Os números que estão a ser recolhidos em Portugal para monitorizar a proteção conferida pelas vacinas contra a Covid-19 sugerem que o plano para a administração da terceira dose pode não seguir o mesmo caminho que o adotado para distribuir o esquema vacinal inicial. A seguir à vacinação dos mais idosos e dos profissionais de saúde, que as autoridades de saúde portuguesas pretendem terminar antes do Natal, pode ser necessário saltar para a faixa etária os jovens adultos do sexo masculino, que têm sido o motor da infeção por SARS-CoV-2. E o motivo poderá ser a menor eficácia da vacina contra a Covid-19 da Janssen, que foi administrada sobretudo entre estes indivíduos.

Quando a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 avisou a Direção-Geral da Saúde (DGS), e esta o Governo, da necessidade de iniciar uma segunda ronda de inoculações, no fim de setembro, o primeiro passo parecia evidente: os mais idosos e as pessoas com o sistema imunológico enfraquecido tinham de ser a prioridade — as primeiras porque já estavam a perder (e mais depressa) a proteção conferida pelo esquema vacinal original, as segundas porque esse esquema parecia não ter sido sequer suficiente para estimular o sistema imunitário. E o segundo passo também parecia natural: os profissionais de saúde tinham de vir a seguir, porque foram os primeiros a serem chamados no fim de 2020; e porque, à conta do contacto regular com o público, são potenciais “superspreaders” — indivíduos que, uma vez infetados, podem contagiar um grande número de pessoas.

Mas o que vai acontecer depois pode não ser tão linear como no plano de vacinação colocado em prática no início deste ano, em que se convocou a população sobretudo em função da idade. O epidemiologista Manuel Carmo Gomes e o engenheiro Carlos Antunes, ambos da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, acreditam que a bússola das autoridades de saúde deve ser uma análise mais fina aos dados que já serviram de gatilho para a campanha da terceira dose. E, a julgar pelos cálculos do segundo, o próximo passo deve estar entre os mais jovens, onde a incidência na faixa etária dos 18 aos 25 anos chegou a ser 87% superior entre os indivíduos do sexo masculino do que nos indivíduos do sexo feminino.

Em entrevista ao Observador, o imunologista Luís Graça, que tal como Carmo Gomes pertence à Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, confirma que há um acompanhamento constante de todos os grupos populacionais e que “tem havido necessidade de fazer ajustes” às possíveis recomendações para uma terceira dose, tanto em Portugal como no estrangeiro: “Tem a ver com as diferentes vacinas, com pessoas com características diferentes, sempre para garantir que se implementam medidas quando se nota que alguma coisa está a mudar”.

Sem se saber, para já, se Portugal vai mesmo avançar para uma recomendação para uma segunda dose em quem recebeu a vacina da Janssen, o cientista do Instituto de Medicina Molecular confirma que essa mesma leitura dos dados tem motivado outros países a aconselhar uma dose adicional (de outra marca) a quem recebeu a vacina da Janssen. Esse passo já aconteceu no Brasil, por exemplo.

Os dados que a DGS partilha com a comunicação social, relativos ao número de casos por idade e por sexo dos indivíduos, transparecem esse mesmo fosso entre homens e mulheres na faixa etária dos 20 aos 29 anos (mas na faixa seguinte também se nota alguma diferença). A incidência de novos casos ao longo de duas semanas por 100 mil habitantes no último mês e meio revelam que ela é constantemente superior no sexo masculino do que no sexo feminino: segundo os dados da última quarta-feira, dia com as mais altas incidências desde 3 de outubro, o valor entre os homens ficou perto dos 310 casos, mas não passou dos 218,5 casos entre as mulheres. No dia anterior, tinha-se registado o maior fosso entre os dois sexos: uma diferença de 95,6 casos, de 294,5 nos homens para 198,8 nas mulheres.

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