António Costa entrou na reunião da Comissão Política Nacional do PS a disparar medidas em áreas onde admite agora ir mais longe na especialidade do Orçamento do Estado e a pedir apoio ao partido para continuar a negociar. Saiu mandatado para “prosseguir as negociações” com a esquerda, o PAN e as deputadas não inscritas e com a expressão “inequívoca” do partido de que não quer eleições antecipadas. Garante que as medidas agora conhecidas “já foram apresentadas a todos” os parceiros e que “nada foi tirado da manga” à última hora.

Este sábado, logo às nove da manhã, Costa recebe o PCP e pelas 11 horas receberá o Bloco de Esquerda para uma reunião onde já conta ter resposta também para as propostas que tornou públicas esta sexta-feira na reunião partidária. E isto porque diz que elas já foram faladas nas reuniões bilaterais com cada um dos partidos e nas últimas foi isso mesmo que ficou definido. “Por mim estarei a ouvir qual a reação e resposta que têm”.

A lista de medidas vai ao encontro de algumas das principais medidas pedidas pelos partidos, sobretudo pelo PCP e Bloco de Esquerda, com António Costa a tentar estreitar a margem de recusa do OE dos parceiros em véspera de reuniões finais (a votação na generalidade é na quarta-feira). É que, segundo explicou, as propostas já eram conhecidas pelos partidos que continuam a dizer que não aprovam o OE e o socialista entendeu que precisamente agora — num timing decisivo — era o momento de as tornar públicas. “Não foi nada que nos surgisse esta noite tirado da manga. É fruto do trabalho que temos vindo a desenvolver com os parceiros”, garantiu aos jornalistas no final da reunião.

Quais são afinal as propostas que Costa colocou, então, em cima da mesa em privado e que revela agora?

  1. Antecipar para 1 de janeiro de 2022 o aumento extraordinário das pensões, que na proposta de Orçamento está só a partir e agosto;
  2. Alargar o aumento extraordinário a todas as pensões com valor até 1.097 €;
  3.  Eliminar a penalização relativa ao fator de sustentabilidade nas reformas a partir dos 60 anos para todos os indivíduos com mais de 80% de incapacidade durante pelo menos 15 anos;
  4. Aumento extraordinário do Mínimo de Existência em 200 euros, abrangendo mais cerca de 170 mil pessoas com isenção de IRS;
  5. Solução para os 235 mil agregados com salário bruto entre 9.315€ e 10.200€ que têm salário líquido de IRS igual aos de quem recebe 9.315€;
  6.  Introduzir a gratuitidade progressiva das creches, de forma a atingir em três anos (até ano letivo 2024/2025) a total gratuitidade;
  7. Reforçar as verbas para apoio ao Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos e o Programa de Apoio à Densificação e Reforço da Oferta de Transporte Público;
  8. Alargar o fundo de tesouraria de apoio às micro, pequenas, e médias empresas;
  9. Apoio à criação da carreira de Técnico Auxiliar de Saúde;
  10. Alargamento do conceito de crime de maus tratos animais.

“Fica claro que o PS e o Governo têm trabalhado de forma rigorosa, séria e construtiva com os partidos“, afirmou Costa para dar prova do seu empenho num acordo que a esquerda não está a dar apesar de já conhecer estas propostas, segundo diz.

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Porque as revelou agora afinal? “Achámos que o ruído não ajudava ao processo, mas quando estávamos a  chegar à fase final achei que devia vir ao partido apresentar propostas apresentadas, que estão em cima da mesa, e ver qual a avaliação que o PS faz”. E agora lança a bola para o lado de lá: “Contamos que os nosso parceiros manifestem igual vontade determinação e disponibilidade para, ao longo dos próximos dias, continuarmos a aprofundar o trabalho que temos vindo a desenvolver”.

