Se o Presidente da República considera que “ficaram esclarecidos os equívocos” da suposta demissão do Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), não é esse o espírito entre os militares. Para além de mais explicações, pedem a António Costa que conclua da viabilidade de continuidade em funções do ministro da Defesa Nacional — um pedido para que pondere a sua demissão, sem o uso direto da palavra. Em comunicado enviado ao Observador, a Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) considera “indecorosa” a forma como o processo foi gerido e volta a apontar para uma “governamentalização e partidarização” das Forças Armadas ao abrigo da reforma legislativa.

Assim, o Conselho Nacional da AOFA decidiu “manifestar o mais profundo repúdio pela forma indecorosa e inédita” como o ministro João Gomes Cravinho procedeu, naquilo que considera ser uma “tentativa deliberada de saneamento político de um chefe militar”, e que demonstra “uma total deslealdade institucional para com as Forças Armadas no seu todo e uma deslealdade pessoal perante todos os militares e o Comandante Supremo das Forças  Armadas”, cargo que o Presidente da República exerce por inerência.

A Associação de Oficiais das Forças Armadas decide também reiterar as denúncias “sobre a evidência de um processo, em curso, de  governamentalização e partidarização das Forças Armadas que, cada vez mais facilitado, decorre do conjunto de recentes alterações a leis estruturantes que regem a instituição, naquela que ficou conhecida por Reforma da Estrutura Superior das  Forças Armadas”.

Mendes Calado, o atual CEMA e que tinha sido reconduzido no cargo por mais dois anos, tem-se mostrado contra a reforma da lei de bases das Forças Armadas (LOBOFA) e a alteração da Lei de Defesa Nacional.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Marcelo diz que “ficaram esclarecidos equívocos” sobre chefia do Estado-Maior da Armada

Esta quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa recebeu António Costa e João Gomes Cravinho. No final do encontro, a Presidência emitiu uma breve nota sobre o caso: “Ficaram esclarecidos os equívocos suscitados a propósito da Chefia do Estado-Maior da Armada”.

Essa nota é considerada inaceitável para a AOFA. Para além de declarar “a inequívoca e total solidariedade institucional e pessoal” a Mendes Calado, os oficiais das Forças Armadas exigem “explicações públicas, cabais e inequivocamente clarificadoras, sobre todo o processo que nos últimos dias abalou o país”. Em resposta ao comunicado do Presidente da República, não consideram “minimamente aceitáveis ‘lacónicos comunicados’ que mais não visam que tentar branquear responsabilidades e transmitir uma mera ideia de que ‘está tudo sanado e esclarecido’, quando, na verdade, ‘está tudo mal e muito longe de estar esclarecido’  aos olhos dos portugueses”.

No comunicado, os oficiais consideram ainda que este episódio se configura, “essa sim à vista de todos, como ‘provavelmente’ a maior crise institucional das últimas décadas em Portugal”.

Presidente nega que vice-almirante Gouveia e Melo vai substituir o almirante António Mendes Calado

O comunicado tem ainda uma palavra para o vice-almirante Gouveia e Melo que, antes de se tornar coordenador da task force para a vacinação, era apontado como o mais provável sucessor de Mendes Calado. O anúncio de que o CEMA seria afastado de funções surgiu exatamente no dia em que Gouveia e Melo abandonou o cargo e, imediatamente, surgiram notícias de que o seu nome seria proposto pelo Governo para próximo Chefe do Estado-Maior da Armada.

Os oficiais das Forças Armadas lamentam “profundamente que políticas assentes na falta de ética e escrúpulos tenham, neste episódio inaceitável, envolvido de forma tão negativa não só, diretamente, o vice-almirante Gouveia e Melo, mas, igualmente, de forma indireta, o bom nome de todos os vice-slmirantes no ativo da Marinha portuguesa”, considerando que todos eles têm condições pessoais e profissionais para vir a aceder, a seu tempo, ao cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada.

Gouveia e Melo. O militar típico “de sim e não”, que não recusa desafios e que no mar se sente gigantesco

O comunicado terminado com um apelo “ao sentido de Estado, a bem do superior interesse nacional”, do primeiro-ministro, “no sentido de proceder a uma avaliação séria e profunda que lhe permita concluir da viabilidade de continuidade em funções” do ministro da Defesa.