Duarte Marques foi apoiante de Paulo Rangel, mas recusa deslealdade para com Rui Rio. Sem ter sido apontado pela distrital de Santarém para integrar as listas para as próximas legislativas, o deputado diz estar “disponível para tudo”, mas de “consciência tranquila” com a decisão que seja tomada sobre o seu nome. No “Sofá do Parlamento”, o deputado do PSD acredita que Rui Rio se “transcende” em campanhas e que é possível apresentar uma alternativa a um país que está “farto de António Costa”.

[Ouça aqui a entrevista a Duarte Marques no Sofá do Parlamento]

Duarte Marques, do PSD: “Existiu algum jogo duplo de algumas pessoas”

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Já se está a falar das listas de deputados. O Observador deu já conta de que o Duarte Marques estará na lista de dispensáveis do PSD, mas algumas concelhias apresentaram o seu nome. Por sua vontade é ou não candidato?
Estou completamente disponível para tudo. Já vou no meu terceiro mandato, fiz o meu trabalho e estou sempre pronto para servir o PSD e as pessoas do meu distrito e da minha região. Neste momento é uma decisão que compete ao presidente do partido, da minha parte estou sempre disponível para ajudar e não se faz só política no Parlamento. Pode-se ajudar o partido e o país fora do Parlamento e o presidente é que tem que saber se posso ou não ser útil. Eu fico descansado com a minha consciência seja qual for a solução

A quota da distrital já não é uma hipótese
Já está ultrapassada, fui mais uma vez excluído, apesar do trabalho que temos feito e essa parte do capitulo está encerrada, mas como já disse não fazemos só política no Parlamento. O presidente do PSD teve uma eleição com uma vitória importante e terá a capacidade para escolher as melhores pessoas para servir o partido. Ficarei bem com qualquer decisão

Já conta mais com uma não continuidade?
Não conto nem deixo de contar. O que tem que se saber é se fiz um bom trabalho ou não e eu sei que, nos vários anos que aqui passei, fiz um trabalho muito empenhado, de construção, de defesa do poder quando estávamos no governo e depois de oposição forte ao PS. Só isso é que tenho que saber se fiz bem ou não e tenho muito orgulho no trabalho feito. A consciência está tranquila. A vida é feita de opções e há muita coisa para fazer neste país que eu gostava também de fazer

Ficou surpreendido com a vitória de Rui Rio nas diretas? E o que é que falhou em Paulo Rangel para não conseguir conquistar o partido?
Os resultados têm sempre razão. Rui Rio fez uma campanha boa, é bom em campanhas. Paulo Rangel fez o melhor que podia, fez uma excelente campanha de discussão de ideias. Não tenho dúvidas de que o partido está muito mais forte do que estava antes das diretas. No próprio dia das eleições eu disse que fosse qual fosse o resultado, o partido estaria sempre melhor. No caso da vitória de Rui Rio, teria mais legitimidade para ir a votos e a eleições. Se ganhasse Rangel o PSD teria uma lufada de ar fresco. O PSD hoje está mais forte, e quer o discurso de Rio de vitória quer o de aceitação de derrota de Rangel, fortaleceram o partido e deram razão aos que defenderam a realização de eleições. Rui Rio tem hoje uma popularidade maior, dentro e fora do partido, do que tinha antes das eleições. Agora quem tem que estar preocupado é António Costa e a esquerda radical

“Não basta ter os dirigentes, é preciso ir além e se calhar foi isso que falhou”

