O El País falava esta quarta-feira, na antecâmara do regresso do Barcelona a um palco de todos os horrores (tendo a armada do Bayern como adversário, nos quartos da Champions de 2020), da “prova de algodão”. Se fora de campo todos os dias há uma história ainda pior a saltar de esqueletos nas gavetas dos escritórios de Camp Nou, dentro das quatro linhas sobrou sobretudo um carrossel de sentimentos entre a euforia e a depressão desde o início da época, entre o futebol jogado frente a Real Sociedad e Levante e os completos apagões entre Bayern, Granada e Cádiz. “Nem sequer se conseguiu tornar consensual um discurso de expetativas”, escrevia. Todavia, Ansu Fati voltou. E a montanha-russa de emoções deu mais uma volta.

Benfica-Barcelona. Piqué fez nova falta por trás e sai (1-0, 34′)

Afinal, mudou assim tanto no Barcelona desde o dia em agosto de 2020 em que os alemães colocaram um ponto final na ideia de tiki-taka com uma goleada por 8-2? À exceção de Luis Suárez, a maioria dos pesos pesados continuam no plantel (com um salário mais baixo, caso contrário os catalães não podiam inscrever jogadores na Liga). As “segundas linhas” mais maduras como Vidal e Rakitic deram lugar a jovens com grande potencial vindos da formação e ainda houve o advento. Depois, saiu Lionel Messi. Além de tudo o que representava para o clube, era o argentino que disfarçava sozinho aquilo que o coletivo não conseguia fazer. Esse foi o maior impacto desportivo do abandono do argentino, como Jesus também comentou.

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“Andamos a pôr essa questão porque o Barcelona continua a ser uma das equipas mais fortes da Europa, com um jogo de nível muito alto e não tem hoje Messi mas não deixa de ser muito forte. Se me disser que qualquer equipa do mundo é mais forte com Messi, ninguém tem dúvidas. Mas o Barcelona só perdeu um jogo, com o Bayern. É por isso que não está tão forte? É verdade que sem Messi não está tão forte mas tem como ambição ganhar esta Champions. Não é uma equipa que passa do oito ao 80 por não ter Messi, quando tinha também perdeu com o Bayern por 8-2″, comentou o técnico da antevisão ao encontro.

O encontro com o Levante foi o exemplo paradigmático disso mesmo, com a melhor exibição da temporada tendo Memphis Depay como principal figura até regressar aos relvados o jovem prodígio 323 dias depois. Ansu Fati colocou Camp Nou de pé, entrou com a corda toda, fez magia nas poucas vezes que tocou na bola e fechou mesmo o triunfo com um golo. Tudo com a camisola 10, uma espécie de luz ao fundo do túnel de uma equipa que pode jogar mais do que joga e pode ser mais afirmativa do que é tendo agora uma rede de segurança a voltar para representar aquilo que Messi representava. O Barça de um aparentemente já condenado Ronald Koeman tentava crescer. E essa era a principal diferença em relação ao Benfica.

Depois de ter encontrado a fórmula para estabilizar a equipa no plano defensivo, com três centrais de nível internacional e um Vlachodimos a ter o melhor arranque de época na Luz, e a seguir à descoberta da dupla que mais garantias dá a meio-campo dentro daquilo que a equipa necessita (o que não significa ipsis verbis que tenha de ser a melhor), a aposta em três avançados com Darwin mais descaído sobre a esquerda e Rafa a partir da direita para o meio no apoio à referência Yaremchuk tornou-se um problema para os adversários perante a facilidade com que o Benfica num ápice consegue criar oportunidades. E era nisso que Jesus também apostava, sabendo que defender bem era mais de meio caminho andado para o sucesso.

“Todos sabemos que um dos momentos fortes do Barcelona é o ataque posicional, em qualquer parte do campo, começando pela zona de construção, quando sai, porque acredita na qualidade individual dos seus jogadores. Há adversários que procuram pressionar e outros deixam a equipa deles sair a jogar. Para nós, jogar com o Barcelona ou em Guimarães é igual. A ideia é dificultar esta equipa, sabendo que ela sai da nossa zona de pressão porque tem qualidade para isso mas preferimos arriscar. Não queremos mudar a nossa ideia de jogo. Defesa do Barcelona? Esse momento de jogo não me preocupa nada, quem tem de se preocupar com isso é o treinador [Ronald Koeman]. O que me preocupa é quando o Barcelona tiver bola, o ataque posicional, as saídas, a bola parada… Não estou preocupado quando a nossa equipa tiver bola porque aí é o treinador do Barcelona que tem de pensar e pensar como pode parar o Rafa, o Darwin… Ele é que tem de partir a cabeça toda e não eu”, destacara no lançamento de um encontro onde apostava forte.

