“É difícil de descrever”, disse William Shatner à saída da cápsula, visivelmente emocionado e quase sem palavras. “Estou assoberbado”, disse o antigo capitão Kirk. “Foi muito marcante para mim.”

Aos 90 anos, William Shatner viu e experienciou algo “inacreditável” e que nunca quer esquecer. Conta que estar em gravidade zero lhe revirou o estomâgo, mas o que mais o impressionou foi olhar para o bonito azul (do lado da Terra) em oposição ao preto escuro do espaço — como se fosse a diferença entre a vida e a morte ultrapassada a uma velocidade vertiginosa.

“O que me deste foi a experiência mais profunda que poderia imaginar”, disse Shatner agarrado aos ombros de Jeff Bezos. “Estou tão cheio de emoções. É extraordinário. Espero nunca recuperar disto. Espero manter o que sinto agora, não o quero perder.”

Tudo o que o capitão Kirk deseja agora é comunicar a vulnerabilidade de tudo aquilo que viu. “O ar que nos mantém vivos é mais fino do que a nossa pele quando o comparamos com a dimensão do universo.”

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New Shepard completou o segundo voo com tripulantes

O foguetão New Shepard descolou com a tripulação da missão NS-18 pelas 15h50 (hora de Lisboa). Este é o segundo voo da Blue Origin, com pessoas a bordo, com o objetivo de ultrapassar a linha de Kármán, a “porta de entrada” no espaço.

Cerca de dois minutos e meio depois do lançamento, a cerca de 70 quilómetros de altitude e a uma velocidade de quase 3.000 quilómetros por hora, os motores principais do foguetão desligaram-se e a cápsula libertou-se.

Em queda livre, os tripulantes têm a sensação de estar em gravidade zero, podem tirar os cintos e ter a sensação de estar a levitar no interior da cápsula. Mas só durante uns minutos.

Aos quatro minutos, após a descolagem, a cápsula atingiu a altitude máxima (107 quilómetros), quando a velocidade da subida desceu aos zero quilómetros por hora. Cerca de 10 minutos depois do lançamento, a cápsula estava de novo em Terra firme.

A rádio Observador acompanhou o lançamento em direto com comentários do geofísico Rui Moura, que recentemente se candidatou a astronauta da Agência Espacial Europeia. A Blue Origin, dona do foguetão, contou em direto como todo o lançamento e regresso do foguetão e cápsula decorreram dentro da normalidade.

Capitão Kirk, três tripulantes e dois dias de treino

Dois dias de treino e os quatro tripulantes do foguetão New Shepard estavam prontos para ir ao espaço (leia-se, fazer uma viagem de 10 minutos até 100 quilómetros de altitude). A descolagem está prevista para as 9 horas no Texas (15 horas em Lisboa), assim a meteorologia o permita.

Rui Moura considera que o treino podia ter sido mais bem cuidado, mas elogia o voo e a presença do antigo capitão Kirk que ajuda a desmistificar este tipo de viagens e a estimular os jovens a interessarem-se e a procurarem mais informação sobre a exploração espacial.

Na antecipação da missão NS-18 do New Shepard, o diretor principal de voo, Nick Patrick, contou como decorrem os treinos dos tripulantes ao longo dos dois dias. Para Patrick, o treino faz parte da própria experiência (além do voo), porque podem repetir as situações várias vezes e vão experimentar coisas que podem nem sequer acontecer durante o voo.

William Shatner, já de volta à Terra, acabou por admitir que não há simulação que os prepare para o que acontece durante o voo, que o embate é incrível. Enquanto estava sujeito ao aumento da força da gravidade por causa da aceleração, o capitão Kirk admite que se questionou se iria aguentar.

Os três aspetos principais do treino passam por:

  1. Segurança — é preciso ensinar-lhes como trabalhar com os sistemas de segurança e que respostas devem dar em caso de emergência durante o voo.
  2. Preparação — a viagem vai ser repleta de barulhos e solavancos, que são normais, mas os tripulantes que vão pela primeira vez ao espaço têm se ser preparados para esses eventos sem se preocuparem demasiado com eles.
  3. Microgravidade — haverá um momento em que os tripulantes se vão sentir como se estivessem em gravidade zero, nesse momento podem tirar os cintos e deixar-e levitar, mas é preciso treiná-los como se comportar nessa situação, saberem onde se podem agarrar e o que fazer para não andarem aos pontapés uns aos outros.

