Fernando Pessoa escreveu um dia que “o mito é o nada que é tudo” e possivelmente, se o arquivo central dos Templários, localizado na Ilha de Chipre, não tivesse sido destruído em 1571 pelos otomanos, hoje saberíamos mais e hoje também imaginaríamos menos — o mistério e a ausência de informação adensa o fascínio pelo desconhecido. Mitos, narrativas deliciosas carregadas de simbolismo e de imagens fantásticas, sobrevivem a séculos de história, incluindo a portuguesa: os mitos não se desfazem num sopro como o pó, tornam-se parte da realidade e da construção de coisas grandes, enormes, como países e identidades. Tornam-se tudo.

É inevitável pensar no início do Condado Portucalense sem revisitar a história da Ordem dos Templários, que se estabeleceram na Península Ibérica no século XII para ajudar os primeiros reis na reconquista cristã contra os mouros e deixaram um grande legado pelo Centro de Portugal.

No início a história, depois as lendas

Imagine o seguinte: uma ordem religiosa militar de cavaleiros, fundada entre a fé cristã e a coragem de homens guerreiros de excelência que assumiram o compromisso de, inicialmente, prestarem proteção e assistência aos peregrinos que caminhavam até à Terra Santa em Jerusalém. Este grupo estendeu o seu poder geograficamente de tal forma que não só chegou a dominar grande parte dos territórios europeus como se tornou poderoso em várias áreas como a política, a economia e a guerra. Reza a lenda que no ínicio da sua formação, os cavaleiros desta ordem encontraram por baixo do Templo de Salomão, a sede original desta congregação em Jerusalém, uma série de tesouros e materiais valiosos que aumentavam ainda mais o poder que já detinham: conta-se que descobriram o Santo Graal – o cálice sagrado dos cristãos -, que desapareceu sem explicação aparente, durante a extinção da Ordem. Julga-se também que, a par de outros tesouros, terá sido transportado para a Europa e acabado em Portugal – será que o Santo Graal estará ainda escondido no nosso território, algures no Centro de Portugal? Será que o triângulo templário Tomar-Dornes-Fátima representa mais do que julgamos? Será que foi escondida uma mensagem nos monumentos templários construídos em Portugal que desvenda todos os segredos?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

São estas e outras perguntas que até ao dia de hoje continuam sem resposta e nos fazem querer perceber a fundo o legado da Ordem de Cristo no nosso país.

Monumentos que são pistas da nossa História

Bem no coração de Portugal, permita-se ser guiado pelos mistérios da história dos Cavaleiros da Ordem do Templo e conhecer os tesouros-monumentos que ainda hoje preservam mistérios de outros tempos e desvendam a nossa História. Apesar da Ordem ter sido extinta pelo Papa Clemente V, em Portugal deixou um legado importante que ressurgiu como a Ordem de Cristo.

Ilustração: Teresa Dias Costa

Comecemos pelo Castelo de Soure, na região de Coimbra, concedido à Ordem dos Templários em 1128 por D. Teresa, e a primeira sede estratégica desta Ordem, que tirou partido da sua localização para apoiar a reconquista cristã. O passado da vila de Soure é maior que a sua dimensão: estava localizado na fronteira entre o território cristão e o território muçulmano, no vale Baixo do Mondego. Em 1162, os Templários escolheram a cidade de Tomar – cidade Templária na sub-região do Médio Tejo -, para edificar as suas estruturas principais, e tornaram esta referência geográfica, a partir desse dia, uma das mais importantes durante a sua presença no nosso país.

E tínhamos de incluir esta referência: Rota dos Castelos e Muralhas do Mondego: é aqui que recuamos no tempo e conseguimos entrar um pouco mais na História de Portugal — numa história que mostra a importância da linha defensiva do Mondego durante o período da reconquista cristã, mais concretamente após a reconquista de Coimbra, em 1064. Este sistema de defesa foi essencial ao longo de 80 anos, e foi mantido por D. Afonso Henriques e D. Gualdim Pais. Venha daí a descubra mais um pedaço de Portugal.

