“É uma política correta não dar o menor contributo para baixar a fiscalidade sobre os combustíveis carbonizados.” A frase foi dita por António Costa há pouco mais de uma semana numa resposta à pergunta da deputada do CDS, Cecília Meireles, sobre se o Governo ia eliminar no próximo orçamento o aumento do imposto petrolífero em seis cêntimos por litro decidido em 2016 pelo primeiro executivo que liderou. O primeiro-ministro defendeu ainda a subida da taxa de carbono sobre os combustíveis rodoviários em linha com o aumento do preço das licenças de CO2, uma medida que até foi introduzida pelo Governo de Passos Coelho em 2014.

Esta sexta-feira, e num aparente volte-face, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais anunciou a descida do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) em um cêntimo no gasóleo e dois cêntimos na gasolina. O que mudou em pouco mais de uma semana? E o que vale a descida fiscal agora anunciada?

Governo aprova baixa temporária do imposto sobre combustíveis até 2 cêntimos, devolvendo ganhos com o IVA

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Escalada do preço sem fim à vista no curto prazo

Desde o início do ano, o preço dos combustíveis acumula subidas de 30 cêntimos na gasolina e de 25 cêntimos no gasóleo. Parte relevante destes aumentos verificou-se nas últimas seis semanas: o gasóleo aumentou oito cêntimos por litro; a gasolina aumentou cinco cêntimos. Esta sexta-feira foi notícia uma nova subida nos dois combustíveis até dois cêntimos por litro e o petróleo negociou em Londres ao nível mais alto desde 2018, tocando os 85 dólares por barril, o que antecipa novos aumentos nas próximas semanas.

Protestos a crescer de tom

Desde o início da semana que os setores mais diretamente atingidos pela alta dos combustíveis têm vindo a elevar o tom da contestação, ameaçando com aumentos dos preços dos serviços e outras medidas, como é o caso da ANTRAM, que representa os transportes rodoviários de mercadorias. A revolta nas redes sociais também ganhou força com petições assinadas por centenas de milhares de pessoas a apelar a boicotes ao abastecimento e até a protestos mais agressivos como o bloqueio das pontes sobre o Tejo.

A negociação do Orçamento do Estado

Apesar da descida dos impostos nos combustíveis ser um tema mais defendido pelos partidos à direita, sobretudo o CDS e o PSD, a esquerda no passado chegou a aprovar uma proposta para eliminar o aumento extraordinário do imposto petrolífero decidido em 2016, apesar de ter recuado depois. E apesar do Orçamento proposto conter várias piscadelas de olho aos partidos à esquerda, estes têm dados sinais contrários à viabilização do documento. Já o líder do PSD, Rui Rio, defendeu uma descida temporária do imposto para fazer face à escalada de preços nos argumentos que usou para justificar o voto contra do partido ao Orçamento de Estado.

O Governo vai baixar os impostos para compensar subida dos preços?

De certa forma sim, mas a medida tem outra argumentação. Segundo o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, o que está em causa é uma devolução aos automobilistas dos ganhos que o aumento dos combustíveis estão a proporcionar aos cofres do Estado por via do aumento da cobrança de mais IVA. É o regresso do mecanismo de “neutralidade fiscal” prometido em 2016 quando se verificou o aumento extraordinário do imposto para compensar uma perda do lado do IVA que na altura resultava dos baixos preços dos combustíveis. O próprio secretário de Estado referiu o exemplo espanhol que recusou baixar o imposto perante a previsível continuação da subida dos combustíveis.

Esta descida modesta do imposto vai fazer a diferença?

A baixa em um cêntimo no imposto do gasóleo e em dois cêntimos no da gasolina entra em vigor amanhã. E quanto muito permitirá apenas travar o aumento anunciado para a próxima segunda-feira. É de todo insuficiente para compensar as altas das últimas semanas e terá um efeito residual no desagravamento da fatura de particulares e empresas com os combustíveis. No caso dos transportadores, que já têm descontos por via do gasóleo profissional, é praticamente irrelevante.

Como foi calculada a redução do imposto?

Foram feitas as contas ao IVA médio cobrado nos combustíveis em 2019, valor que foi comparado ao IVA médio que está a ser cobrado este ano. O cálculo do Governo saltou 2020, ano em que, por causa da pandemia, os combustíveis estiveram mais baratos, o que reduz os ganhos no IVA face às contas feitas pelo Observador. O ganho adicional do Estado foi estimado em 63 milhões de euros, mas a soma que o Executivo diz devolver é mais, um cerca de 90 milhões de euros, de forma a permitir que o imposto do gasóleo possa baixar pelo menos um cêntimo por litro. Considerando a receita prevista este ano para o ISP de 3.402 milhões de euros, o valor da perda é menos de 3%.

A descida do imposto fica por aqui? E é temporária?

Para já, estas novas taxas estão em vigor até 31 de janeiro de 2022. António Mendonça Mendes assumiu o compromisso em nome do Governo de que novos ganhos no IVA cobrado serão devolvidos através da baixa de imposto. Mas em caso de inversão acentuada da tendência de alta nos preços dos combustíveis, o Governo pode repor o imposto entretanto reduzido para recuperar eventuais perdas no IVA. A portaria entretanto publicada indica que esta é uma descida a “título extraordinário e temporário”. E refere que “sem prejuízo de se prever, ao nível dos mercados de futuros dos preços do petróleo, uma diminuição do preço da matéria-prima no curto e médio prazo, a medida agora tomada será objeto de constante monitorização para que seja ajustada em função da evolução do mercado”.

Porque foi anunciada esta medida hoje?

Segundo uma fonte do Governo ouvida pelo Observador, a medida estava já a ser estudada há algum tempo. Avançou-se no mesmo dia em que foi apresentada a proposta das tarifas elétricas para 2022 pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos que prevê uma descida de 3,4% para as famílias do mercado regulado e uma baixa acentuada das tarifas de acesso à rede que vão travar (ou minorar) os aumentos de preços para os clientes do mercado livre e para as empresas.