Apenas um livro de Abdulrazak Gurnah está publicado em Portugal, Junto ao Rio (By the Sea), título que levou a chancela da Difel, editora já extinta. Mas a obra do escritor nascido na Tanzânia a 20 de dezembro de 1948, na ilha de Zanzibar, e que a partir de agora integra a galeria dos notáveis Nobel, tem a latitude e a longevidade suficiente para traçar uma realidade vasta e um imaginário frutuoso.

Radicado em Inglaterra desde 1968, onde chegou para estudar enquanto refugiado, começou a publicar em 1987 e até hoje assinou 10 romances (todos com títulos telegráficos) e três livros de contos. Tem uma escrita dominada pelos temas da identidade e das migrações e da influência do colonialismo e da escravatura, segundo alguns críticos. Eis o resumo de cinco das suas obras.

“Afterlives”

2020

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Início do século XX, império colonial alemão em África. Personagens entrecruzadas levam o leitor até ao conflito Maji Maji, uma conhecida revolta de 1905 a 1907 contra o domínio alemão da região a que hoje chamamos Tanzânia. “A escrita de Gurnah tem características lânguidas e balsâmicas, ainda que os acontecimentos retratados nada tenham que ver com isso”, descreveu o Financial Times. Os acontecimentos históricos estão no centro da narrativa, mas são as pessoas comuns e as suas histórias que têm voz. “Sem traço de exotismo, Gurnah desperta-nos o interesse acerca do destino da suas personagens e, por via disso, pela espaço físico e psicológico que ocupam”, acrescentou o jornal britânico.

“Desertion”

2005

Integra a constelação dos três romances mais conhecidos de Gurnah, ao lado de Junto ao Mar e Paradise, mas quando da publicação não convenceu o crítico do Guardian Adam Mars-Jones, segundo o qual o título não se aplicaria à narrativa. No mesmo jornal, o crítico Mike Phillips viu uma bonita história sobre as ruínas da infância e de certos hábitos da cultura islâmica. Começa em Zanzibar em 1899 e atravessa o processo de independência da Tanzânia no início da década de 60, pelo que é considerada uma reflexão pós-colonial acercado dos efeitos da dominação nas relações amorosas.

“Junto ao Mar”

2001

Surge descrito na contracapa como um “olhar perplexo e melancólico sobre um mundo onde o imperialismo abriu horizontes apenas para fechar fronteiras”. Saleh Omar chega a Inglaterra como refugiado, depois de anos como vendedor em Zanzibar, e depara-se com as barreiras que se erguem aos estrangeiros. Pelo desprezo nos serviços de imigração e pelo assédio por parte de ativistas que pretendem defendê-lo, conclui que ninguém o consegue ver como ele é. Editado em Portugal dois anos depois da data de publicação original, é o único título do agora Nobel da Literatura traduzido no nosso país.

“Paradise”

1994

“Ainda que Gurnah consiga fazer de Paradise um retrato evocativo de África numa fase de mudança, o livro é mais uma comovente reflexão sobre a liberdade e a perda de inocência do que um libelo político”, analisou o New York Times à época. A história de Yusuf, um miúdo de 12 anos escravizado na costa oriental de África em vésperas da I Grande Guerra, tornou o autor conhecido em Inglaterra e fê-lo finalista do Booker Prize, o principal galardão literário do país. Gurnah integraria o júri do prémio em 2016.

“Memory of Departure”

1987

Foi auspiciosa a estreia de Gurnah na literatura. “Cada página desta novela cruel e lúcida é marcada pela ambiguidade do ressentimento e da saudade de um imigrante que procura compreender a sua pátria”, notou o New York Times no ano seguinte. Hassan Omar, um muçulmano negro que deixa o país onde nasceu, o qual não surge nomeado no livro, acaba por encontrar no Quénia a mesma crueldade e pobreza que deixara para trás.