Ao longo de 90 minutos, percebeu-se porquê. É difícil encontrar um jogo tão conseguido do Benfica com Jorge Jesus na segunda passagem pela Luz a nível tático, técnico e qualitativo. Roçou a perfeição. Darwin bisou numa exibição destemida, Weigl encheu o campo, Lucas Veríssimo esteve imperial numa defesa de nível europeu. Depois, houve Rafa. Não o Rafa que de vez em quando se destacava, aquele Rafa que o treinador queria. Vertical, objetivo, desequilibrador, com golo. Se o Bayern tinha arrasado por completo uma ideia de jogo do Barcelona, o internacional português matou por completo uma equipa que parece refém do seu destino. Sem rumo, sem objetivos, sem ser Barcelona. E não é pelos jogadores.

Com a mesma equipa que tinha iniciado o jogo em Guimarães, o Benfica teve um início de sonho com o primeiro golo a aparecer na primeira aproximação de uma equipa à área: passe fantástico de Weigl na profundidade para Darwin mais descaído na esquerda, movimento diagonal do uruguaio em progressão com bola para a área e remate rasteiro sem hipóteses para Ter Stegen (3′). Pouco depois, pelo mesmo flanco mas tendo Grimaldo e Yaremchuk como protagonista, o espanhol conseguiu colocar o avançado ucraniano na carreira de tiro fora da área mas o guarda-redes alemão conseguiu encaixar (7′). Mesmo quando não tinham bola, os encarnados estavam mais confortáveis no encontro perante um Barça de tentativa e erro.

Primeiro o desenho era em 3x5x2. A seguir experimentou Eric Garcia como lateral direito adiantando mais um pouco Sergi Roberto. A seguir veio Ronaldo Araújo para a direita e Garcia para a esquerda, mantendo-se Piqué no meio mas condicionado por um amarelo logo aos 12′ por entrada por trás sobre Yaremchuk a meio-campo. Antes, e pelo regressado Pedri, o Barcelona “inventara” a primeira oportunidade: grande passe de rutura do médio para Frenkie de Jong, cruzamento rasteiro para o desvio de Luuk de Jong e corte de Lucas Veríssimo para canto (11′). Mais tarde, o mesmo Pedri conseguiu receber e enquadrar com um só gesto no corredor central mas o remate rasteiro acabou por sair a rasar o poste de Vlachodimos (18′).

O Benfica passaria a ter mais dificuldades em sair em transições como aquela que deu o primeiro golo mas nem por isso deixava de estar muito seguro em campo, sentindo apenas dificuldades sem bola quando o jogo passava pelos pés de Pedri e o médio tinha tempo para pensar. Esse era (ou é), aliás, um dos grandes problemas do Barcelona, uma equipa de ADN com posse e ataque posicional que de repente se vê colocada num jogo que aposta nos passes longos e nos cruzamentos que desvirtuam a linguagem que as melhores unidades da equipa falam. E a situação só não ficou pior porque Piqué se livrou do segundo amarelo por uma entrada sobre Rafa, algo que até Koeman percebeu lançando de imediato Gavi em campo (33′).

Jorge Jesus teve um problema quase em cima do intervalo, com Lázaro a ter de sair por um problema de ordem muscular que valeu a entrada de Gilberto. No entanto, os comportamentos coletivos que tinham feito a diferença nos 45 minutos iniciais não só se mantiveram como foram potenciados com mais erros individuais do Barcelona: primeiro foi Otamendi a aproveitar uma segunda bola sem adversário a sair para rematar de longe à figura (47′), depois foi Darwin a ser solicitado em profundidade, a desviar a bola de Ter Stegen que teve uma saída incompreensível da baliza mas a acertar de forma caprichosa no poste quando tentou o remate a cerca de 40 metros da baliza quando estava descaído sobre o lado direito (52′).

De forma esporádica e sem grande convicção em tudo o que fosse no último terço ofensivo, o Barcelona lá ia tentando acercar-se da baliza de Vlachodimos mas sem oportunidades nem remates à exceção de um lance em que Depay conseguiu cruzar bem na esquerda, Sergi Roberto surgiu bem a finalizar ao segundo poste mas Grimaldo atirou-se de forma corajosa para cortar a bola para canto (67′). Koeman quis mexer e avançou logo com três substituições numa equipa que estava tudo menos estável e que perdia Busquets e Pedri de uma assentada (além de Luuk de Jong) para as entradas de Nico González, Coutinho e Ansu Fati (68′). Mais uma vez, pelas opções e pelo timing, foi um erro e afundou de vez a equipa.

Numa jogada em que facilmente o Benfica voltou a colocar a bola na frente com superioridade, Darwin teve um cruzamento na direita mais largo ao segundo poste, João Mário combinou com Yaremchuk para atirar na área para defesa de Ter Stegen e Rafa, sozinho na área, atirou colocado na recarga para o segundo golo da noite (69′). Acabava o encontro em relação ao vencedor, por culpa do buraco que tinha sido criado com a saída do médio mais posicional, ainda havia um pouco mais para os encarnados confirmarem o autêntico atropelamento a um conjunto blaugrana de novo irreconhecível e Darwin Núñez, de penálti por mão de Dest após cabeceamento de Gilberto na área, fechou a contas de um 3-0 histórico na Luz.