Rui Rio vai ser capaz de unir o partido? Porque no discurso de vitória existiram toques aos lideres distritais. Acha que deviam demitir-se?
Toda a gente que está eleita tem os seus mandatos para cumprir, não sou dos que tenta fazer purgas. Cada um tem a sua circunstância. Há presidentes distritais eleitos há pouco tempo, uns que tiveram bons resultados eleitorais. Cada um tem que fazer o seu juízo sobre aquilo que fez. Essa é uma questão para os militantes decidirem. O partido tem que se unir porque vai ter uma campanha e as distritais são importantes para esse caminho. Rui Rio consegue um fenómeno que é chegar mais fora do partido, consegue mobilizar as bases e se consegue fazer isso consegue mobilizar os cidadãos que votam naturalmente no PSD. Esse é um caminho importante. A primeira lição que eu tiro destas diretas é que aprendemos que o apoio das estruturas do partido não significa o seguidismo das pessoas. Quando isso coincide com a vontade das pessoas está resolvido, mas não basta ter os dirigentes, é preciso ir além e se calhar foi isso que falhou

Em Rangel neste caso
Sim, mas também existiu algum jogo duplo de algumas pessoas que apoiaram os dois candidatos quando deviam ter apoiado só um. Era mais sério. E depois existiam pessoas que apoiaram Paulo Rangel com convicção, tal como apoiaram Rui Rio. Existiram duas maneiras diferentes de ver o PSD e ganhou uma. Agora é pegar nisto e andar para a frente e conseguir ganhar as eleições

Acredita que Rui Rio é capaz de vencer António Costa e liderar um bloco maioritário à direita?
Rui Rio tem uma capacidade única de se transcender em campanhas eleitorais, como vimos agora. Já nas últimas legislativas tinha recuperado bastante. Eu não tenho dúvida de que as pessoas estão fartas de António Costa, como estavam fartas em Lisboa de Medina e o PSD conseguiu ganhar. Se o líder do PSD conseguir unir, se os que estiveram contra derem o seu contributo e se tivermos as mensagens certas e formos humildes e sinceros, podemos ganhar. Temos que apresentar uma alternativa, de que tudo não depende do Estado, de que é preciso privilegiar a iniciativa privada, deixar tanto a propaganda e começar a resolver os problemas do país e fazer reformas estruturais. Aí os portugueses podem dar hipótese ao PSD de liderar uma coligação de centro direita que possa ser uma alternativa. O PS já cometeu demasiados erros. O PSD tem que ir para o Governo, Portugal precisa disso.

“Quem é líder do PSD, é como o Mário Wilson dizia sobre o Benfica, arrisca-se a ser campeão”

Onde é que o PSD deve ir buscar votos nestas eleições? Deve ir coligado com o CDS?
Quem é líder do PSD, é como o Mário Wilson dizia sobre o Benfica, arrisca-se a ser campeão. Qualquer presidente do PSD tem que estar preparado para ser Primeiro-Ministro e arrisca-se a ganhar. O somatório de apoios é normal que se reveja mais à direita mas o eleitorado do PSD é muito disperso. O meu professor Adelino Maltez dizia que o PSD é muito parecido com o Benfica porque consegue ir buscar gente de todos os estratos sociais: junta pessoas do centro-esquerda à direita. Ele até utilizava uma expressão que era: os cães puro-sangue e os cães rafeiros. Os partidos grandes são cães mais rafeiros: adaptam-se a mais circunstâncias e também são mais forte para resistir às ameaças. Os partidos mais puro sangue, tal como os cães, são mais frágeis. O PS e o PSD são os partidos rafeiros em Portugal. O PSD pode fazer isso [de ir buscar votos à esquerda], mas não podemos esquecer também a direita moderada em Portugal. As eleições vão ser muito bipolarizadas. António Costa provocou a queda do governo claramente a pensar nas propostas que o PCP e o Bloco de Esquerda chumbaram para ir lá buscar votos. Costa vai fazer campanha muito à esquerda e tentar manter o eleitorado de centro. Rio tem que ir buscar aos indecisos, à direita e creio que não há condições materiais, nem tempo, para coligações pré-eleitorais.

