A justificação foi dada pela ministra da Trabalho aos jornalistas após a última reunião da concertação social: as medidas propostas a sindicatos e patrões de alteração à lei laboral devem ter em conta os “rankings internacionais” de avaliação do mercado de trabalho, nos quais o país não deveria “distorcer” a sua posição sob risco de pôr em causa a “perceção internacional de Portugal”. A resposta seguiu-se à pergunta sobre se o Governo ponderava ceder à esquerda nas compensações por despedimento (acabaria por fazê-lo, assim como nas horas extra, mas apenas parcialmente, o que não foi suficiente para convencer Bloco e PCP). Que rankings são estes? E que importância têm?

Questionado pelo Observador, o Ministério do Trabalho não identificou a que rankings Ana Mendes Godinho se referia. Mas, ao Observador, João Cerejeira, economista da Universidade do Minho e especialista em mercado laboral, indica que a classificação de referência sobre a rigidez do mercado de trabalho é a da OCDE, nos chamados “indicadores da proteção do emprego”. O ranking mais recente, publicado em 2020, mas com referência a 2019, coloca Portugal ao lado de Israel no segundo lugar dos países com um mercado laboral mais rígido (em 37), apenas atrás da República Checa. Quer isso dizer que é dos estados onde é mais difícil despedir (e contratar).

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Numa escala de 0 a 6 (em que 6 representa o máximo de rigidez), Portugal pontua 2,9, o mesmo valor que Israel e apenas uma décima abaixo do primeiro lugar. O ranking olha para o nível de proteção do trabalhador previsto na legislação dos vários países, não só no que toca aos contratos temporários, mas também permanentes (que acabam por ter um peso maior na classificação final em Portugal por existirem em maior número, explica o economista).

A classificação resulta da média ponderada de quatro categorias. Por um lado, os procedimentos de notificação do despedimento do trabalhador (por exemplo, se a notificação tem de ser justificada e se precisa de ser acompanhada por um aviso prévio). Aqui, Portugal tem nota de 2,3 e ocupa a sexta posição (atrás, por exemplo, dos Países Baixos ou da República Checa).

A segunda categoria tem em conta os prazos do aviso prévio e as compensações por despedimento (não se incluem as indemnizações pelos despedimentos sem justa causa). É neste indicador que Portugal tem uma classificação mais baixa e está dentro da média europeia (1,7), o que pode ser explicado pelo facto de os despedimentos com justa causa não darem direito, regra geral, a indemnizações (apenas ao pagamento das férias não gozadas, do subsídio de férias e de Natal).

A classificação volta a disparar na categoria sobre os despedimentos sem justa causa. Aqui, a OCDE tem em conta o que a legislação considera um despedimento indevido, o peso das decisões judiciais e a compensação financeira por despedimento sem justa causa. Portugal tem 4,2, a pontuação mais alta entre todos os países analisados. Uma vez que a Constituição impede despedimentos individuais arbitrários, esta nota “dificilmente se consegue baixar“, observa João Cerejeira.

Já a quarta categoria olha para os procedimentos extraeconómicos dos despedimentos indevidos, como os prazos de reclamação ou a obrigatoriedade de readmitir trabalhadores em caso de decisão judicial. Portugal tem 3,3 e está na média dos países da OCDE.

Portugal “não tem espaço” para subir no ranking, diz economista

Segundo João Cerejeira, Portugal tem vindo a reduzir a rigidez do mercado de trabalho, mesmo antes do período da troika. E dá o exemplo das alterações feitas por Vieira da Silva em 2008, no governo de José Sócrates — que estiveram sobretudo relacionadas com instrumentos de flexibilidade laboral, como a criação de bancos de horas (o individual viria a terminar com a revisão de 2019 do mesmo ministro).

Com a troika, as principais mexidas foram ao nível das compensações por despedimento (de 30 dias por cada ano de antiguidade para 12) e nas horas extraordinárias (cujo valor a pagamento caiu para metade). “Na prática, o que a troika estava a afirmar era que o mercado de trabalho português não era flexível e, se não era, os processos de ajustamento demorariam mais tempo, como os processos de encerramento de empresas ou a passagem do emprego de setores que não estão em crescimento para empresas que estão a crescer”, explica o economista.

