Enviado especial do Observador, em Tóquio

Começou quase como uma espécie de cartão de visita. Apuramento para a final? Sim, mas a fazer um recorde olímpico e mesmo depois de Balint Kopasz, húngaro que tem sido um dos grandes adversários de Fernando Pimenta nas últimas grandes competições, ter quebrado esse registo na meia-final anterior. Havia qualquer coisa no ar que dizia estar algo de grande para acontecer no Sea Forest Waterway, uma estrutura diferente das que costumamos encontrar em muitas provas em que existem espectadores que aproveitam os corredores laterais para acompanharem tudo de bicicleta. No entanto, a concentração de tudo numa bancada criava um ambiente fantástico sobretudo para os últimos 250 metros, com um apoio capaz de chegar a todos os atletas.

Era nessa bancada, numa zona mais cimeira, que se encontravam vários elementos da comitiva nacional antes da prova. José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal, Mário Santos, o antigo chefe da Missão Olímpica em Londres quando Pimenta ganhou a prata com Emanuel Silva, Vítor Félix, o presidente da Federação Portuguesa de Canoagem. Havia mais pessoas ligadas à comitiva e a esta Missão mas só estes três eram suficientes para se ver como eram vividos os momentos antes da final do K1 1.000, entre a aparente calma sem deixar de estar sentado ao andar de um lado para o outro até ao estar sempre a mexer no telefone.

Às 12h20 de Tóquio, 4h20 em Portugal, começava a corrida que todos aguardavam. Às 12h24, 4h24 em Portugal, iria saber-se até onde iria o constante desafio de Fernando Pimenta com as medalhas e os recordes, num horário que foi atrasado por uma falsa partida. O segundo pódio olímpico estava mesmo garantido mas com o bronze. O canoísta tinha acabado de tornar-se apenas o quinto atleta português de sempre a ganhar duas medalhas, após Luís Mena Silva (bronze em 1936 e 1948), Carlos Lopes (ouro em 1984, prata em 1976), Rosa Mota (ouro em 1988, bronze em 1984) e Fernanda Ribeiro (ouro em 1996, bronze em 2000). Ainda assim, parecia querer mais.

A primeira reação de Pimenta depois de uma medalha que a dada altura parecia estar em perigo não foi nem de alegria, nem de alívio como aconteceu nos momentos que se sucederam. Ao sair da embarcação, depois de um respirar mais fundo ainda pelo cansaço da competição, o português bateu com a pagaia e de quando em vez ia acenando com a cabeça. Com os parabéns do treinador Hélio Lucas e dos vários elementos da Missão, os ânimos foram serenando. O canoísta percebia que tinha existido uma quebra na parte final, depois de uma prova onde passou os 250 metros na frente, já estava a dois segundos do vencedor Balint Kopasz a meio e chegou aos últimos 250 metros com o segundo posto consolidado antes de ser superado pelo também húngaro Adam Varga e de ser ameaçado pelo alemão Jacob Schopf. No final, ficou o bronze. Que podia ser prata mas não deixa de ser bronze e só não foi celebrado como tal logo numa primeira instância porque se trata de um atleta de ouro.

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Após conquistar mais de 100 medalhas internacionais entre Campeonatos do Mundo e Europeus, entre seniores e Sub-23, além de centenas de provas nacionais, o atleta de Ponte de Lima chegou a um novo patamar das duas medalhas olímpicas já a apontar para Paris-2024. Mais, já a apontar aos próximos Mundiais, em setembro. Aos 31 anos, que serão 32 na próxima semana, Fernando Pimenta é o atleta com mais vitórias de sempre mas quer ainda procurar o próximo sucesso, seja ele em Campeonatos do Mundo, da Europa ou nos Jogos, com a família por perto. Em França está criado o contexto e o ambiente para selar em definitivo a vitória que o colocará também a nível olímpico num patamar em que mais ninguém alguma vez esteve. Se for como campeão, melhor.

Passados esses momentos a seguir ao final da prova, o pensamento de que poderia ter sido outra medalha foi mudando e começou uma autêntica aventura até sair do complexo entre entrevistas a canais com direitos, uma primeira passagem de pouco mais de dois minutos pela zona mista, a subida ao pódio que beijou antes de ir ao bolso buscar a chucha da filha Margarida e de ser o mais requisitado de todos até entre os voluntários para tirar fotografias, a chamada que recebeu através do treinador por parte de Tiago Brandão Rodrigues, atual ministro da Educação com quem tem uma relação próxima, nova passagem pela zona mista, a ida à conferência. Sempre com aquelas menos de 500 gramas ao pescoço, uma mascote de peluche e a chucha na mão direita. Se ao peito estava o trabalho de cinco anos de preparação, no dedo encontrava-se a força para ser ainda melhor.

Depois da medalha de prata conseguida em K2 1.000 com Emanuel Silva em Londres, o quinto lugar no Rio de Janeiro e tudo o que se seguiu foi algo que demorou a ser esquecido por Fernando Pimenta (se é que esqueceu). Por isso, este bronze representa mais do que isso. Se a ambição é uma característica intrínseca que ajuda a explicar o sucesso na carreira, colocarem em causa o que faz enquanto atleta chega a ser um dínamo para ser melhor. E é isso que se tem visto nos últimos cinco anos, entre Mundiais e Campeonatos da Europa.