A crise política e a instabilidade do calendário da COP26 levaram o primeiro-ministro português, António Costa, a juntar-se à lista de chefes de Estado e de Governo ausentes da fase de alto nível da cimeira das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, que decorre por estes dias em Glasgow, no Reino Unido.

António Costa chegou a ter viagem agendada para Glasgow, mas a crise política que eclodiu em Portugal com o chumbo do Orçamento do Estado no Parlamento levou o primeiro-ministro a cancelar a deslocação, deixando Portugal sem qualquer representação na cimeira de líderes mundiais sobre as alterações climáticas, onde discursaram nomes como Joe Biden, António Guterres, Boris Johnson, Emmanuel Macron, Angela Merkel ou Ursula von der Leyen.

Ausentes, além de António Costa, estiveram figuras tradicionalmente menos entusiastas do combate às alterações climáticas, incluindo os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping.

A COP26 tem sido apontada por decisores políticos, cientistas e ambientalistas como um fórum vital para que o mundo aumente a ambição dos seus compromissos climáticos, de modo a que o objetivo central do Acordo de Paris — limitar o aquecimento global a 1,5ºC até 2100 em comparação com os níveis pré-industriais — se mantenha alcançável.

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Portugal foi um dos signatários do Acordo de Paris, em 2015, e o Governo de António Costa tem insistido que Portugal é um dos países do mundo mais comprometidos com o combate às alterações climáticas. Em 2019, o Governo anunciou que Portugal foi o primeiro país do mundo a afirmar o compromisso da neutralidade carbónica. Mais recentemente, durante a presidência portuguesa do Conselho da UE, o bloco europeu aprovou a Lei do Clima, transpondo para um instrumento juridicamente vinculativo os objetivos climáticos da UE.

O combate às alterações climáticas foi também apresentado pelo Governo como um dos eixos centrais do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e do próprio Orçamento do Estado para 2022, agora chumbado.

Todavia, apesar de todos estes compromissos, o primeiro-ministro português não compareceu esta semana na COP26, ausência que foi esta terça-feira criticada pelo Bloco de Esquerda no Parlamento. No debate parlamentar, a bancada do PS justificou a falta de Costa com a crise política que se vive em Portugal.

De acordo com informações recolhidas pelo Observador, a ausência de António Costa foi justificada com a interseção de dois problemas: a crise política e também a instabilidade do calendário da própria COP26.

O chumbo do Orçamento do Estado lançou a esfera política portuguesa em crise, com a perspetiva de dissolução da Assembleia da República e de antecipação das eleições legislativas no horizonte, complexificando a agenda quotidiana do primeiro-ministro, que para dar resposta a múltiplas reuniões em Portugal acabou por cancelar uma grande parte da sua agenda externa: uma notável exceção foi a cimeira luso-espanhola, decorrida no dia seguinte ao chumbo do Orçamento do Estado em Trujillo, Espanha, ao lado de Pedro Sánchez, o presidente do governo espanhol.

À crise política interna somou-se também uma grande instabilidade da agenda da COP26, apurou o Observador.

Os discursos dos chefes de Estado e de Governo foram distribuídos ao longo de dois dias (segunda e terça), com os nomes mais fortes a discursarem praticamente todos na segunda-feira. O Observador sabe, porém, que a agenda final da ordem dos discursos só ficou fechada muito em cima do arranque da cimeira — e que, até lá, a intervenção de António Costa foi sucessivamente agendada para dias diferentes.

Com a incerteza até à última hora, acabou por ser impossível para a delegação portuguesa conciliar a agenda de Costa em Glasgow com a agenda em Lisboa.

Ainda assim, António Costa, mesmo à distância, tem assinado alguns dos acordos globais que estão a ser anunciados e assinados em Glasgow, incluindo o compromisso de travar as emissões de metano e uma declaração sobre a proteção dos oceanos.

A cimeira de líderes da COP26 terminou na terça-feira e a maioria dos chefes de Estado e de Governo já estão a regressar a casa, ficando os próximos dias da cimeira do clima a cargo dos negociadores nacionais, que incluem ministros, cientistas e outros representantes dos vários países, que vão debater as alterações climáticas em dias de discussões temáticas — e que procurarão, até ao final da próxima semana, alcançar um texto final.

Sem António Costa na fase de alto nível, a representação portuguesa naquela que tem sido considerada a mais importante cimeira climática depois da COP21, em Paris, em 2015, estará limitada à presença de uma delegação liderada pelo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, a partir de dia 8 de novembro.