“Eu só tinha jogadores à minha volta a dizer: ‘Mister, estou pronto’. Isto diz tudo”. Portugal tinha acabado de conseguir um feito histórico com a primeira final de sempre do Campeonato do Mundo de futsal mas o que mais deixava impressionado Jorge Braz era a vontade que todos os que estavam no banco e se calhar na bancada iam demonstrando para saltarem para a quadra. A par dos resultados, não apenas agora mas nos últimos anos, Portugal ganhou uma equipa. Não cinco, não 14, não 16 mas uma equipa, com todos aqueles que a rodeiam e trabalham de perto. E foi esse mesmo grupo que superou o Cazaquistão nas meias.

“Tínhamos um objetivo claro, que já está alcançado. Queremos sempre mais e já não chega este. Acreditava muito que iríamos chegar às medalhas porque sabíamos que íamos ter um upgrade em relação ao último Mundial. Uma medalha já levamos mas já reformulámos o objetivo, queremos ganhar. Percebemos que Campeonatos do Mundo e da Europa têm obstáculos gigantescos para se chegar ao cume da montanha mas nada nos pode atrapalhar e esta equipa tem aprendido a saber viver com isso. Foi uma pedrada tão grande, depois daquele sofrimento todo e organização a defender bem o 5×4, um ressalto numa bola que passou debaixo de um pé, já com segundos… Quisemos logo tentar aí, a seguir sofremos um golo de livre, já no prolongamento, mas não desistimos”, recordou Jorge Braz sobre o encontro de quinta-feira.

Depois de uma primeira fase tranquila (e com goleadas a Tailândia e Ilhas Salomão), que acabou com um empate diante de Marrocos, Portugal tem superado esses tais obstáculos gigantescos de forma consecutiva. Sem facilidade nenhuma, com desafios que pareciam colocar o objetivo final em sério risco, sempre a terminar em festa. Foi assim com a Sérvia, que depois de uma primeira parte falhada levou as decisões para tempo extra antes da derrota por 4-2. Foi assim com a Espanha, que após ter estado a ganhar por 2-0 a 12 minutos do final não travou a reação nacional e acabou por cair no prolongamento naquela que foi a primeira vitória de Portugal em Mundiais contra a Roja. Foi assim com o Cazaquistão, que empatou a 47 segundos do tempo regulamentar, começou o prolongamento na frente mas não resistiu nos penáltis.

Seguia-se a Argentina. A Argentina que ganhou na primeira fase do Mundial de 2004 por 1-0. A Argentina que ganhou nas meias de 2016 por 5-2 antes de se sagrar campeã pela primeira vez. A Argentina que ia nas seis vitórias em 2021, sendo que uma delas nos quartos, com a Federação da Rússia, foi nos penáltis antes do 2-1 diante do Brasil que carimbou a passagem do conjunto das Pampas ao jogo decisivo.

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“Temos estado a preparar e refinar, com felicidade e alegria. Amanhã [domingo] é um dia de sorrisos. É sermos Portugal com o orgulho que temos tido até hoje. Vai ser dos jogos mais fáceis de preparar. São 16 homens fantásticos e não é preciso clique, eles sabem… Três prolongamentos? O desgaste emocional tem sido positivo e altamente preparador para amanhã. Só olho para isso como vantagens. Fisicamente, vamos estar onde queria que estivesse toda a gente. Graças ao comportamento da equipa, passámos as etapas todas do percurso e estamos na última, a chegar ao cume da montanha. Agora, vamos dar tudo. Sabemos muito bem o que queremos levar para Portugal”, referira na antecâmara o selecionador nacional.

Numa Zalgiris Arena, em Kaunas, com uma grande claque nacional à semelhança do que aconteceu nos jogos anteriores, Portugal, atual campeão europeu em título, teve aquela que foi a sua melhor exibição ao longo da prova, quase como se fosse destino sagrar-se também campeã mundial depois do sucesso continental em 2018 diante da Espanha. Jorge Braz viu reconhecida uma evolução de excelência na mentalidade da Seleção depois da sua entrada, Pany Varela quase que recebeu a coroa de sucessor sendo o melhor marcador e jogador de Portugal, Ricardinho teve a sua despedida de sonho. Aos 36 anos, o Mágico que teve meses de recuperação após ser operado para estar no Mundial conseguiu o título que lhe faltava.

Portugal teve uma entrada segura em campo, não concedendo grandes espaços à Argentina para atacar com gosta e visando sempre a baliza contrária. No entanto, e como se esperava dentro de um contexto de final, o jogo não teve grandes oportunidades, havendo apenas registo para o cartão amarelo de André Coelho por atrasar uma reposição de bola nos oito minutos iniciais. Depois, e em menos de um minuto, perigo junto das duas balizas: Basile obrigou a Bebé a grande defesa para canto antes de acertar depois no poste da baliza nacional (8′); Tiago Brito atirou para defesa de Sarmiento antes de atirar também ao ferro depois de nova intervenção do guarda-redes argentino (9′). Até nos lances de perigo havia empate na final.

Depois, no lance que acabou por marcar a primeira parte, a equipa de Matías Lucuix levou demasiado à letra a garra e entrega no jogo e acabou por ficar em inferioridade: Borruto deu um murro na barriga de Ricardinho, Jorge Braz pediu a verificação do VAR e o número 9 acabou mesmo expulso com vermelho direto, deixando a equipa campeã mundial reduzida a três de campo durante dois minutos. Foi nesse período que Portugal esteve mais por cima, como seria de esperar. Foi nesse período que, após uma grande jogada coletiva, Ricardinho desviou para o ferro ao segundo poste (14′). Foi nesse período que Pany Varela provou que é a grande figura desta Seleção ao assumir a última posse ainda em vantagem, tirar um adversário do caminho e rematar cruzado mais descaído na direita para o golo inaugural do jogo (15′).

Portugal revelava uma enorme maturidade na forma como sabia defender sem recuar em demasia, tendo também o sangue frio para fugir a quezílias e manter sempre o foco no jogo. A primeira parte terminaria dessa forma, o segundo tempo começaria assim e com a Seleção a ter as duas oportunidades flagrantes para aumentar a vantagem num remate à trave de Erick após uma fantástica jogada individual (23′) e em mais uma tentativa do jogador do Sporting bem travada por Sarmiento (24′), guarda-redes argentino que ia mantendo a vantagem mínima com um par de defesas complicadas. O encontro voltava a aquecer.

Em poucos segundos, dois golos deixaram tudo na mesma: Pany Varela bisou num remate de fora após canto na direita do ataque marcado por Ricardinho mas, logo na resposta, Cladino teve uma jogada de génio a passar por vários adversários em diagonal antes do remate cruzado para o 2-1 (28′). Até ao final seria preciso sofrer, sofrer muito sobretudo depois da quinta falta aos 35′, mas nem mesmo quando foi para o 5×4 a Argentina conseguiu quebrar a resistência do diamante defensivo nacional que voltou a ser de ouro a segurar a vantagem mesmo com uma bola no poste mesmo a acabar antes da festa na Lituânia.