O deputado e coordenador do PCP na comissão de orçamento e finanças, Duarte Alves, foi um dos protagonistas da negociação orçamental com o executivo de António Costa. Em vésperas de dissolução do Parlamento, no programa “Sofá do Parlamento”, diz que “os sinais do PS têm sido contraditórios a uma aproximação” e alerta que o que está em jogo nas eleições de 30 de janeiro é “uma maioria do PS ou um quadro político com o reforço da CDU” e da esquerda. Com uma reunião do Infarmed à porta e a possibilidade de novas regras, o PCP alerta também para a “razoabilidade” das restrições que vão ser impostas.

[Ouça aqui o “Sofá do Parlamento” e a entrevista ao deputado Duarte Alves]

Duarte Alves: “Sinais do PS são contraditórios à aproximação”

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O PCP apresentou esta quinta-feira um projeto para a proteção dos inquilinos. A iniciativa foi rejeitada. Até ao final da legislatura que outros dossiers é que o partido gostava de ver concluídos no Parlamento?
Não há razão para que não se dê respostas aos problemas do país. Há um governo em funções, uma Assembleia da República em funções e um Orçamento de 2021 para executar e ainda falta executar muito. Não há razão para não encontrar soluções que o Governo e o PS rejeitaram no orçamento, como o caso da valorização salarial ou o SNS. Na questão da habitação, queríamos prolongar o regime criado durante o período mais grave da Covid-19, bem como a não aplicação do regime criado pela “lei Cristas” que desprotege os inquilinos mais antigos. Temos ainda vários projetos na especialidade que queremos concluir: o projeto de combate à precariedade, que procura revogar os contratos de curta duração

É um bocadinho a extensão do que foi sendo discutido durante a negociação do orçamento.
São questões que têm sido levantadas desde há muito pelo PCP até antes do Orçamento, como esta da precariedade. Há razões que justificam terminar estes processos. A questão do trabalho suplementar ou ainda a reforma das pessoas com deficiência e as creches gratuitas. Entendemos que há condições para que estes processos possam chegar ao fim e que estas respostas possam ser dadas.

É importante o PS dar alguns sinais nestes últimos dias de Parlamento de que está disponível para continuar a discussão à esquerda?
Os sinais que temos tido ao longo dos últimos meses por parte do PS vão no sentido contraditório ao de qualquer aproximação em matérias tão importantes como os salários, os direitos dos trabalhadores, a defesa do SNS, a questão da habitação. Os sinais têm sido completamente ao contrário e o que percebemos na discussão do orçamento é que, a determinado ponto, a vontade do PS era que não houvesse orçamento para que se marcassem eleições. Eventualmente, esta posição foi embalada pelas declarações do Presidente da República, mas percebemos que existiu esta intenção por parte do PS para tentar a maioria absoluta. O PCP está disponível para encontrar soluções, se o PS mostrar essa vontade é positivo, se não mostrar é negativo

A questão do aumento do salário mínimo é positiva? Apesar de longe do que o PCP pede é um sinal do PS de que quer continuar a caminhar à esquerda?
Demonstra que muita da demagogia que foi feita sobre a não aprovação do orçamento, de que o país quase deixava de funcionar, é uma dramatização que não se justificava. Matérias como o Salário Mínimo Nacional não estão dependentes diretamente do orçamento. Ao longo da discussão com o executivo, o que colocámos na mesa é a necessidade de dar um passo maior na valorização do salário mínimo e dos salários intermédios, com a questão da legislação laboral, mas o governo não saiu da posição que tem desde março. Da parte do PCP existiram passos de aproximação: que sejam 800 euros em 2022 ou 755 no inicio do ano e 800 no final do ano. Da parte do governo não existiu um milímetro de aproximação

Ana Catarina Mendes disse no “Sofá do Parlamento” há umas semanas que a continuidade das conversas à esquerda não eram um problema de protagonistas. Para o PCP essas conversações também não têm esse obstáculo? Não é uma questão de António Costa ou João Leão?
Absolutamente. Para o PCP não há qualquer tipo de questão com este ou aquele dirigente. O que nos importa é a resposta aos problemas do país. O SNS e a delapidação que os privados estão a fazer do serviço público. Estas são as respostas que têm que ser dadas independentemente das pessoas que estejam à frente do governo ou do PS.

