Imagine que está às escuras na sua sala, durante uma falha de luz, e quer chegar ao quadro elétrico. “Você até pode ter o mapa da casa na cabeça, mas para chegar onde quer, primeiro vai ter de perceber onde está.” É assim, improvisando com este exemplo, que João Braun tenta explicar o que faz. “O mesmo acontece com um robô: também ele tem um mapa, armazenado na memória, do sítio onde opera. Mas para conseguir fazer o caminho até ao destino, tem de se saber auto-localizar nesse mapa.”
E é nisso que o investigador brasileiro trabalha atualmente no Centro de Investigação em Digitalização e Robótica Inteligente (CeDRI), do Instituto Politécnico de Bragança: formas de melhorar o sistema de localização dos robôs autónomos com rodas, usados em sítios tão distintos como hospitais, armazéns ou fábricas.
A minha avó Edy dizia uma coisa que não esqueço: ‘Podem tirar-me tudo na vida, menos o conhecimento’. Eu fiquei sempre com isso na cabeça.”
Filho e neto de professores, João Braun cresceu num ambiente em que se valorizava o ensino. Ainda adolescente, já tinha a ambição de fazer um doutoramento, vir a ser especialista num assunto. Depois, quando começou a tirar a licenciatura em Engenharia Eletrónica na Universidade Tecnológica Federal do Paraná e teve contacto com professores que considerou mentes brilhantes, ficou com essa certeza. “Eu estudava muito, procurava informar-me, perguntava tudo o que não sabia. No início era até um pouco chato: tinha tanta curiosidade que não tinha o bom senso de não interromper a aula com perguntas.” Curiosamente, um dos professores que mais interrompia inicialmente, veio a tornar-se seu coorientador de mestrado.
A inclinação para a tecnologia poderá ter nascido no convívio precoce com essa área. O cientista recorda-se de ser pequeno e passar muito tempo sentado ao colo da mãe a vê-la trabalhar no computador. “Mais tarde, pelos oito anos, já mexia no computador sozinho e houve muitas coisas que aprendi na internet de forma autodidata. O inglês, por exemplo.” Apesar de a área de estudos se ter tornado uma paixão com o tempo, admite que, inicialmente, na escolha da licenciatura, pesou o fator conveniência: Engenharia Eletrónica era um dos cursos disponíveis no campus universitário de Toledo, a cidade do interior do Paraná onde nasceu e cresceu – e estudar na cidade natal foi uma forma de não pesar no orçamento familiar.
Foi no último ano do curso, em 2019, que conseguiu uma bolsa de estudos e veio pela primeira vez para Portugal, concluindo o mestrado integrado na área da robótica no Instituto Politécnico de Bragança (IPB). Depois, não por opção, mas por falta delas – não havia bolsas disponíveis que lhe permitissem ficar – regressou ao Brasil. Durante um ano e meio trabalhou como engenheiro eletricista e supervisor técnico de sistemas de microgeração para residências e deu aulas no curso de Engenharia Mecânica de um pequeno centro universitário privado, também em Toledo.
Em 2020, a seleção para uma bolsa de Doutoramento INPhINIT da Fundação “la Caixa” [ver texto em baixo] deu-lhe a oportunidade de voltar a fazer as malas e regressar a Trás os Montes, para o Centro de Investigação em Digitalização e Robótica Inteligente (CeDRI) do IPB, onde o investigador de 24 anos desenvolve agora a pesquisa.
Os robôs autónomos – que funcionam sem auxílio de um operador, sendo projetados e programados para desenvolver tarefas sozinhos – estão, paralelamente, em funcionamento e desenvolvimento. Já há muitos a operar em vários contextos (como desinfecção do pavimento nos hospitais ou transportes de encomendas dentro dos armazéns ou centros logísticos da Amazon, por exemplo), mas o espaço para melhorias, tanto do ponto de vista de eficácia, como de custos, é ainda gigante.
A sub-área de investigação relacionada com a localização, a que João se dedica, é vital para melhorar a eficiência. Para operarem autonomamente, com o mínimo de erro possível, estes autómatos têm de ser dotados de um mapa do ambiente em que trabalham e de um sistema sensorial – como visão artificial, sensores tácteis, de movimento, de orientação e de medição de distâncias – que lhes permita obter informação sobre o meio envolvente e compará-lo com o mapa que têm.
Os robôs atualmente têm o problema de lidar com dados que não pertencem ao mapa original nos ambientes – como as pessoas, por exemplo”, explica o investigador.
Por isso, a técnica de localização que vai utilizar faz uma comparação entre dois mapas: o que o robô já tem e o que vai construindo, recorrendo aos vários sensores que usa.
Mas João quer ir mais longe, de forma a melhorar as decisões sobre movimento que o robô toma sozinho. Ele quer que os autómatos tenham capacidade de atualizar o mapa original de acordo como o que o observam. “Um ambiente de escritório, por exemplo, é caótico para um robô: há pessoas, que não pertencem ao mapa original, e há também mobiliário que pode ser deslocado, como mesas e cadeiras, que assumem uma posição que não tinham no mapa de referência.” Isso prejudica a capacidade de localização do robô.
João vai tentar resolver este problema através da visão artificial e do deep learning. Trata-se de permitir que o robô perceba o que é uma mesa, uma cadeira e, não só não ficar confuso com a mudança de sítio, como ser capaz de atualizar as sua nova posição no mapa original.
Na criação do seu robô, João pretende também fazer uso de sensores inteligentes, que conseguem fazer parte do processamento dos dados antes de os enviarem para o ‘cérebro’ da máquina. “É uma espécie de pré-tratamento que tem como vantagem descongestionar o processamento e otimizar a transmissão de dados”, explica. O investigador já decidiu que se vai concentrar num robô para operar num espaço interior, mas ainda não definiu o contexto de implementação – ele está no primeiro ano de trabalho, ainda a pesquisar sobre o atual estado da arte.
Um bom resultado do doutoramento do investigador – e o seu grande objetivo – seria daqui a dois anos ter criado um sistema de localização com uma eficácia melhor do que a daqueles que já operam em contexto semelhantes.
Talvez em 2023 já tenhamos a resposta para isso.
Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. João Braun, atualmente a desenvolver investigação no CeDRI, foi uma dos 65 selecionados (11 em Portugal) – entre 1078 candidaturas – para financiamento pela fundação sediada em Barcelona, ao abrigo da edição de 2020 do programa de bolsas de doutoramento INPhINIT. O investigador recebeu 115 mil euros para desenvolver o projeto ao longo de três anos. As candidaturas para a edição de 2022 deverão abrir em breve.