Mais um episódio tenso na vida interna do CDS. Na reunião da Comissão Política Nacional do partido, que decorreu na noite desta terça-feira, Nuno Melo apontou duras críticas à direção do partido, lamentando a forma como abdicou de maior representatividade na coligação com Carlos Moedas e como acabou por deixar cair Assunção Cristas e João Gonçalves Pereira. No contra-ataque, a direção do partido acusou Melo de “cinismo” e de estar a colocar a sua agenda política à frente dos interesses do partido.
O eurodeputado, que se afigura como o mais provável adversário de Francisco Rodrigues dos Santos nas próximas eleições internas do partido, acabou mesmo por votar contra a direção nacional na escolha da lista para Lisboa — tal como Telmo Correia, líder parlamentar do partido. Este último, de resto, foi igualmente duro nas críticas dirigidas à direção do CDS.
Na opinião de Melo, Assunção Cristas e João Gonçalves Pereira, líder da distrital de Lisboa, atual vereador e agora excluído desta corrida, deviam ter merecido mais “respeito” por parte da direção do partido. A exclusão dos dois é, para o eurodeputado, um sinal inequívoco de que a atual direção está mais preocupada em fazer purgas internas do que em unir o partido.
Como explicava aqui o Observador, Carlos Moedas já fechou a sua equipa para atacar a presidência de Fernando Medina: nos oito lugares considerados elegíveis, o CDS tem o segundo e o quinto lugar e é representado por Filipe Anacoreta Correia, presidente do Conselho Nacional dos democratas-cristãos, e por Diogo Moura, líder da concelhia de Lisboa e presidente da bancada municipal do partido.
A escolha dos dois veio confirmar o que há muito se perspetivava: Gonçalves Pereira, crítico assumido da atual liderança, não vai ter oportunidade de renovar o mandato de vereador, apesar de as estruturas locais do partido terem chegado a aprovar o nome do democrata-cristão como número um dessa eventual lista — decisão que não foi respeitada no Largo do Caldas.
Ainda em março, os críticos da atual direção do CDS chegaram a acusar Rodrigues dos Santos de estar a liderar uma “tentativa de purga e saneamento político”. O líder democrata-cristão não recuou na decisão e Gonçalves Pereira acabou mesmo fora da corrida. “Não há lugares cativos nem insubstituíveis”, antecipava então Francisco Rodrigues dos Santos.
Para Melo, toda a estratégia foi errada. Na sua intervenção, o eurodeputado recordou que o CDS trocou quatro vereadores por apenas dois, foi incapaz de convencer Assunção Cristas a assumir nova candidatura — Melo chegou mesmo a dizer que a atual direção maltratou a anterior presidente do partido — e afastou Gonçalves Pereira, “um dos principais artífices da vitória de há quatro anos“.
“Foi deitado borda fora, substituído pelo Filipe Anacoreta Correia que no que tem que ver com Lisboa e nesta matéria obviamente não se lhe compara“, lamentou Melo, antes de voltar à carga:
“Tivemos uma campanha para o congresso com o atual presidente a dizer que a rua seria o seu gabinete, vários a dizerem que os deputados deviam ser escolhidos pelas estruturas, mas chega-se a Lisboa e o processo é de cima para baixo, sem nenhum respeito pelas estruturas locais. Gonçalves Pereira devia ser o primeiro candidato a indicar pelo CDS para a lista à câmara municipal. Não acho justo o saneamento.”
Melo acusado de cinismo
As acusações de Nuno Melo não ficaram sem resposta. Alguns dos membros da direção do partido, como Filipa Correia Pinto, chegaram mesmo a acusar o atual eurodeputado de estar a aproveitar esta questão de Lisboa para, de forma “cínica“, alimentar a sua própria agenda política.
“Está a tentar agravar a crise que vem cavalgando“, argumenta fonte da direção. Melo foi inclusivamente criticado por ter usado as jornadas parlamentares do CDS para lançar a pré-candidatura à sucessão de Francisco Rodrigues dos Santos, ato que foi encarado como tendo sido de profunda deslealdade.
Como Melo está a ser empurrado (com gosto) para candidato à liderança do CDS
A direção do CDS mantém que a não integração de Assunção Cristas foi uma escolha da própria, que nunca esteve verdadeiramente disponível para ir novamente a votos — qualquer versão contrária é, insiste a cúpula do partido, uma tentativa de vitimização.
Já a exclusão de Gonçalves Pereira é, assumidamente, uma escolha da própria direção. Tal como já tinha antecipado Rodrigues dos Santos, a escolha explica-se facilmente: era preciso renovar as listas e as escolhas do partido; e só fazia sentido escolher alguém que se revisse na estratégia do CDS e de Carlos Moedas para a corrida à capital.
Para a direção do partido, Gonçalves Pereira não se revia nessa estratégia — foi lembrando na reunião do partido que o democrata-cristão chegou mesmo a defender que o CDS devia liderar a coligação, apostar em Assunção Cristas ou ir a votos sozinho — e, como tal, não devia ter lugar como número dois de Moedas. O assunto estava e está arrumado.
Todos estes argumentos foram usados pelas duas partes e parece pouco provável que existam ainda pontos de entendimento possíveis entre a atual direção e os críticos de Francisco Rodrigues dos Santos. O day-after das autárquicas continua a fazer antever mais um capítulo da guerra fratricida que se vai travando há largos meses no CDS.