O PS votou contra o relatório da Comissão de Inquérito às perdas do Novo Banco devido às conclusões (que lhe foram impostas pelos partidos da oposição) sobre a venda do banco em 2017. O relatório foi redigido pelo socialista Fernando Anastácio, mas as alterações feitas nos últimos dois dias de discussão e votação levaram o PS a dizer que o documento se afastou “da linha factual”. O relator até renunciou ao cargo e não irá apresentar o documento na votação final em plenário. O relatório acabou por ser aprovado com os votos contra do PS, a abstenção do CDS e os votos a favor dos restantes partidos.
No centro dos ataques socialistas estão as alterações impostas às conclusões sobre a venda do Novo Banco em 2017 pelo governo do PS, com Mário Centeno na pasta das Finanças que, do ponto de vista do deputado João Paulo Correia são “conclusões falsas” e “considerações políticas” que não “têm adesão à realidade”.
Não obstante, e no mesmo dia, os socialistas deram aval à proposta de conclusão que descreve a resolução do BES aprovada no Governo do PSD/CDS em 2014 como “uma fraude política” imposta aos portugueses. A proposta do PCP (que não mereceu o voto favorável do relator do PS) até pode ser considerada, na opinião de Mariana Mortágua, como a “mais dura” do relatório. Já para Cecília Meireles, a expressão “não é dura, é mentirosa. E que é nada tem de factual”, sublinhou em declaração de voto a deputada do CDS. Também Cotrim de Figueiredo da Iniciativa Liberal, atacou esta conclusão. “Não aceitamos que seja fácil aceitar a como fraude política determinadas decisões políticas. Uma fraude é a tentativa de deliberada de enganar. Não aceitamos a intenção da expressão de enganar”.
Apesar de nenhum dos deputados se rever em todas as conclusões finais — foram várias as declarações de voto apresentadas e prometidas para mais tarde — a maioria considerou que o relatório final após mais de 100 alterações aprovadas (muitas do PSD) espelhava melhor os trabalhos da comissão de inquérito do que a versão proposta pelo relator do PS.
Logo desde o início dos trabalhos desta terça-feira que os socialistas se mostraram contra as considerações sobre o impacto que as condições estabelecidas no ato da venda (em 2017) tiveram nas perdas do banco, que depois foram suportadas pelos contribuintes. Em causa, segundo os restantes partidos, estão a ausência de controlo eficaz sobre o processo de vendas de ativos pelo Novo Banco e o impacto financeiro que o mecanismo de capitalização contingente teve sobre os contribuintes, considerado prejudicial ao interesse público.
Na sessão da tarde, o presidente da comissão ainda fez as perguntas da praxe para a votação final global do relatório: “Quem vota?”. Os deputados do PS puseram o braço no ar. Mas depois o deputado João Paulo Correia pediu para que assunto fosse debatido antes. Iniciou-se então um período de 40 minutos (8 minutos para PS e PSD, 6 minutos para PCP e Bloco de Esquerda e períodos de 5, 4 e 3 minutos para CDS, PAN e Iniciativa Liberal, respetivamente).
Na contra-resposta, o PSD reafirmou algo que tem vindo a dizer desde o início dos trabalhos da comissão, há meses. O PS iniciou este caminho, dizem os sociais-democratas, com uma intenção “de branquear o que fez o Governo de António Costa e Mário Centeno na venda de 2017”. Para Duarte Pacheco, “temos um relatório que espelha melhor os trabalhos e identifica falhas graves de supervisão de Constâncio e de Carlos Costa e a gestão pouco rigorosa do Novo Banco após a privatização”.
Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, disse que a conclusão “mais dura” do relatório até é feita ao governo do PSD-CDS de 2014, quando é acusado de “fraude política” no momento da resolução. “Aparentemente, o PS tem menos capacidade para aceitar críticas do que outros governos no passado”, atirou a deputada do BE.
