Morreu Pedro Gonçalves, músico dos Dead Combo, confirmou o manager da banda ao Público e à Agência Lusa. A notícia foi posteriormente confirmada ao Observador por fonte da editora dos Dead Combo, a Sony Music.
Contrabaixista mas não só — tocava também outros instrumentos como piano e guitarra —, Pedro Gonçalves tinha 51 anos e não resistiu a um cancro, contra o qual lutava há vários anos.
Há um mês, os últimos concertos de despedida da banda portuguesa tinham sido cancelados “por força da impossibilidade de Pedro Gonçalves poder participar”, na sequência do agravamento da sua situação de saúde, informava a banda.
O músico e compositor fundou os Dead Combo no início dos anos 2000 com o guitarrista Tó Trips. Em conjunto, marcaram as últimas duas décadas de música portuguesa, tendo editado discos como Lusitânia Playboys (2008), Lisboa Mulata (2011), A Bunch of Meninos (2014) e Odeon Hotel (2018).
Com Tó Trips como parceiro musical — um, Gonçalves, assumia a personagem de “gangster” em palco e o outro, Trips, a de “cangalheiro” —, o contrabaixista conseguiu o que antes dos Dead Combo parecia inimaginável: que um projeto de música portuguesa predominantemente instrumental (sem voz ou canto) conseguisse tornar-se suficientemente popular para chegar a algumas das principais salas de espectáculo e festivais de música do país.
Ainda na penúltima edição do festival Vodafone Paredes de Coura (em 2018), por exemplo, os Dead Combo atuaram no palco principal e em horário nobre acompanhados por Mark Lanegan (norte-americano, antigo membro do grupo de grunge Screaming Trees e da banda Queens of The Stone Age), tendo tocado depois do grupo Big Thief e antes da banda Arcade Fire. O concerto acabou por ser gravado e por ficar mesmo disponível nas plataformas de streaming. Uns meses depois, em fevereiro de 2019, a banda atuava no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. Oito meses mais tarde era anunciado o fim dos Dead Combo.
[Pedro Gonçalves, dos Dead Combo a Sérgio Godinho: um perfil do músico para ouvir aqui:]
Henrique Amaro: “Pessoa discreta e de palavra cuidada, muito feliz com ser músico”
Em 2018, em entrevista ao Observador na sequência da edição do último álbum de estúdio da banda, Pedro Gonçalves recordava como os Dead Combo começaram: “Fomos os dois ver um concerto do Howe Gelb [em Lisboa], mas separados — eu fui sozinho e o Tó [Trips] também. Ele no fim veio-me pedir boleia porque sabia que eu vivia ali no Bairro Alto e ele queria ir para lá. E eu disse-lhe: epá, boleia dou-te mas é a pé que não tenho carro nem carta. Quando vínhamos a pé, a andar, ele disse-me: ‘Convidaram-me [o radialista Henrique Amaro] para gravar uma música de homenagem ao [Carlos] Paredes, não queres meter lá um contrabaixo?’ Eu disse que sim, que era fixe. E a partir daí…”.
Este sábado, em reação à morte do músico, o autor do convite a Tó Trips para gravar uma versão de Carlos Paredes — desafio que viria a dar origem à banda — recordou essa história ao Observador: “O Tó e o Pedro saem de um concerto num local que já não existe em Lisboa, um bocadinho antes de Santa Apolónia, e vão os dois até ao Bairro Alto a pé. Calhou esse encontro acidental”, apontou Henrique Amaro. “É nesse encontro, nas ruas de Lisboa junto ao rio, que o Tó Trips convida o Pedro Gonçalves a trabalhar com ele esse tema para essa coletânea do Carlos Paredes. E convida-o também depois para começar a integrar essa grande aventura musical que os dois nos ofereceram nos últimos anos, que são os Dead Combo”.
Descrevendo Tó Trips como “o arquiteto” dos Dead Combo e Pedro Gonçalves como “o engenheiro” da banda, o radialista notava: “Há um lado de organização, uma componente vital que o Pedro tinha para lá de ser uma excelente instrumentista”. Esta notícia, lamentava Amaro, “é de facto muito triste”.
[As declarações de Henrique Amaro à Rádio Observador, para ouvir aqui:]
Notando que Pedro Gonçalves foi até aos Dead Combo “aquele músico que está sempre ao serviço de outros, muito discreto: foi assim numa série de bandas, quando tocou com o Sérgio Godinho, nas suas experiências de jazz, quando tocou com os Xutos & Pontapés — só nos Dead Combo é que ganha uma dimensão pública de acordo com a dimensão artística que oferecia àquilo em que se colocava”, Henrique Amaro acrescentava:
O Pedro era uma pessoa muito discreta, com humor refinado mas sempre muito discreto nos contactos. Não era aquela pessoa ultra comunicativa, que era o centro das atenções. É engraçado notar a relação que existe entre o Pedro persona e o Pedro músico: acho que os dois coincidem. Era uma pessoa de palavra certeira mas económica. Não era um tipo falador, efusivo. Era uma pessoa com a palavra cuidada”, aponta ainda Henrique Amaro.
Recordando-o como alguém “também com muita instrução” musical, que “ouvia um bocadinho de tudo” e que “tanto vibrava com o Tom Waits como vibrava com o piano do Keith Jarrett”, Henrique Amaro lembra ainda Pedro Gonçalves como “uma pessoa muito fascinada com a vida musical que teve. Era uma pessoa feliz com ser músico“. Isso, “num país tão precário como o nosso”, não é de somenos, notava ainda o radialista.