Como é que olha para o futuro quadro parlamentar? Acredita que a correlação de forças vai ficar semelhante ou vão existir mudanças?
Essa é a questão que está nas mãos dos portugueses. Vemos uma direita entretida consigo própria, sem soluções para o país a não ser a reposição da política da troika. O que está em cima da mesa nestas eleições é o quadro que vai sair: se vamos ter o objetivo do PS de uma maioria absoluta para continuar a rejeitar aquilo que agora recusou ou se com o reforço das forças à esquerda, em particular da CDU, que o PS tenha que encontrar o espaço de convergência para a estabilidade na vida concreta das pessoas, dos trabalhadores e dos pensionistas. Isto é o que está em cima da mesa nas eleições de 30 janeiro: a maioria do PS ou outro quadro político com o reforço da CDU

A questão do salário mínimo e as alterações à lei laboral vão continuar a ser pedras de toque de que o PCP não abre mão em conversações futuras?
As três derradeiras matérias relativas ao orçamento: a lei laboral, os salários — não só o mínimo mas o salário médio que se faz com a mudança da lei –, e o SNS são questões fundamentais, bem como a habitação, as creches e as pensões são questões determinantes. No dia 30 de janeiro o que está em cima da mesa é a força que se dá às forças que defenderam estas matérias

Quanto à Operação Míriade, para o PCP é importante o Ministro da Defesa clarificar no Parlamento a não comunicação ao primeiro-ministro e ao Presidente da República?
O que podemos identificar claramente é que existiu da parte de vários responsáveis políticos a ideia de uma desvalorização do que se passou. Diria até que, esta situação, pode ser mais grave do que o caso de Tancos. A linha de desvalorização do que aconteceu não pode continuar. O caso tem um impacto, é grave e deve ser encarado dessa forma pelos responsáveis políticos e não com leviandade

Entrevista ao deputado do PCP Duarte Alves, na Assembleia da República. Lisboa, 18 de novembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“É importante percebermos que medidas são necessárias e a razoabilidade das medidas assumidas”

As questões sanitárias relacionadas com a Covid-19 estão a ressurgir. Há reunião no Infarmed esta semana. A situação de dissolução da Assembleia pode colocar em causa a fiscalização destas medidas sanitárias?
Primeiro é preciso ouvir os especialistas e com base na informação cientifica, chegar às medidas mais proporcionais possíveis. Não estamos no quadro de outros estados de emergência. Uma grande parte da população portuguesa está vacinada e por isso existe uma grande diferença face a situações anteriores e por isso temos que ver que medidas são essas de que se tem falado, muitas vezes, até com algum alarmismo. É importante percebermos que medidas são necessárias e a razoabilidade das medidas assumidas

E o país está mais bem preparado para responder a eventuais medidas? Deram-se passos por exemplo na regulação do teletrabalho.
Em relação a essa matérias em especifico, o PCP considera que a lei aprovada não protege os trabalhadores. Não assume a necessidade das despesas sejam asseguradas pelo empregador, não está explicita a atribuição de subsidio de refeição e até o direito a desligar já existe: chama-se horário de trabalho. O horário é que define a hora a partir da qual o trabalhador não está a trabalhar e tem direito ao desligamento e isso é que tem que ser respeitado. Esta lei, apesar de aspetos positivos, no essencial até abre o caminho a que os trabalhadores percam o posto de trabalho na empresa e que se considere a casa do trabalhador como um posto de trabalho. Não foi uma lei positiva para a defesa dos trabalhadores, mas noutras dimensões estamos hoje noutras condições até para evitar o recurso a soluções anteriores devido ao quadro de vacinação geral

Estamos no final desta legislatura. Espera continuar na Assembleia da República depois das eleições de 30 de janeiro?
Essa é uma questão em aberto. Não está definida nem em termos pessoais nem na composição das listas. Além disso, faltam as eleições

Mas pode achar que continua a ter um contributo a dar.
Continuarei a dar os meus contributos ao PCP, neste partido com mais de 100 anos e que tem feito um trabalho insubstituível. Darei esse contributo no Parlamento ou fora dele, é um aspeto que não está ainda fechado.

Uma sondagem da Intercampus para o Negócios e Correio da Manhã diz que mais de metade dos portugueses consideram o PCP e o Bloco de Esquerda culpados pelo fim do governo. O PCP assume essa quota-parte de responsabilidade?
Talvez o problema dessas sondagens seja o momento em que foram feitas, logo a seguir ao chumbo do orçamento, em que existia alguma confusão. Com o assentar da poeira cada vez mais pessoas começam a perceber o que realmente aconteceu. A intervenção do primeiro-ministro no encerramento do debate sobre o orçamento e a entrevista que deu depois ao Expresso, bem como a intervenção de vários dirigentes do PS, mostra claramente que foi o PS a não querer um orçamento. Se agora perguntasse a muitos destes portugueses esta questão da responsabilidade, talvez muitos agora já percebessem que foi o PS que quis ir para eleições para tentar a velha ambição da maioria absoluta, que seria negativa para os portugueses.