“O senhor deputado sabe que foi feita uma distribuição [equitativa] de responsabilidades, porque aprovou as propostas de que falo. (…) Não me parece que lendo as propostas seja possível argumentar que não há uma divisão de responsabilidades entre governos, instituições incluindo europeias. Por isso este relatório é muito mais equilibrado agora [do que era na sua versão inicial]”, concluiu Mortágua, revelando que os deputados do seu partido vão votar a favor.
Para Duarte Alves do PCP, os dois governos têm responsabilidades gravíssimas. E se a resolução de 2014 foi “fraudulenta”, a privatização de 2017 foi “ruinosa” e feita sem estudar alternativas. As alterações aprovadas permitem corrigir “uma falha grave que era o ilibar de responsabilidades dos governos.
Cecília Meireles, do CDS, sintetizou a posição do seu partido (que reflete o pensamento da maioria dos partidos da oposição): “Assistimos a uma tentativa falhada do PS para ter um relatório altamente parcial. Que vinha reescrever o passado e pura e simplesmente passar uma borracha em relação à responsabilidade do seu próprio governo”.
E atirou-se contra o que considerou “uma conclusão mentirosa, que nada tem de factual” e que está inserida no relatório. Trata-se da conclusão de que a resolução do BES foi uma “fraude política”. “Não é uma conclusão dura, é mentirosa”. Para Cecília Meireles – que pertenceu ao governo que assinou a resolução do BES – Portugal assistiu a promiscuidade entre o setor financeiro e político “conduziu a um capitalismo de favor” e que tornavam impossível que alguns governos dissessem que não a alguns bancos ou alguns banqueiros (uma referência a Ricardo Salgado).
A decisão da resolução do governo de Passos Coelho “pode ter as falhas que lhe queiram apontar”, mas “é uma rotura em relação a esta forma de agir e de os governos se comportarem”, disse a deputada do CDS.
Nervos do PS logo pela manhã, com Bloco de Esquerda na mira dos socialistas
Propostas de alteração aprovadas que violam da linha factual, acusa o PS. Narrativa para ilibar o Governo e Mário Centeno, respondem os outros partidos. Para a oposição, os socialistas e a proposta de relatório são os únicos responsáveis pela “partidarite” que ameaça encerrar meses de trabalho árduo com um “episódio de guerrilha política”.
O último dia de votação do relatório da comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco arrancou esta terça-feira com o deputado socialista João Paulo Correia a denunciar que o resultado das votações de segunda-feira, especificamente sobre a venda do banco em 2017 (pelo governo de António Costa e Mário Centeno) representa o abandono da linha factual que estaria no relatório proposto pelo também socialista, Fernando Anastácio.
O PSD e o Bloco de Esquerda foram os alvos preferências desta intervenção, acusados de trazerem a “partidarite para a comissão de inquérito”, viabilizando propostas de alteração que “suavizam ou ilibam a governação de Carlos Costa no Bando de Portugal”. O PSD, defendeu, quis desresponsabilizar o BdP das falhas graves e manter a “incoerência face á responsabilidade dos governos com a resolução — PSD/CDS — e com a venda — do PS — face a imposições da Comissão Europeia. João Paulo Correia acusa ainda os dois partidos de terem rejeitado propostas que eram factuais como a de que na tentativa de venda de 2015 os candidatos exigiam garantias superiores às dadas à Lone Star em 2017, no consulado dos socialistas.
E foi à tangente que passou no relatório final um dos “momentos marcantes”, segundo Correia, desta comissão de inquérito: a metáfora usada por Carlos Costa que compara o Novo Banco a um cabaz de fruta parcialmente apodrecida. Foram ainda aprovadas coisas que nem sequer foram discutidas e que “violam a linha factual do relatório”.
Duarte Pacheco do PSD reagiu: “Se o ridículo matasse… ” para concluir que “caiu a máscara ao PS” que pretendia “ilibar o Governo socialista da tragédia que foi a venda do Novo Banco e o custo para os contribuintes. Para o deputado do PSD, as propostas aprovadas introduzem rigor ao concluir que o Governo e Mário Centeno (ex-ministro das Finanças e atual governador) tiveram responsabilidades concretas no modo como foi vendido o banco. “É por ser factual que outros partidos fora da nossa área estiveram disponíveis para a votar”. Lembrando que nem o PSD, nem o Bloco têm a maioria, o deputado do PSD remata: “Quem está isolado é o PS que está sozinho a votar contra. E que só tem um objetivo que é ilibar o Governo”.