A última vez que Henrique Amaro encontrou Pedro Gonçalves foi numa gravação de um programa que Amaro desenvolveu e produziu para a RTP, o “Eléctrico”, que será “possivelmente uma das últimas aparições do Pedro na televisão a tocar a música dos Dead Combo ao vivo”. As gravações decorreram no Cineteatro Capitólio, em Lisboa.
Jorge Palma reage a “momento triste”: “Podíamos ter dado mais uns toques”
O compositor, músico e cantor português Jorge Palma já reagiu à morte de Pedro Gonçalves, com quem chegou a tocar ao vivo.
Na rede social Facebook, Jorge Palma publicou uma fotografia com Pedro Gonçalves e Tó Trips acompanhada pela seguinte legenda: “Pedro Gonçalves, finalmente em paz, momento triste para quem gosta muito de ti, podíamos ter dado mais uns toques”.
Também o cantor e compositor português Tim, vocalista dos Xutos & Pontapés, reagiu à morte de Pedro Gonçalves. Partilhando um vídeo de uma atuação ao vivo da banda — que teve a participação do contrabaixista —, Tim escreveu: “Abraços. O Pedro Gonçalves com os Xutos na nossa 2°aventura acústica. O Pedro gravou comigo o ‘um e o outro’ e tocou nessa tournée. Abraços”.
Sérgio Godinho: “O Pedro era bom, generoso e um excelente músico, ousado e original”
Também Sérgio Godinho, com quem Pedro Gonçalves chegou a tocar, reagiu à morte do músico através de uma mensagem publicada na sua conta oficial no Facebook. Começando por escrever que “parece estranho e ao mesmo tempo terrível, falar do Pedro no passado”, Godinho acrescenta:
O Pedro era bom e generoso, o Pedro era um excelente músico, ousado e original, o Pedro levou a vida, mesmo na doença, com uma espécie de semi-sorriso, aberto ao presente e ao futuro possível.”
Recordando ainda o tempo “em que ele tocou comigo e com a banda”, Godinho escreve que as recordações comuns dos dois eram “terra fértil para as plantas perenes da amizade”. E nota: “Perene é agora uma palavra quase cruel, face a tudo o que ele nos deu a todos. Fará falta a muita gente, e outros sabê-lo-ão melhor. Até um dia, Pedro — é tudo o que podemos dizer”.
Kalú (Xutos & Pontapés): “Estou tristíssimos. Somos amigos há 25 anos”
“É uma perda muito grande, estou tristíssimo”, diz Kalú, baterista dos Xutos & Pontapés. Em declarações à Rádio Observador, Kalú recordou Pedro Gonçalves: “Somos amigos há 25 anos. Fomos sempre muito amigos. Recordo-me dele como um grande músico, sempre o foi. Andámos juntos muito tempo, quer com o Sérgio Godinho quer com os Xutos — ele tocou connosco num período”.
Todo o talento dele veio depois ao de cima quando fizeram [Pedro Gonçalves e Tó Trips] os Dead Combo, que não deixam dúvidas sobre quem ele era. Além disso tudo, era uma pessoa super simpática. Gostava muito dele. Sou suspeito porque éramos muito bons amigos”, acrescentou Kalú.
[As declarações de Kalú à Rádio Observador, para ouvir aqui:]
Ministra da Cultura elogia “atitude generosa” e “ousadia e originalidade” do músico
Também a ministra da Cultura, já este domingo, lamentou “profundamente” a morte do músico português, que recorda como “uma personalidade polifacetada e versátil”, que “primava por uma atitude generosa” e que vivia a música com “intensidade discreta”.
“Pedro Gonçalves era uma personalidade polifacetada e versátil. Primava por uma atitude generosa, vivenciando a música com uma intensidade discreta. Amigos e cúmplices de andanças musicais recordam-no como alguém marcadamente criativo e eclético, buscando, à sua maneira, a ousadia e a originalidade estéticas”, refere Graça Fonseca numa nota de pesar envida às redações.
Na nota divulgada este domingo, a ministra da Cultura recorda que o músico “foi técnico de som, produtor e contrabaixista, além de tocar também piano e guitarra”, sendo “um instrumentista inspirado e aberto à influência e a novas aventuras”.
Em 2018, Pedro Gonçalves dizia: “Temos uma sorte do caraças”
Em 2018, o músico lembrou alguns dos momentos altos tidos com a banda ao Observador: “Houve coisas marcantes como a do Anthony Bourdain [os Dead Combo conversaram com o famoso chef americano no episódio que este gravou em Lisboa, para o programa “No Reservations”], que foi muito importante. Houve uma série de coisas que foram bocados de sorte que tivemos ao longo destes anos todos e que nos permitiram também chegar a mais pessoas e sermos mais reconhecidos”.
Na altura, Pedro Gonçalves considerava-se um felizardo: “Acho que temos uma sorte do caraças. Para já, somos dois tipos que gostamos à brava de ouvir música e depois não estamos fechados na nossa conchinha”.
Além de instrumentista e compositor, Pedro Gonçalves era também produtor musical, tendo por exemplo produzido os últimos discos de Aldina Duarte. Em 2019, em entrevista ao Observador, a fadista referia: “Encontrei, há três discos atrás, o produtor musical com quem quero ficar até ser velhinha, como costumo dizer. É o Pedro Gonçalves. O Pedro ia fazer a produção musical deste disco [Roubados], mas teve um problema de saúde e coincidiu a intervenção cirúrgica com as datas do estúdio”.
Com Mário Costa e Agência Lusa