Mas teme esse desaparecimento do CDS?
Claro que temo, mas acho que não vai acontecer. Acho que o CDS, com esta ou outra liderança, vai manter-se. Tem um passado demasiado importante, é um partido muito sólido, com muita gente que acredita na doutrina democrata-cristã. Isto é uma fase temporária e que não é de agora, já vinha do tempo de Assunção Cristas, mas creio que pode voltar a crescer. O Iniciativa Liberal vai manter-se sempre, mas o Chega assim que crescer demasiado também vai cair

Nas ultimas semanas do Parlamento a eutanásia foi uma das polémicas. Votou a favor da despenalização, aí até ao lado de Rui Rio. O veto de Marcelo Rebelo de Sousa foi uma tentativa de adiar esta lei ou as dúvidas fazem sentido?
Respeito muito o Presidente da República. Quando votamos este tipo de leis há um sinal político que damos. Eu quando fui presidente da JSD disse que havia dois temas que não me importava de pegar, dos considerados fraturantes e este era um deles. Acabei por não pegar porque para mim fraturante era o desemprego jovem, mas sempre disse que a eutanásia era um assunto que fazia mexer. O Presidente da República encontrou um argumento importante na letra da lei, acho até que é um bocadinho humilhante para o Parlamento aquilo que ele pegou. Acredito que a próxima legislatura pode corrigir isso se tiver maioria para a aprovar, mas acho que esta é uma lei que faz falta a Portugal.

Também um dos dossiers finais foi a regulamentação do lobbying, que acabou por cair. Nesse dia falou no rolo compressor do bloco central. Que bloco central é esse? Não é o seu?
Não é o meu. Há dois tipos de pessoas contra a regulamentação: há os que têm medo da regulamentação do lobbying. Há os que são contra a transparência, que preferem omitir que existe e preferem continuar a fazê-lo na sombra e é esse bloco de interesses que impediu o PS de votar a favor. Porque o PSD foi sempre contra. Depois há pessoas como o Rui Rio ou até Pedro Passos Coelho, que acreditam que as pessoas ainda não estão preparadas para esse tipo de regulação. É uma defesa legítima, eu já tive esta discussão com vários presidentes do PSD. Rui Rio apontou, por exemplo, que a lei era tão minuciosa que um presidente de câmara que saísse de casa para ir até à autarquia, se encontrasse 20 pessoas tinha que registar isso tudo. Claro que isso não fazia sentido e a versão atual já expurgava isso. Eu diria que a regulamentação do lobby é a cara de Rui Rio, que é o presidente que mais luta pela transparência, contra os negócios escuros e mais cedo ou mais tarde vai votar esta matéria, que é tudo o que defende na política. Ainda há algum preconceito contra a palavra e alguns exageros de partidos e aí dá ideia de que o PS teve medo da transparência.

Mas essa critica pode ainda ser feita ao PS? Quando aprovaram o enriquecimento injustificado ou a estratégia anti-corrupção
Porque a maior parte das coisas eram conversa fiada. Agora finalmente começámos a aprovar coisas mais concretas. Penso que o PS mais uma vez tem as narrativas e depois tem as reformas. A maior parte das coisas do combate à corrupção são narrativas. São como os programas do interior ou para a habitação e depois aquilo não funciona. Há uma incompetência contínua. O Estado está cada vez mais dependente do PS e é normal que não queiram aprovar uma regulamentação destas. Quando falo de bloco central é de interesses, que não quer que esta lei seja aprovada. O PS tinha a vontade de a aprovar mas alguém começou a fazer barulho e tiveram que voltar atrás

Geringonça? “Foi um período de adiamento do país”

