José Maria Ricciardi, ex-administrador do Banco Espírito Santo, tem o desejo de voltar a criar um banco, de ser o responsável por começar a “regeneração” do nome da família que durante anos esteve ligada à banca e que fica marcada pela queda do BES. Ainda sobre o desfecho do banco, Ricciardi acredita que teria sido diferente com o atual Governo e com António Costa, porque “sabe negociar com Bruxelas” e isso poderia ter sido fundamental para o BES ter “ficado no Estado”.
Em entrevista ao jornal Público, José Maria Ricciardi admite que tem acompanhado os julgamentos de Ricardo Salgado e do BES, mas não discute qualquer tese, mesmo aquela que Ricardo Salgado defende, em que insiste que todas as decisões eram tomadas pela família e os órgãos sociais, o que acaba por atingir o ex-administrador. “A verdade dos factos será com certeza confirmada”, aponta.
Questionado sobre como é possível não saber de nada do que se passava no BES sendo membro do conselho de administração, Ricciardi defende-se com o facto de ter tido a vida “passada a pente fino” durante vários anos de investigação, nomeadamente as contas bancárias, e ainda assim ter sido “totalmente ilibado”.
“Estas entidades têm acesso a informações que mais ninguém tem e concluíram que existia um grupo a funcionar em circuito fechado, como uma célula, com comunicações encriptadas, que recebia dinheiro de um saco azul. E que era muito difícil aos outros administradores, auditores e reguladores terem conhecimento. Uma coisa é desconfiar, outra é ter provas”, justifica, frisando ainda que podem haver “desconfianças” e “dúvidas”, mas que sem provas é difícil agir.
Apesar disso e de saber que as entidades demoraram anos a perceber como o esquema funcionava, à distância Ricciardi admite que “provavelmente” podia ter feito melhor.
Agora, anos depois da resolução do banco e sendo o único membro da família que se mantém na banca, José Maria Ricciardi tem o desejo de poder deixar um banco na família. “Fui desafiado a regenerar o grupo por um elemento da minha família”, conta, apesar de lembrar que já não é novo, mas que espera ter energia e tempo para “cumprir o desejo”.
“Ver gente da minha família impecável e séria a sofrer com a hecatombe, a vergonha e o desastre do que se passou no grupo, cria-me angústia e ansiedade. E depois de profundas investigações das autoridades judiciais e fiscais, vemos que os problemas foram causados por um número restrito da família e o resto não tem culpa. O tempo dos Távora já passou”, desabafou o ex-administrador do BES.
Para atenuar todo o processo, Ricciardi vai “tentar criar um banco novo”, assente num “conceito diferente dos chamados bancos clássicos”. “Terá de ser pequeno, pelo menos no início, virado para o mundo digital, mas que dê às próximas gerações e aos colaboradores a possibilidade de crescer no futuro”, explica, não se mostrando confiante por ser “muito difícil”.
Caso venha a acontecer, não garante que o banco tenha o nome Espírito Santo, sendo que dependerá do branding e com da estratégia comercial.
Esta não é a primeira vez que o e primo de Ricardo Salgado demonstra essa intenção, tendo-o dito em entrevista à SIC Notícias, em agosto de 2020, depois de ter sido ilibado na fase de inquérito no caso BES.
O ex-administrador do BES é crítico da resolução do banco, atribui a “solução” às autoridades europeias que diz terem usado “um banco centenário para fazer experiências”. “O resultado está à vista: um prejuízo brutal para os contribuintes portugueses, para os stakeholders do BES, accionistas, obrigacionistas, detentores de papel comercial”, argumenta.
Ainda sobre esses tempos, Ricciardi está convencido de que o desfecho podia ser outro se o Governo fosse outro. Admite ser amigo do antigo primeiro-ministro, admira-o, mas Costa teria mais capacidade para fazer diferente: “Se o tema BES tivesse sido tratado por este Governo o desfecho teria sido provavelmente outro, pois o atual primeiro-ministro sabe negociar com Bruxelas.” Para o justificar, Ricciardi dá ainda o exemplo do banco britânico Lloyds, que ficou nas mãos do Estado.