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No relatório sobre o ranking da rigidez laboral, a própria OCDE refere que a legislação de proteção ao emprego influencia, no caso das empresas, a capacidade de “dispensarem trabalhadores para reagirem às mudanças nas condições económicas e na tecnologia”. Já para os funcionários, “é um elemento importante de estabilidade no seu emprego”, que afeta “os direitos e o bem-estar de todos os trabalhadores no mercado de trabalho”.

João Cerejeira acrescenta que uma “maior rigidez no despedimento leva a maior rigidez na contratação”, já que as empresas ficam mais reticentes a contratar sabendo que vai ser difícil despedir, caso seja necessário. “Acontecem fenómenos como o que temos agora que é ter empresas que querem crescer e precisam de trabalhadores e outras que aparentemente têm trabalhadores a mais. Mas demora esse processo de ajuste“, diz.

Ao Observador, o economista Fernando Alexandre considera mesmo que Portugal “não tem espaço” para subir no ranking da OCDE. “Quando Portugal é avaliado do ponto de vista dos fatores de competitividade, não há muitos pontos em que saia bem”, o que inclui a rigidez do mercado de trabalho, defende. “Quando se junta isso à carga fiscal, à qualificação dos trabalhadores, às fragilidades nas infraestruturas, à posição geográfica, é um mix que não é muito favorável”, o que, como consequência, “não contribui para uma imagem de competitividade de Portugal” aos olhos dos “investidores internacionais que procuram possíveis localizações de investimento”.

Um dos rankings que permite avaliar essa competitividade global é da autoria do IMD World Competitiveness Center que, no caso português, é feito em parceria com a Porto Business School. Em termos globais, Portugal ocupa a 36.ª posição, em 64 países, tendo subido uma posição face a 2020. Ao Observador, o diretor executivo da faculdade, Rui Coutinho, explica que a avaliação sobre a regulação do mercado de trabalho, incluindo os procedimentos de contratação e despedimento, está incluída no indicador business legislation (legislação de negócios), no qual Portugal surge em 27.º lugar. Porém, o indicador é muito vasto, medindo também incentivos ao investimento, contratação pública ou a acessibilidade dos mercados de capital.

Fernando Alexandre também aponta as dificuldades que a rigidez de um mercado de trabalho pode trazer nos períodos em que são precisas mudanças estruturais na economia, por razões tecnológicas ou para fazer face à transição climática. “Portugal tem, em cima disso, a questão do envelhecimento e um desafio de transformar a sua estrutura económica”, indica. Um mercado de trabalho menos flexível “dificulta o ajustamento das empresas, ajustamentos entre setores, porque isso implica uma realocação de recursos, ou seja, substituição de trabalho, de tipo de qualificações”. “Precisamos que as empresas consigam responder de forma rápida, adotando as melhores soluções tecnológicas para poderem ser competitivas no mercado internacional”, acrescenta.

Da lei à prática

No âmbito das negociações para o Orçamento do Estado para 2022, a esquerda exigia ao Governo, para viabilizar o documento, a reposição das indemnizações por despedimento e das horas extraordinárias para os valores pré-troika, mas o Governo respondeu apenas parcialmente. No caso das indemnizações, aumentou de 12 para 24 dias e apenas nos contratos a termo certo e incerto. Quanto às horas suplementares, repôs os valores mas só a partir da 120.ª hora. João Cerejeira observa que o Governo pode ter preferido o meio termo para “não dar sinais de que está a fazer uma reversão da política“, até aos olhos de Bruxelas.

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O economista da Universidade do Minho alerta, porém, que a OCDE olha apenas para os procedimentos administrativos e burocráticos, e não para “o que se passa na prática, até porque temos um tecido de micro e pequenas empresas onde a relação laboral é quase um para um”.