Acompanhou, digamos assim, a ascensão e queda da geringonça. Como é que olha para este período?
Foi um período de adiamento do país, em que se agravaram problemas que já existiam e em que se retrocedeu em matérias já desenvolvidas. O período de reajustamento, apesar de todas as dificuldades, deu uma luz ao fundo do túnel. O país começou a crescer em 2014 com reformas importantes que foram feitas. O PS e a geringonça acharam bem demonstrar que o caminho feito era desnecessário e depois começar a distribuir riqueza como se fosse riqueza acumulada. O país recuou. Hoje está pior do que no final da troika — no investimento público, que foi menor na maior parte destes anos do que no período da troika –, fizeram-se retrocessos na área laboral e no investimento privado. Portugal podia ter crescido muito mais se tivesse mantido o rumo. O governo e a geringonça optaram por desmontar o que foi feito, menorizar o esforço dos portugueses e desperdiçar o apoio do Banco Central Europeu. Não é por acaso que quando veio o diabo, infelizmente da pandemia, Portugal não estava tão resiliente porque não fez o trabalho que devia. Não é por acaso que Portugal é o país da Europa que menos capacidade tinha para apoiar as as empresas durante a pandemia e continua a ver crescer a divida publica por não aproveitar esse apoio do BCE. Os portugueses estão a pagar essa fatura da inversão da estratégia. Foi um período de alguma alegria inicial — com a distribuição de riqueza –, acelerou-se a reposição de rendimentos, mas infelizmente isso não foi feito de forma a que pudesse ser continuo e agora secalhar estamos a voltar a um congelamento de anos por não ter sido feita essa preparação. Infelizmente esta é a história do PS.

Não peguei em duas ou três coisas que disse porque guardei para este momento final da Defesa da Honra, que é a questão da lealdade. Na última legislatura foi deputado porque a direção nacional se atravessou pelo seu nome. Não pode ser acusado de deslealdade por ter estado ao lado de Paulo Rangel e ter sido até um dos apoiantes mais vocais do eurodeputado?
Da outra vez o que aconteceu é que várias concelhias apontaram o meu nome e o presidente da distrital nem sequer o pôs a suplente, foi por isso que a direção se revoltou e se empenhou e acho que o meu trabalho durante esse mandato foi inquestionável. Quando Rui Rio fala de lealdade, eu percebo. Lealdade não é não discordar, é discordar nos sítios certos. Eu tenho uma história com Rui Rio, nos últimos anos, de muito confronto. Em vários momentos discordei, mas no local certo: em emails, nas reuniões do grupo parlamentar, em reuniões dois a dois, naquilo que deviam ser as opções do partido em algumas matérias discordei, mas fi-lo sempre com lealdade. Não andei a dar entrevistas a boicotar o trabalho do presidente do partido. Mas a lealdade maior é aos nossos valores e ao nosso programa e ninguém me pode acusar de não ter defendido o PSD e ter dado a cara ou não ter defendido o meu distrito acima de qualquer outra situação e sobretudo de não ter feito uma oposição firme ao PS. A maior lealdade que posso ter é essa. Quando chegamos a eleições é normal, que existindo projetos diferentes, pensemos de forma diferente e nesse ponto Rui Rio já disse que os que tiveram com convicção com os candidatos não foram desleais

Acha que integra os critérios de Rui Rio?
Esses critérios eu integro bem, resta saber o resto. Eu tenho duas características: sou frontal e isso reflete lealdade e quanto ao trabalhador, vocês que estão aqui todos os dias percebem e sabem o que faço. Aí fico de consciência tranquila, seja qual for a decisão, e não vou ficar incomodado se não ficar no Parlamento. Se ficar, continuarei o que fiz, se não ficar farei outras coisas que tenho por fazer, com projetos que estão na carteira há vários anos por estar aqui e é bom ver que quando as pessoas falam de nós dizem que vai ficar de fora um dos deputados mais empenhados ou com mais iniciativas, agora o resto, vamos ver. Não há insubstituíveis na política. Há muita gente de qualidade no PSD e no distrito de Santarém, que temos que aproveitar. Quero crer que o PSD vai ter as melhores listas e nós vamos conseguir ganhar se percebermos que há uns que têm que ficar de dentro e outros de fora e que o mais importante é que fique um espelho do pensamento do partido. Só o Bloco de Esquerda e o PCP, agora até o Bloco, é que tem um pensamento único. As pessoas são livres de pensar. Eu fico de bem com a minha consciência e não vou ficar amargurado com nada, porque o que importante é o que fazemos e a cara que temos para dar às pessoas lá fora.