É a Mata Nacional dos Sete Montes, localizada no centro de Tomar, que faz a ligação entre os principais símbolos associados ao legado desta Ordem. Ao longo de 39 hectares, encontramos o Convento de Cristo – Património Mundial da UNESCO, um dos maiores complexos monásticos da Europa e uma obra-prima do Renascimento -, que na época era entendido como a estrutura militar mais moderna do reino, inspirado nas fortificações da Terra Santa em Jerusalém, onde nasceram os Templários. Em tempos antigos, aqui caminhavam cavaleiros de hábito branco e cruz vermelha ao pescoço, que rezavam na Charola do Convento, o oratório privado dos Cavaleiros localizado no interior da fortaleza; que admiravam a conhecida e enorme Janela do Capítulo, ornamentada com figuras simbólicas que destacam as insígnias da Ordem (procure a cruz heráldica, a esfera armilar e o brasão do Reino) e motivos relacionados com a arte da marinhagem. Quando escrevemos “procure”, é a sério: poderá ser desafiante distinguir os símbolos nesta janela emblemática. Existem outros pormenores interessantes que permitem algo semelhante a uma viagem no tempo, como o Claustro Principal e a Cerca Conventual.

O Património Mundial do Centro de Portugal visto através das suas lendas

Outro local de passagem obrigatória é o Castelo de Pombal, na Região de Leiria. Foi o Mestre da Ordem dos Templários, Gualdim Pais, quem mandou edificar este monumento e trata-se da memória mais antiga de Pombal. É um local onde se viaja no tempo automaticamente e que nos proporciona uma vista única sobre a cidade de Pombal. Este local faz parte da Rota Templária no Centro de Portugal.

Ora, e porque não se pode escrever sobre a história dos Templários e a sua enorme influência no nosso país sem nos referirmos a um símbolo específico, falemos sobre a Torre da aldeia de Dornes, nas margens do Rio Zêzere. É nesta aldeia pacata, abraçada pela albufeira de Castelo de Bode, que reencontramos o nosso passado glorioso: apesar de pouco conhecida, esta torre pentagonal, com uma forma invulgar, foi construída pelos Templários para vigiar o território que envolve a aldeia, durante a Reconquista cristã. Este posto de vigilância e de defesa construído em xisto e calcário, a partir de uma ainda mais antiga torre romana, é o testemunho claro de um legado que ultrapassou a própria história, tornou-se parte do nosso imaginário.

Por fim, a viagem na rota dos Templários prossegue para perto do Rio Tejo, em Vila Nova da Barquinha, onde encontramos o enigmático Castelo de Almourol, que juntamente com os castelos de Tomar, do Zêzere e da Cardiga, criava a linha defensiva do Rio Tejo. É lá também que encontramos o Centro de Interpretação Templário que recorda a história da reconquista deste território pelos cristãos e que mais tarde foi entregue à guarda dos Templários, pelos quais deveria ser protegido. Venha com tempo porque dentro do museu encontrará uma exposição permanente sobre a Ordem do Templo, filmes sobre este período histórico, assim como uma biblioteca e um arquivo com variadíssimas obras.

Não podemos acabar esta viagem ao passado, sem sugerir que que participe numa experiência imersiva: melhor do que ler sobre o passado, é vivê-lo no presente. Nisso, estamos de acordo? Pois bem, fique a saber que todos os anos a vila de Almeida, no distrito da Guarda, recebe o evento “Cerco de Almeida”, uma recriação histórica e imersiva do ano 1810, que transporta os visitantes, a cada agosto, para o cenário da 2ª Invasão Francesa a Portugal. Não existem pessoas com calças de ganga nem malas a tiracolo do futuro, existem homens e mulheres vestidos a rigor que representam o passado que só nos livros se conta.

Aproveite o seu interesse em conhecer a história de Portugal e visite Proença-a-Nova, na Beira Baixa, um território com um património natural de encantar e com vestígios de estruturas militares que foram extremamente importantes para a defesa estratégica do nosso território português.

Os misteriosos templários escolheram o Centro de Portugal para fazer História e com eles fundaram histórias que se tornaram lendas que se tornaram mitos, e que nos fazem acreditar que ainda mais fascinante do que saber tudo, é saber apenas o suficiente para conseguirmos imaginar melhor. O caminho está traçado e a História não vai a lado nenhum: parte de si querer descobri-la.

Saiba mais sobre este projeto
em https://observador.pt/seccao/centro-de-portugal/