A pandemia cavou uma recessão profunda em Portugal, ainda que as medidas de apoio tenham ajudado a amortecer o choque. Segundo a OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico), que divulga esta sexta-feira o relatório de análise económica sobre Portugal, também as “medidas de manutenção do emprego limitaram as perdas de postos de trabalho”. Mas há que preparar a recuperação, tendo também em conta que as perspetivas económicas dependam da evolução pandémica, beneficiando, ainda assim, Portugal, pelo facto de ter a taxa de vacinação mais alta da OCDE.
Ainda assim, “a recuperação está rodeada de muitas incertezas”, nomeadamente pela que diz ser a “persistente fraqueza da atividade económica”, devido “às ruturas no abastecimento e às restrições para conter a pandemia poderão desencadear novas perdas de postos de trabalho e insolvências de empresas financeiramente vulneráveis”. Daí que a OCDE realce que “as políticas orçamental e monetária têm de continuar a apoiar a economia até a recuperação estar firmemente em curso”. Assim que esta estiver encaminhada, a OCDE recomenda o levantamento progressivo das medidas de apoio e direcionar a estratégia para a consolidação orçamental a médio prazo de forma “clara e credível”.
E avança com um conjunto de recomendações para a recuperação económica e para atenuar os efeitos. “Para garantir uma recuperação inclusiva, será necessário reforçar as políticas públicas na área da saúde e do mercado de trabalho”, diz a OCDE.
No campo do emprego, a OCDE recomenda a melhoria da cobertura das prestações de desemprego, facilitando as condições de acesso. Até a pensar no desemprego dos jovens. Segundo a OCDE, “é necessário reforçar a capacidade de inclusão das pessoas afastadas do mercado de trabalho, especialmente os jovens, considerando que a percentagem de candidatos a emprego que recorrem aos serviços de emprego é das mais baixas da OCDE”. O organismo recomenda que Portugal considere estender o subsídio de desemprego a todos os candidatos a emprego registados.
Daí que recomende também que os serviços públicos ligados ao desemprego se adaptem e sejam até reforçados.
Há, ainda, segundo o organismo, que “redobrar esforços para alargar os programas de formação e adaptá-los às necessidades do mercado de trabalho, a fim de facilitar a mobilidade profissional e melhorar a empregabilidade dos trabalhadores dispensados”.
Neste campo, a OCDE ainda atenção especial para o setor da saúde. “Melhorar as condições de trabalho dos profissionais de saúde, nomeadamente para facilitar o recrutamento” é a recomendação da OCDE, lembrando que, por exemplo, o rácio de enfermeiros e prestadores de cuidados continuados por habitante continua a ser baixo em comparação com a média da OCDE.
Há muitas recomendações da OCDE que volta a falar no reforço da ligação entre o adiamento da idade de reforma e o aumento da esperança média de vida, “a fim de continuar a garantir a sustentabilidade financeira a longo prazo do sistema de pensões” e, por outro lado, no alargamento dessa ligação à idade mínima para a reforma antecipada. Ainda esta semana a OCDE, no estudo sobre pensões, atacou as penalizações nas reformas antecipadas.
OCDE: Crise pandémica vai penalizar pensões de quem entra agora no mercado de trabalho
No capítulo dos apoios sociais, a OCDE realça que o rendimento social de inserção “é baixo e sujeito a extensos testes de rendimento”, recomendando que os limites de rendimentos aumentem para “melhorar a proteção contra os riscos de pobreza”. Este rendimento calcula a OCDE cobre 20% das famílias pobres, abaixo da média dos países da organização, devido aos direitos menores e à complexidade de procedimentos. Há, pois, segundo a OCDE, que simplificar os processos de acesso. Mas a OCDE chama também a atenção para o facto de existirem outros apoios sociais condicionados pelos rendimentos. Daí que para a OCDE, a “redução da fragmentação do sistema de apoios e a racionalização dos apoios existentes possam melhorar a eficiência da assistência social”.
