Aos 91 anos, Clint Eastwood filma como se ele e o cinema americano ainda estivessem nos anos 80 em que a ação da sua nova fita como realizador e intérprete, “Cry Macho — A Redenção”, se passa. É claro que Eastwood tem a perfeita noção de que os seus tempos de altas cavalarias como polícia justiceiro ou “cowboy” vingador já passaram (embora o seu lustro de lenda cinematográfica não se tenha embaciado, e a sua silhueta de “Stetson” na cabeça e em contraluz continue a ser impressionante), e tal como ele, a sua personagem, Mike Milo, vive no tempo da sua idade física, submetendo-se ambos aos constrangimentos ditados pela velhice. Só que, como se diz na tropa, a idade é um posto.

[Veja o “trailer” de “Cry Macho-A Redenção”:]

Mike é um velho “cowboy” texano que foi outrora uma vedeta dos “rodeos”, até sofrer um grave acidente e ficar incapacitado de voltar ao circuito. Meteu-se na bebida, perdeu a mulher e o filho num desastre de automóvel (o filme sugere que terá sido por sua culpa) e quem o salvou foi o patrão, Howard Polk (o músico e cantor “country” Dwight Yoakam), que lhe deu um emprego como tratador de cavalos, até ter que o dispensar devido à idade. Um dia, Howard pede a Mike um favor, em nome de tudo o que fez por ele: ir ao México buscar o filho, Rafael (Eduardo Minett), que vive com a mãe rica e desregrada. Esta não liga ao rapaz, permite que o amante o espanque e deixa-o andar pelas ruas a roubar e metido em lutas de galos.

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Depois de algumas peripécias, Mike acaba com Rafael metido no carro e convencido a ir ter com o pai que o abandonou no México quando era ainda pequeno, mas o rapaz não prescinde do seu galo campeão, a que deu o nome de Macho e que apresenta como exemplo de força e valentia. A jornada rumo ao Texas do idoso e lacónico “cowboy”, do galarote rebelde e refilão mas falto de carinho, e do galo, vai ser difícil, porque a mãe pôs o seu amante e guarda-costas e a polícia atrás deles, e embora ainda consiga dar um murro certeiro e montar e domar um cavalo se necessário, Mike já não tem idade nem disposição para heroísmos arriscados. (Nos momentos de apuro, está lá o galo – que na verdade são vários – para resolver).

[Veja Clint Eastwood falar sobre o filme:]

Este é um “road movie” melancólico e pausado, escrito, realizado e interpretado com aquela consumada e muito eastwoodiana justeza na caracterização, emoção, expressão e modo de contar. Não há nada em excesso ou a menos, um gesto, um olhar, uma frase, uma imagem redundante ou um plano forçado que seja, e tudo está exatamente no seu sítio. Os sentimentos são reservados e implícitos, as palavras são as estritamente necessárias e úteis, as ações são discretas mas significativas, sem a mais ínfima suspeita de lamechice, moralismo ou paternalismo. O filme é todo ele à medida e à imagem do homem que o realiza e interpreta: sereno, comedido, seguro, reto e sem espalhafato nem pretensões.

Cry Macho — A Redenção” também não se preocupa em dar “lições de vida” à base de muita conversa de encher, ou de abundante sinalética sentimentalona, como sucede nos filmes sobre o encontro de duas gerações que tudo separa (ou parece separar). No fim do caminho, Rafael vai para os braços do pai levando consigo alguns bons conselhos de Mike (reparem naquele “Olha para onde vais e vai para onde olhas” quando o rapaz está a aprender a andar a cavalo, e que dá tanto para montar como para andar no mundo), e Mike encontra a melhor das razões para deixar as amarguras do passado para trás e voltar a ter gosto na vida. É que, como diz uma das canções da banda sonora, “You never know when you’ll find a new home”.