Foi na histórica livraria Barata que Marcelo Rebelo de Sousa revisitou algumas páginas do seu percurso político e abriu o livro sobre o seu futuro. À conversa com seis alunos, todos com menos de vinte anos, o Presidente da República falou sobre política, discorreu sobre a sua mediatização, admitiu que “às vezes fala demais” e projetou o que vai (e o que não vai) fazer quando deixar de ser Chefe de Estado.

Os jovens interlocutores aproveitaram a rara oportunidade para começarem por dizer o que não lhes interessava: precisamente, a política. E logo perante o protagonista que mais explora o lado analítico e até lúdico da política. Marcelo vestiu o papel professoral e lembrou que a “política é o nosso dia a dia“, a colocação de “problemas e a discussão sobre as soluções”.

E, num quadro em que o sistema está “envelhecido“, a política não pode dispensar o mais jovens. Mais importante: os mais jovens não a podem dispensar, sobe pena de nunca conseguirem encontrar as soluções que defendem para o país.

O debate-conversa virou-se depois para a forma como a política é mediatizada. Nessa troca de ideias, Marcelo deixou de falar no abstrato e voltou-se para si. “Uma das críticas que me fazem, é que estou em toda a parte e que falo demais“, admitiu o Presidente da República. Mesmo reconhecendo uma certa omnipresência presidencial, Marcelo justificou-se. “Há novas questões que, se não são abordadas num certo momento, passados seis ou sete dias, já são diferentes.”

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Com a sala cheia, um aluno perguntou se não havia uma mediatização excessiva da política, e se isso não pode contribuir para uma obsessão com a forma e um desprezo pelo conteúdo . Marcelo Rebelo de Sousa agarrou no microfone e concordou: “Para algumas pessoas, há três requisitos para estar na política: a resistência física, a resistência psíquica e o mediatismo. Mas um dos riscos é o de passar para segundo plano as questões fundamentais“.

Depois, a conversa virou-se para a mediatização do próprio Presidente da República e do estilo que o caracteriza. “Costuma ver-se na televisão e pensar para si: ‘Bolas… se calhar não devia ter dito aquilo’?”, chegaram a perguntar. “Cada pessoa é uma pessoa, num determinado momento. Sou muito liberal no sentido de aceitar a diferença dos outros”, cortou Marcelo.

Marcelo, que construiu a sua figura pública em décadas de comentário político muito antes de chegar a Presidente da República, dividiu, de resto, os protagonistas da história recente do país em dois grandes grupos: os do “tempo pre-televisivo”, onde incluiu Freitas do Amaral, Álvaro Cunhal, Sá Carneiro e Mário Soares, “talvez o mais completo de toda a democracia”; e os do tempo televisivo, onde destacou Cavaco Silva, que segundo o atual Presidente, “tinha sounbites curtos“; e também António Guterres “na mesma linha, num estilo diferente”.

Numa espécie de auto-análise, Marcelo Rebelo de Sousa foi duro consigo mesmo: “Eu era péssimo. Como líder partidário, na televisão, era um flop monumental. Nunca sabia para onde é que havia de olhar”, recordou.

Moral da história: há sempre uma segunda oportunidade para se deixar uma boa primeira impressão. “Sou um tímido, um tímido corrigido. E, às vezes, um tímido corrigido fica um extrovertido em excesso“.

Quanto ao futuro pós-Belém, Marcelo Rebelo de Sousa reafirmou uma ideia que já tinha deixado em ocasiões anteriores: não andará por aí, nem na televisão, nem a escrever memórias, nem a comentar governos passados, presentes e futuro, ou outros Chefes de Estado.

“[O meu futuro] não é dizer a opinião sobre quem for Presidente na altura, isso não é certamente, nem o Governo na altura, nem o parlamento da altura, não – isso é o mais vulgar de se ver nos políticos, é mesmo o mais tentador. E não vou voltar mais à televisão quando sair de Presidente. Passou, passou. Não há nada pior do que os velhos jarretas pensarem que voltam a ser jovens e tal. Acabou. Podem ser jovens noutras coisas, mas não daquilo que já fizeram”, acrescentou.

Marcelo explicou que pretende voltar a fazer voluntariado em unidades de cuidados intensivos, continuar a dedicar-se à integração das pessoas em situação de sem-abrigo e trabalhar em defesa do acolhimento dos migrantes.