João Rendeiro foi detido esta manhã pela polícia sul-africana no hotel de luxo numa cidade da costa de Durban, a pedido das autoridades policiais portuguesas, e deverá ser ouvido por um juiz já esta segunda-feira. Até agora tudo o que foi feito aconteceu ao nível policial — e com encontros ao mais alto nível –, a Justiça portuguesa entra nos próximos dias em jogo.
O processo de extradição deverá processar-se ao abrigo da convenção europeia sobre extradição, de que a África do Sul é parte desde 2003, e, se assim for, serão concedidos 20 dias às autoridades portuguesas judiciárias portuguesas para a formalização deste processo — que ainda assim pode ser prorrogado. Durante este período e no resto do processo ficará sujeito a uma medida de coação que o juiz de instrução considere adequada e que poderá passar pela prisão preventiva ou qualquer outra privativa da sua liberdade — dado ser importante acautelar novas fugas.
Será já nessa segunda fase, com a formalização do pedido de extradição — que pode ter de ser aceite administrativamente num primeiro momento, como acontece em Portugal — que o processo é iniciado nos tribunais sul-africanos e Rendeiro será notificado para se opor à entrega às autoridades nacionais para cumprimento da pena, ou seja, para apresentar defesa, explica ao Observador o advogado Paulo Saragoça da Matta, adiantando que pode não se opor.
Rendeiro está em fuga. Mas levá-lo à Justiça é mesmo uma missão impossível?
Foi, aliás, isso que confirmou esta manhã Vishnu Naidoo, porta-voz da polícia daquele país em declarações à Lusa: “Ele não será extraditado automaticamente, o tribunal deve decidir se é extraditável ou não”.
Rendeiro poderá opor-se à extradição
Mas pode Rendeiro opor-se à sua entrega às autoridades de Lisboa durante o processo de extradição que agora vai ter início? Sim, mas será muito difícil que consiga apresentar argumentos às autoridades sul-africanas que apontem para que o seu processo português não foi justo à luz da lei daquele país africano. Sobretudo, porque num dos processos está em causa uma condenação já transitada em julgado.
Como o exemplo, o advogado explica: “Poderia ser aceite uma oposição se se dissesse ‘não posso ser extraditado para o meu país, porque me vão aplicar uma pena de morte e a Constituição da África do Sul não permite pena de morte'”. Ou seja, só no caso de não se concluir por uma justiça justa em Lisboa é que a Justiça sul-africana poderia aceitar uma possível oposição.
Mas a oposição fica ainda mais dificultada a partir do momento em que existe uma convenção europeia de que faz parte a África do Sul e em que essas questões gerais já foram estudadas. Dado tratar-se de Portugal e África do Sul, sublinha Saragoça da Matta, “tinha de ser uma coisa casuística e não geral”, porque as convenções quando se assinam já têm isso em conta: “Não é o típico caso de ‘não vamos extraditar para os EUA, porque lá há pena de morte’, tinha de ser do género ‘este processo é tudo nulo, porque…'”.
A partir desse momento, cabe à Justiça sul-africana seguir os passos, havendo instâncias de recurso, até à decisão final. Mas segundo Paulo Saragoça da Matta, o processo, mesmo com todos os possíveis constrangimentos, “deverá estar concluído entre seis e oito meses”.
Ainda se chegou a noticiar que Rendeiro poderia ter obtido uma segunda nacionalidade, mas esse dado, que poderia ser mais uma dificuldade para a extradição, não se verifica. O ex-banqueiro havia conseguido já era um visto de residência, alegadamente concedido a troco de algum investimento no país.
Ainda assim, se numa situação limite — e que não se consegue para já vislumbrar — a extradição de Rendeiro não fosse concedida, Portugal teria ainda mais mecanismos em mãos, como a transferência do processo para Durban, com vista ao cumprimento da pena lá.
Como seria se a extradição fosse pedida a Portugal pela África do Sul?
Em Portugal, depois de a extradição ser validada pelo Ministério da Justiça (fase administrativa), a pessoa procurada — que poderia estar já com uma medida de coação — seria levada a um “tribunal da Relação, que se certifica se a pessoa consente a extradição voluntária ou renuncia e pergunta-lhe ainda se é efetivamente a pessoa que se procura”, explicou em outubro Joaquim Pereira, diretor da Unidade de Cooperação Internacional da Polícia Judiciária ao Observador. O juiz não se foca em saber se a pessoa é culpada ou não, mas sim “se o outro Estado dá garantias de um julgamento justo”: “Se o processo formal for concluído e a decisão passar pela extradição é emitido um mandado de desligamento à ordem do gabinete nacional da Interpol.”
Depois disso, existe um prazo de 20 de dias no caso do mandado internacional para acordar a entrega com as autoridades policiais do outro Estado. E deverá algo semelhante que acontecerá no caso Rendeiro.
Joaquim Pereira explicava em abstrato na altura, como hoje é cada vez mais difícil não ser localizado num mundo global e em que as autoridades dispõem de mais mecanismos de cooperação. “Nos últimos dias vi uma frase do Presidente angolano que diz o que lhe disse ainda há pouco: ‘Não é possível esconder-se de todos e durante todo o tempo, a menos que a pessoa acabe por se meter numa prisão também’.” Para o diretor da unidade da PJ responsável pela cooperação internacional, não há dúvidas quanto às dificuldades que alguém terá para encontrar um esconderijo para sempre.
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