Mariana Mortágua do Bloco de Esquerda, que já tinha tentado contrariar o deputado socialista antes de lhe ser dada a palavra, lamenta que o PS julgue as propostas aprovadas pela sua origem (partido) e não pelos factos. “O Bloco não vota por omitir factos”. Para a deputada, os ataques mostram o “desespero do PS face às votações” que alteraram o relatório inicial que queria eliminar as responsabilidades do Governo. “A maior parte das propostas passou porque tiveram ampla maioria com exceção do PS. Compreendo o desconforto socialista, mas não é preciso inventar narrativas para encontrar conclusões que são óbvias”.
Duarte Alves do PCP sublinha que o partido aprovou as propostas que responsabilizam os dois governos. O do PSD/CDS pela “fraude política” que foi a resolução, mas também o do PS pela venda e pelo “contrato desastroso” com custos avultados em contraste com as declarações do primeiro-ministro de que não haveria prejuízos para os contribuintes. Para o deputado comunista, as conclusões têm necessariamente uma leitura política e devem refletir responsabilidades políticas.
Nelson Silva do PAN devolve a acusação ao PS, sublinhando que quem trouxe a partidarite para o relatório do inquérito ao Novo Banco foram os socialistas com o que descreve como uma “tentativa de branqueamento de responsabilidades”.
Cecília Meireles do CDS também não tem dúvidas. O relatório “parcial que tentou transformar o relatório numa narrativa socialista ou de Mário Centeno, teve consequências trágicas”. A deputada lamenta que tendo os deputados conseguido trabalhar em conjunto estejam agora a ter uma discussão “que fica mal a todos. A responsabilidade é exclusivamente do PS” porque foi o relatório do PS que “abriu a porta a todas o tipo de propostas opinativas e à tentativa desesperada dos outros partidos de conseguirem um relatório”.
O deputado da Iniciativa Liberal concorda com a leitura do CDS sobre as responsabilidades do PS. João Cotrim Figueiredo, um estreante em comissões de inquérito, manifesta tristeza depois de tantos meses e horas de trabalho. O que vai resultar não é responsabilização nem o apontar do que não funcionou. “Não vamos retirar conclusões em que os portugueses possam acreditar”. O que fica “é mais um episódio de guerrilha política que desvaloriza as conclusões e o imenso trabalho que tivemos”.
O relator Fernando Anastácio falou no fim para defender o relatório que assinou, recusando que tenha uma linha enviesada. O deputado socialista ataca ainda os deputados que, contestando o documento, não procuraram corrigir o caminho, mas sim assumir a tal linha enviesada, mas em sinal contrário. “Se algo está errado corrijo, não faço errado em sinal contrário. É bom que cada um assuma as suas responsabilidades.”
PS isolado na sustentabilidade do Fundo de Resolução até 2046…
Nas votações que se seguiram, tal como na segunda-feira, houve pequenas vitórias (e derrotas) repartidas. Uma das votações que mais evidenciou um PS isolado foi a de uma proposta do PSD.
Os sociais-democratas pretendiam introduzir no relatório final da comissão a ideia de que ficou “evidente que o montante atualmente linear de contribuições anuais para o FdR é insuficiente para que este consiga, até 2046, solver todos os empréstimos que contraiu, seja junto do Estado português, seja junto do setor bancário”. Ou seja, a conclusão de que o Fundo de Resolução não tem sustentabilidade no modelo atual e que será um problema para resolver mais tarde.
No relatório também vai constar a formulação do relator que indica que “a revisão do perímetro das entidades sujeitas às contribuições obrigatórias para o FdR, com a inclusão de sucursais de bancos com redes de agência em território nacional, outras instituições com licenças de crédito e plataformas digitais de cartões de pagamento e de crédito poderá ser uma via com vista ao reforço da base de sustentabilidade financeira do FdR”.
