoio do Chega ainda que [a solução governativa] continue a deixar várias interrogações e hesitações” ao partido. Mas há um outro partido que pode ser a chave para resolver o problema: o PAN.

Pedro Neves, deputado do PAN nos Açores, em declarações à Rádio Observador, admitiu que “o contexto mudou” e garantiu que “não está em cima da mesa” o partido poder vir a “substituir” o Chega em caso de haver um acordo rasgado. Contudo, diz que “nunca poderá dizer nunca”.

O importante agora, realçou, é que os partidos que assinaram esses acordos os “clarifiquem” ou os “firmem” novamente, caso contrário não se prevê que “haja condições para a continuidade deste Governo”. Num cenário diferente em que é preciso ir a eleições, o PAN “não tem problema de ir a votos” para que os açorianos tenham “segurança parlamentar”.

“O PAN pretende obviamente que haja uma clarificação relativamente ao que seria um acordo de coligação ou de incidência parlamentar porque, ou o Governo tem condições para continuar com esse apoio parlamentar, ou se não houver essa segurança ou pelo menos um posicionamento oficial e uma clarificação por parte do representante da República achamos à partida que não haverá condições, pelo menos, com o acordo que foi firmado em novembro. Tudo mudou e acho que o representante da República tem obrigação de ouvir todos os partidos para ver as condições que existem para o parlamento açoriano”, explicou o deputado.

O PAN pretende que os partidos decidam o que fazer e só depois poderá entrar em campo, se vier a ser o caso. “Os outros partidos é que têm de dar o primeiro passo para o PAN passar para a fase seguinte porque neste momento não sabemos, existem muitas variáveis e não queremos de forma antecipada ou clarividente dar um posicionamento daquilo que poderá nunca existir”, justificou Pedro Neves.

Ainda assim, há um cenário excluído à partida: fazer parte de um Governo que tenha apoio parlamentar do Chega. “Em novembro dissemos que com o Chega não há qualquer incidência parlamentar e dentro desta matriz nova que poderá existir temos na mesma uma representação parlamentar do Chega que vai fazer parte provavelmente dessa incidência e o PAN não vai fazer essa colagem”, esclareceu, frisando que a decisão final é da direção regional, mas que a mesma só poderia estar em cima da mesa quando houvesse alterações no atual cenário. Com Furtado fora do Chega — e caso José Pacheco roesse a corda — o PAN não estaria tecnicamente num acordo que incluísse o Chega. Isso pode ser a chave caso Ventura bata com a porta. Aí, Bolieiro deixaria definitivamente de depender de Ventura.