Uma ponta ligou a outra, os testemunhos cruzaram-se entre pontos comuns, as perícias nos telemóveis dos visados abriram novos caminhos, o enredo virou no sentido de uma direção com tanto de inesperado como inaudito. Mais de dez dias depois, a imprensa francesa continua a publicar novos episódios sobre a agressão à jogadora Kheira Hamraoui, na noite de dia 4 de novembro, numa novela que relegou agora a companheira de equipa (e de posição) Aminata Diallo para um papel secundário de testemunha após ter sido apontada como possível obreira do ataque à internacional gaulesa e colocou como protagonista outro nome bem conhecido do futebol em França: Eric Abidal, antigo campeão europeu e mundial de clubes (e a mulher).

Organizou jantar, contratou dois homens e pagou para agredirem colega de equipa: o escândalo que assola o futebol francês

Numa primeira fase, a tese das autoridades passava por uma agressão que teria como justificação motivos meramente desportivos – e foi por isso que Diallo, também ela internacional francesa e atleta do PSG, ficou 36 horas detida em prisão preventiva enquanto ia sendo confrontada com as pistas que foram recolhidas e dava a sua versão dos factos. De tal forma que, como relataram alguns meios gauleses, terá existido uma discussão mais acalorada entre as duas jogadoras no momento em que se cruzaram nas instalações, com o L’Équipe a citar fontes policiais próximas da investigação para relatar, entre outros episódios, que a agredida considerou estranho a velocidade do carro no momento do ataque e a companheira de equipa a dizer que o mesmo só aconteceu por se tratar de uma zona onde havia um estreitamento da estrada.

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Numa primeira instância, e como foi relatado por várias publicações, a linha de investigação passava por um alegado ataque orquestrado por Diallo no seguimento do jantar de equipa que tinha existido nessa noite, com dois homens encapuzados a tirarem Hamraoui do carro da companheira para a agredirem com um bastão de ferro nas pernas e nos braços (teve mesmo de ser assistida e suturada no hospital). Alguns pontos que não se percebiam: como tinha sido possível que o ataque fosse apenas a Hamraoui e os agressores não tivessem sequer olhado para Diallo e porque teria enviado alegadas mensagens intimidatórias a outras colegas.

O plano saído da prisão, o caminho suspeito de Diallo e a rivalidade desportiva: os novos pormenores da agressão a Hamraoui

Após ter estado detida para interrogatório, Aminata Diallo acabou por ser libertada a par de uma amiga que tinha sido também detida mas em Lyon, no âmbito deste caso, segundo a promotora Maryvonne Caillibotte. “Aminata Diallo lamenta a encenação totalmente artificial de uma rivalidade entre ela e Kheira Hamraoui que justificasse o ataque à colega. Essa teoria não corresponde em nada à verdadeira natureza do seu relacionamento. Outras pistas mais sérias foram encaradas pelos investigadores e em nada implicam a minha cliente. Aminata lamenta o empolamento mediático que já a condenou, sem fundamento, e lembra que não hesitará a defender os seus direitos na Justiça, se necessário, contra qualquer difamação. Cooperou em pleno e facilitou o trabalho dos investigadores, saindo em liberdade. A minha cliente está profundamente afetada pelo destaque mediático em volta deste caso”, comentou após a saída da prisão o advogado da jogadora, Mourad Battikh, numa declaração enviada à agência France-Presse.

Entretanto, outras informações tinham surgido já em público, nomeadamente a possível ligação de alguém com capacidade de orquestrar um ataque deste tipo a partir da prisão, onde se encontra a cumprir pena, ou um possível ajuste de contas de cariz amoroso com Kheira Hamraoui. E agora é esta última tese que parece ter assumido a principal linha de investigação… com outra ligação diferente também ao futebol.

Esta segunda-feira, o Le Monde e o Le Parisien tinham avançado com a informação de que Eric Abidal, ex-defesa que passou por clubes como Mónaco, Lille, Lyon, Barcelona e Olympiacos, onde terminou a carreira em 2014 depois de ter sido sujeito a um transplante de fígado três anos antes, tinha visto o seu nome ligado à investigação porque o cartão de telemóvel de Kheira Hamraoui estaria registado em seu nome. Agora, o L’Équipe acrescenta mais alguns detalhes, entre conversas entre ambos e uma frase que terá sido dita pelos dois agressores no momento do ataque e que foi ouvida não só pela jogadora como pela própria Diallo.

Assim, como conta o jornal desportivo gaulês, a jogadora terá ligado a Abidal no dia seguinte às agressões e colocou o telefone em alta voz para que mais companheiras pudessem ouvir a conversa (incluindo Diallo e Sakina Karchaoui, que também voltou a casa de boleia nessa noite mas saiu mais cedo). Nessa chamada, Hamraoui perguntou diretamente ao antigo internacional se a sua mulher, Hayet, poderia ter organizado o ataque. Abidal respondeu com um rotundo “não”. No entanto, esta não seria a primeira vez que Hamraoui assumia o receio de que algo pudesse acontecer e foi isso que Diallo revelou, acrescentando que alguém com a alcunha “Jaja” ia sendo a figura capaz de pacificar as coisas após uma primeira alegada ameaça de Hayet Abidal quando o marido era ainda diretor desportivo do Barcelona e a médio jogava nos catalães.

Agora, o Le Monde avança que Eric Abidal, bem como a sua mulher, deverão ser ouvidos pelas autoridades em breve, estando nesta altura como figuras principais do enredo que culminou com a agressão à jogadora do PSG, que falhou o confronto na Liga dos Campeões com o Real Madrid (vitória por 4-0) e também não marcou presença na recente deslocação a Lyon (derrota por 6-1). A essas suspeitas juntam-se ainda os dois depoimentos coincidentes entre Hamraoui e Diallo a propósito dos agressores encapuzados que intercetaram o carro, com um a deixar a pergunta “Então, o que se passa? Não estás habituada a homens casados?”.

Esta tarde, e pela primeira vez, Kheira Hamraoui tomou uma posição pública através de um comunicado que foi difundido pelo seu advogado, Saïd Harir (onde nunca é referido o nome de Abidal). “Peço com urgência que a minha vida privada seja respeitada assim como o direito ao silêncio que tenho neste momento que é tão difícil. Espero com serenidade os desenvolvimentos da investigação para saber quem são os culpados o quanto antes e mantenho a firme intenção de voltar a representar com orgulho as cores do PSG. Os golpes que sofri foram de uma violência inusitada, sobretudo nos membros inferiores, o que deixa implícito que existia o desejo de acabar com a minha carreira profissional”, salientou a jogadora.