O PS votou contra o novo parágrafo. Mas estava sozinho. Todos os outros partidos aprovaram a inclusão.
… e também nas chamadas de capital do Novo Banco ao Fundo de Resolução
No tema sensível das chamadas de capital do Novo Banco, mais uma vez, o PS votou sozinho. E perdeu. Era isto que Fernando Anastácio e o PS queriam que ficasse escrito no relatório final:
A respeito dos pagamentos feitos pelo Fundo de Resolução, nomeadamente, quanto à confirmação das necessidades de capital, um dos elementos essenciais para determinar o valor da chamada de capital, ficou comprovado que a demonstração, validação e verificação do cálculo de capital foi efetuada pelo Banco Central Europeu e que os procedimentos feitos para apurar o défice de capital e os montantes que são devidos estão corretos, porque estão ancorados nas entidades com competência legal para o efeito.
O Bloco de Esquerda não aceitou este texto e os restantes partidos da oposição também. Para os bloquistas, o ponto essencial é que para efeitos do mecanismo de capitalização contingente, “as perdas são consideradas pelo seu montante acumulado (que já atingiu 4.367 milhões de euros)” e as chamadas de capital ao Fundo de Resolução “são determinadas pelo valor necessário para repor o rácio de capital ao nível acordado”.
“Resulta daqui, como demonstrado, que todas as decisões de gestão têm o potencial de influenciar o montante da chamada de capital. No entanto, os poderes de controle e verificação do Fundo de Resolução limitam-se às operações relacionadas com os ativos CCA”. Ou seja, mais uma crítica à forma como o Mário Centeno e o governo PS de 2017 aceitaram o negócio da venda.
Noutro ponto que se antecipava mais difícil, a versão inicial do relator sobre os prémios e remunerações da gestão do Novo Banco também não resistiu. O documento inicial continha a seguinte referência a este tema: “A remuneração dos órgãos de gestão do Novo Banco está condicionada e deve respeitar os limites que lhe foram impostos no plano de reestruturação do banco, estando sujeita à verificação da sua implementação, em conformidade com estes limites, por parte da Comissão Europeia”.
“A atribuição, ainda que condicionalmente, aos membros do CAE de uma remuneração variável no valor 1,86 milhões de euros, ao que acresce idêntica decisão, em 2019, o valor de 1,997 milhões de euros, como uma atribuição de prémios de gestão, em exercícios onde se verificaram elevados prejuízos e chamadas de capital ao FdR, constitui um risco reputacional muito elevado para a instituição bancária”.
O Bloco de Esquerda propôs riscar todo este parágrafo e substitui-lo por algo mais assertivo. “A remuneração dos órgãos de gestão do Novo Banco deve respeitar os limites impostos no plano de reestruturação, estando sujeita à verificação por parte da Comissão Europeia. Apesar destes limites, foram atribuídas aos membros do CAE remunerações variáveis a título de prémios de gestão no valor de 1,86 milhões de euros em 2018 e de 1,997 milhões em 2019, exercícios em que se verificaram elevados prejuízos e chamadas de capital ao Fundo de Resolução”. E ainda deixou uma “bicada” ao Governo PS anterior: “Esta possibilidade deveria ter sido contratualmente vedada”. Ainda assim, a nova formulação foi aprovada por unanimidade.
Numa proposta de aditamento paralela, o PS concedeu que “esta remuneração variável teve como pressuposto indevido a cobertura pelo CCA [mecanismo de capitalização contingente] e o seu impacto na reposição dos níveis de capital do Novo Banco”. E complementa: “a atribuição de remuneração variável não se afigura compatível com a apresentação de prejuízos no Novo Banco, sobretudo com o apuramento de necessidade de pagamento por parte do FdR”. Esta proposta socialista passou com os votos da antiga “geringonça” – PS, PCP e Bloco de Esquerda.
Já a proposta de última hora apresentada pelo PSD para incluir a auditoria à dívida de Luís Filipe Vieira ao Novo Banco foi aprovada por todos os partidos.