Os apoios a pensar nas empresas
Considerando que o risco de insolvência das empresas permanece elevado, a OCDE recomenda o reforço dos apoios diretos às sociedades “de forma atempada, direcionada e temporária”, com injeções de quase-capital, empréstimos garantidos pelo Estado ou subsídios a fundo perdido.
Ainda assim há que encorajar o recurso à via extrajudicial para os processos de insolvência, uma recomendação que não é nova. Portugal tem, aliás, promovido alterações legislativas para facilitar estes procedimento. A OCDE reconhece que “a reforma recente aumentou a eficácia do regime das insolvências e deverá facilitar a reestruturação das empresas”, mas “o recurso aos processos extrajudiciais continua a ser limitado, pelo que, atendendo ao elevado número de processos pendentes, existe o risco de congestionamento dos tribunais no futuro” .
Outra preocupação da OCDE é que o maior número de insolvências das empresas leve a subidas no malparado, condicionando a atribuição de crédito. A OCDE volta a falar da possibilidade de se criar “uma empresa nacional de gestão de ativos”.
Quanto aos impostos, a OCDE realça que reduções no IRC e na fiscalidade empresarial para estimular o investimento “deve ser avaliado cuidadosamente e reforçado até se consideradas insuficientes”. Há, por outro lado, espaço para aumentar impostos sobre imóveis e sobre heranças, que são “relativamente” baixos pelos níveis da OCDE. Também deviam ser aumentados os impostos sobre bens poluentes.
Há um ponto realçado pela OCDE no relatório sobre Portugal e que tem a ver com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Este deve ser usado para fomentar a recuperação, mas a OCDE quer uma aplicação eficaz e transparente dos fundos, dando-se prioridade aos projetos que tenham forte impacto económico e social. A OCDE volta a pedir a aceleração da reforma na implementação da política orçamental. Ainda esta sexta-feira o Tribunal de Contas revelou uma auditoria sobre a implementação da lei de enquadramento orçamental.
Críticas às telecomunicações
Nas mudanças estruturais, a OCDE fala da importância de tornar a transformação digital acessível a todos, dotando os portugueses de competências nesta área.
A OCDE alerta, por outro lado, para os preços das telecomunicações em Portugal, dando razão às críticas que a Anacom faz aos operadores. Segundo a OCDE, “os preços da banda larga, mesmo dos serviços básicos, são altos para os padrões internacionais, o que reflete a baixa pressão concorrencial entre os operadores dos serviços”. A OCDE ataca o que diz ser a baixa pressão concorrencial, que resulta também dos esquemas de fidelização que contribuem para que haja pouca mobilidade de consumidores. Há ainda que melhorar a cobertura em zonas onde não existe, o que pode requerer intervenção pública.
Aliás, a OCDE realça que o investimento público foi mais baixo nos últimos anos, realçando a OCDE que persistentes investimentos públicos baixos podem comprometer a recuperação económica. E dá o exemplo de como quatro reformas estruturais poderiam incrementar o PIB em 4,8% em 15 anos (que seria de 0,7% em 5 anos e de 2,4% em 10 anos). É um exercício ilustrativo, diz a OCDE, falando nessas quatro reformas do aumento da qualificação da população adulta, do aumento da despesa nas políticas no mercado laboral, do reforço dos apoios a investigação e desenvolvimento para as PME e na melhoria da eficiência judicial e do cumprimento dos contratos.
Estas reformas trariam, por outro lado, uma despesa fiscal diminuta.
Em relação ao relatório, o Ministério das Finanças realçou, em comunicado, que há medidas sugeridas pela OCDE que estão a ser implementadas, salientando que “a OCDE reconhece que as diversas medidas de apoio à economia, lançadas pelo Governo, contribuíram materialmente para uma rápida e acentuada recuperação económica, após a maior recessão de que há registo estatístico”.