E ainda há mais, neste lote de velhas conhecidas pelos parceiros. O líder do PS coloca neste mesmo grupo a nova trajetória para o aumento do salário mínimo nacional. Até aqui, o plano do PS era chegar aos 750 euros em 2023, ano do final da legislatura, mas Costa alinha já os valores daí em diante: 800 euros em 2024 e 850 em 2025. Já o aumento deste ano será de 40 euros, o mais alto que este Governo já propôs: passará dos atuais 665 euros para 705, segundo a proposta que foi posta em cima da mesa dos parceiros.

Além disso, o PS validou também a proposta de Costa que passa pela adoção de uma “política de rendimentos” que “deve ter por objetivo um aumento geral dos salários, de modo a recuperar o peso das remunerações no PIB para o valor médio da União Europeia, o que implica um aumento deste indicador de 45% para 48,5% do PIB nos próximos anos”.

As medidas, admitiu aos jornalistas, “Não deixarão de se refletir no défice”, ainda que refira que também vão existir “novas previsões de crescimento e isso também afeta o valor do défice”.

Costa garante que não quer eleições mas: “Estou preparado para tudo”

“A Comissão Política Nacional expressa a inequívoca vontade do PS de que as negociações sejam bem sucedidas”, refere o texto de Costa que o partido aprovou. Na reunião ninguém defendeu a ida a votos de forma antecipada. E no final, o líder do partido empurrou a ideia para o Presidente da República e da sua parte respondeu apenas: “Estou preparado para cumprir os deveres com o país que é manter o país na trajetória de governação seguida. Se o Presidente da República entender de forma diversa respeitarei a decisão. Estou preparado para tudo“. E ao mesmo tempo aponta para as “águas que ainda estão muito turbulentas” e “não convém introduzir um factor de instabilidade e incerteza” que é a forma indireta que Costa tem de falar em eleições antecipadas.

Na intervenção no início da reunião, Costa reforçou a ideia que não quer um acordo a qualquer preço, tendo ao mesmo tempo garantido que não quer avançar para eleições. E garantiu aos socialistas, segundo fontes presentes na reunião, que a solução política que apresentou em 2015 “não está esgotada”, referindo-se à “geringonça”.

Aos jornalistas disse que a “interpretação” que faz dos resultados eleitorais de 2019 “se mantém” e passa por continuar a negociar à esquerda, mas “com o PS mais fortalecido” e deixa a esperança de que “os partidos façam essa interpretação correta“.

Na conferência de imprensa final disse ainda que se todos trabalharem “com boa fé e espírito construtivo”, Costa continua a não ver “razão nenhuma para que o Orçamento não possa ser viabilizado. Já não via com a proposta inicial, agora depois do conjunto destas propostas, acho que toda a gente pode dizer tudo menos que não há aqui um esforço sério, objetivo e concreto do PS para responder a preocupações concretas”. Ainda foi questionado, mesmo no final se concorda com o presidente do partido Carlos César que considera que a esquerda só quer derrubar o Governo, mas colocou a máscara de proteção individual e saiu.

Raide de ministros no esforço final

Entretanto, mesmo antes da reunião socialista começar, o PS divulgou uma intensa agenda de ações de esclarecimento do Orçamento ao partido, com os ministro no terreno nos poucos dias que restam até começar o debate na generalidade (arranca a 26 deste mês). Não que seja prática nova no PS de Costa, esta de colocar o Governo que também tem responsabilidades no partido no terreno a distribuir os argumentos de defesa da proposta junto das bases, mas porque essa agenda é apertada para caber tudo até à primeira votação do Orçamento para a qual o PS continua sem qualquer sinal de poder ser viabilizada.

Neste programa intenso de deslocações programadas para acontecerem este fim de semana, constam nomes como o de Pedro Nuno Santos, que vai a Braga “prestar contas”, Marta Temido que passará por Moscavide, Mariana Vieira da Silva, que vai a Leiria, ou Ana Mendes Godinho que vai a Alpiarça. Um raide de ministros no esforço final por uma proposta que este fim de semana o PS saberá melhor se poderá vir a contar com o apoio dos parceiros da esquerda.