Rui Moura disse que neste treino faltam os voos parabólicos a que todos os astronautas são sujeitos durante a sua formação. Além de aprender a lidar com as questões de microgravidade, o professor da Universidade do Porto defende que é preciso lidar com a aceleração — que pode chegar a 3G na subida e 5G na descida.

Imagine que na subida, enquanto estão presos nas cadeiras, os tripulantes sentem um peso no peito semelhante a três vezes o seu próprio peso. O astronauta Chris Hadfield contou ao Observador, em 2016, que o regresso à Terra foi como “se um gorila enorme estivesse a saltar em cima de mim e a abanar-me e depois agarrasse em mim e me atirasse de um penhasco”.

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O geofísico português preocupa-se ainda com facto de os tripulantes levarem apenas um macacão simples e nenhum fato espacial como usam os astronautas sempre que fazem uma viagem ao espaço. O fato espacial, explicou Rui Moura, serve não só para que os astronautas possam respirar, mas que se mantenha a pressão à volta do corpo. Sem pressão, os fluídos corporais, como sangue e linfa, podem formar bolhas e provocar problemas de saúde graves.

Rui Moura disse que a cápsula do New Shepard está certificada para viagens sem fatos espaciais, porque tem “99,9% de medidas de redundância que não deixam sair a pressão atmosférica”.

Flutuar como um astronauta num avião em queda livre

O voo estava previsto para dia 12, teve de ser alterado porque as condições meteorológicas não eram favoráveis. Até à hora do lançamento houve muitas horas de trabalho, verificações e confirmações, como explicou Nick Patrick, que foi astronauta da NASA durante 14 anos e esteve duas vezes na Spaceshuttle.

A preparação do lançamento no dia começa sete horas e meia antes do acontecimento e o foguetão é abastecido com combustível três horas antes da hora prevista da descolagem. Quando faltam 45 minutos, os tripulantes estão autorizados a entrar e aos 33 minutos os cintos são colocados.

Esta quarta-feira, foi Jeff Bezos, vestido com o seu próprio fato de astronauta, que conduziu os tripulantes do New Shepard 18, de jipe, até à estrutura que têm de subir para alcançar a cápsula. São 10 minutos de viagem desde a villa onde ficaram alojados nos últimos dias, cada um numa caravana de luxo.

Jeff Bezos subiu a torre com os tripulantes e fechou a cápsula. Seguiu-se a pressurização da cápsula, para se tornar equivalente à pressão atmosférica, tal como acontece num avião.

Dez minutos antes da descolagem — e se todos os controlos de segurança o permitirem — começa a contagem decrescente. O tempo, no entanto, é interrompido sempre que necessário, como num jogo de futsal. Assim, a descolagem que estava prevista para as 15 horas, está atrasada mais de meia hora.

William Shatner confessou que, depois de já estarem dentro da cápsula, quando a contagem parou e ouviram que havia um problema no motor quase entrou em pânico.

Ator William Shatner, o capitão Kirk da saga “Star Trek”, vai finalmente ao espaço

Entre os tripulantes está o ator William Shatner, capitão Kirk na série “Star Trek – O Caminho das Estrelas”, agora com 90 anos. Shatner é o convidado de honra e será acompanhado por Audrey Powers, responsável pelas operações de voo e manutenção de foguetes da Blue Origin (a empresa de Bezos), e dois clientes, Chris Boshuizen, antigo engenheiro da NASA e co-fundador da empresa norte-americana Planet Labs, e Glen de Vries, co-fundador da Medidata Solutions.

O melhor que podia acontecer, disse Rui Moura, com um sorriso na rádio Observador, é que William Shatner regresse bem e com vontade de voltar a interpretar a música “Rocket Man”, de Elton John.

Este é o segundo voo da New Shepard que pretende cruzar a linha Kárman, a 100 quilómetros de altura, o limite oficial do espaço. No primeiro, viajaram Jeff Bezos e o irmão, o cliente Oliver Daemen e Wally Funk, uma astronauta da NASA que nunca teve oportunidade de ir ao espaço.

“Wow!” repetido ao infinito e os três objetos simbólicos que Bezos levou para o espaço

A Blue Origin convidou os tripulantes da missão NS-16 para enviarem mensagens aos tripulantes desta missão. Oliver Daemen diz que o voo é algo que se vão lembrar todos os dias.

“Seus sacanas sortudos”, disse Mark Bezos, na mensagem lida a partir do centro de comando, que há 10 semanas fez a viagem. “A profundidade da minha vontade de voltar ao espaço é difícil de explicar.”

Última atualização às 16h55