Enviado especial do Observador, em Tóquio

Carl Hester, de 54 anos, tinha acabado de concluir o seu exercício com En Vogue quando a bancada lateral do onde se concentram os espectadores-não-espectadores-mas-espectadores nesta edição do Jogos Olímpicos, que são basicamente todos os elementos das comitivas que se encontram em ação, explodiu de alegria entre aplausos. A Grã-Bretanha, bem representada nessa zona, puxou mais pelo compatriota mas todos os presentes, de qualquer país, saudaram e muito a atuação do cavaleiro de 54 anos que já foi campeão olímpico em 2012 e vice-campeão em 2016 entre variados títulos e medalhas em Campeonatos do Mundo e da Europa apenas na última década.

Uma olhadela para o lado, uma passagem pela TV na mesa da imprensa, um grande plano que mostra bem o que pode ser a dressage: uma mulher com a camisola oficial da delegação britânica vestida começava a ficar com água nos olhos e vertia mesmo duas lágrimas. Mais do que ver ou fazer, este é um desporto que se pode sentir, entre cavalos com nomes mais pessoais ou vistosos como o Showtime, o Dream Boy ou o Elegance.

A chegada não foi propriamente fácil, com o autocarro da organização a falhar apenas por uns graus de cálculo a entrada na zona destinada ao efeito. Tentou a primeira, tentou a segunda, não conseguiu, cedeu à pressão da fila de trânsito que estava a criar, foi dar a volta ao quarteirão para voltar exatamente ao mesmo sítio. Antes não houve qualquer ajuda para tentar mostrar o melhor ângulo de entrada, depois quando acertou os voluntários bateram palmas. Em Tóquio, ou no Japão, as coisas são muito assim: as pessoas têm determinadas funções, fazem o que têm a fazer custe o que custar mas, a não ser que exista uma qualquer reunião ou anúncio de um superior, é aquilo e nada mais. Focadas, concentradas, empenhadas. E, apesar da desistência de dezenas de milhares de voluntários, há sempre um em cada canto, em cada esquina, em cada porta. Aqui não.

A atuação de Maria Caetano começa quando já estamos dentro do Equestrian Park (aquela tal voltinha por não conseguir fazer a curva à primeira). Uma reta, uma curva, uma espécie de recanto onde se consegue ver o centro de todas as atenções. É ali que se juntam 13 voluntários (quase todas mulheres, sendo que uma sentou-se mesmo mais à frente), dois médicos, dois cozinheiros e mais uma pessoa que não tem propriamente nada que o ligue ao que faz através da indumentária. E olham, deliciados, como se fosse algo quase mágico que os encanta, de tal forma que até deixam por fazer aquilo que podem ter realmente de cumprir. E não, não foi uma coisa apenas do momento: na terceira e decisiva ronda, eram mais voluntários, mais médicos e até um militar parou para ver.

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Maria Caetano, com Félix de Tineo, foi a primeira a entrar em ação nesta final, conseguindo 2260.0 pontos que, no final da ronda inicial, colocavam Portugal na sétima posição, apenas atrás da Suécia. Na frente, e no duelo que se voltava a repetir depois de 2012 e 2016 quase que para uma “desforra” (a Grã-Bretanha ganhou à Alemanha em Londres, a Alemanha ganhou à Grã-Bretanha no Rio de Janeiro), a formação germânica de Dorothee Schneider com Showtime FRH conseguia estar à frente do conjunto britânico de Carl Hester com En Vogue (2652.0-2577.5), seguindo-se EUA, Dinamarca, Países Baixos e Espanha, num outro duelo bem interessante olhando para as últimas duas edições dos Jogos Olímpicos, com bronze para Países Baixos (2012) e EUA (2016).

Na segunda ronda, as coisas não correram tão bem a João Miguel Torrão, com Equador (2247.0), e Portugal acabou por baixar ao oitavo lugar por troca com a Suécia, posição com que terminou a final de dressage mas com mais um grande desempenho de Rodrigo Torres, com Fogoso, que conseguiu a sua melhor pontuação de sempre antes de participar na final individual (2458.5). Na frente, a Alemanha reconquistou o título com uma prestação soberba de Jessica von Bredow-Werndl, com TSF Dalera, e os EUA conseguiram surpreender a Grã-Bretanha, conseguindo ainda chegar à prata com Sabine Schut-Kery a ser melhor do que Charlotte Dujardin.

“É um grande orgulho estar aqui a representar Portugal, ainda para mais conseguindo chegar à final. O cavalo superou-se, superou tudo aquilo que podia imaginar e ter a melhor nota e chegar à final nos Jogos Olímpicos é um sonho. Foi um desempenho espectacular, o Fogoso deu-me tudo, uma prova limpa, não sei se tive algum erro, posso ter tido algum erro mas estou super contente. Foi uma prova espectacular. A final de amanhã? Bom, tudo o que vier agora é bom porque realmente nunca pensei. Vou tentar divertir-me o máximo possível, dar o máximo possível para conseguir ter a melhor posição possível e que os portugueses se orgulhem daquilo que nós estamos aqui a fazer”, começou por comentar Rodrigo Torres na zona mista após a sua prova.

“Foi uma preparação difícil, até porque falavam todos da humidade e da temperatura aqui em Tóquio, que seriam diferentes. Eu sou do Alentejo e um mês antes comecei a treinar o cavalo à hora de maior calor para se começar a adaptar minimamente. O transporte foi feito primeiro de Portugal para a Alemanha, tiveram de fazer imensos exames de sangue e também houve uma doença que é a rino [rinopneumonite], que teve muitos surtos, e os cavalos tiveram de fazer exames… Estava com medo que o meu cavalo chegasse aqui por causa das viagens não tão bem e deixei-o na quarentena descansar quatro dias antes descansar antes de entrar no avião. Foi um bocado arriscado, sete dias sem ser montado embora andasse a passo todos os dias. Os cavalos tiveram de ficar isolados, tiveram de fazer testes antes de chegarem à quarentena para saber se está tudo bem porque vão juntar-se todos os cavalos no mesmo sítio e sabemos agora com a pandemia que qualquer vírus que se possa pegar pelo ar, com todos os cavalos juntos, era um desastre…”, explicou depois sobre toda a parte logística.

“Sinto-me muito orgulhoso por tudo aquilo que conseguimos e por este regresso a finais, sobretudo porque uma das medalhas que conseguimos no equestre no passado foi pelo meu bisavô, Domingos Sousa Coutinho, em 1936 na modalidade de saldos no hipismo. Por isso, é um sonho para mim estar aqui e espero que ele esteja lá em cima também muito contente. Bases para o futuro? Esperemos que sim mas isto é um desporto que requer algum dinheiro e precisamos de investidores, sozinhos às vezes é difícil fazer provas no exterior, transportar os cavalos. Precisamos de investidores, muito apoio mas esperemos que siga no futuro”, concluiu.