Foi o próprio João Rendeiro que, aquando do lançamento do livro “Em Defesa da Honra”, quantificou os ativos que ainda estariam na massa falida do BPP. Dizia ao Jornal Económico, em abril deste ano, que eram 700 milhões de euros, “com tendência para subir, um montante que mais do chegará para pagar essa franja de clientes que ainda não foi paga, para além dos outros credores, que neste momento não se sabe quais são”.

Mas os lesados desconfiam que esse não seja o valor atual. Até porque dizem não haver contas atualizadas pela comissão liquidatária. E assim não conseguem saber quanto lá estará para pagamento aos credores.

O Estado é o credor privilegiado já que tinha no BPP 450 milhões de euros de crédito garantido (o crédito concedida pela banca comercial teve uma garantia pública que foi acionada), tendo já recebido mais de 300 milhões de euros. No Orçamento do Estado para este ano (2021) tinha também inscrita a recuperação de mais 63 milhões de euros.

Jaime Antunes, presidente da Privado Clientes – Associação de Defesa dos Clientes do BPP, diz ao Observador que o Estado vai recuperar tudo. “É preciso ficar claro que os contribuintes gastam zero com o BPP”. Mas há ainda muitos credores individuais e empresariais que estão à espera que a insolvência em tribunal se desenvolva.

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No início foram reconhecidos mais de seis mil credores que reclamavam 1.600 milhões de euros. Mas esse valor já estará reduzido a menos de 600 milhões. É que além do que os credores conseguiram receber do Fundo de Garantia de Depósitos e do Sistema de Indemnização aos Investidores — que pagavam respetivamente 100 mil euros por cada titular das contas e 25 mil euros por titular. Estes dois fundos de proteção a depositante e a investidores, respetivamente, pagaram 104,4 milhões de euros (no primeiro caso)  e cerca de 85 milhões no segundo caso.

Além destes valores acresce o dinheiro que os lesados conseguiram receber pela constituição do Fundo Especial de Investimento, constituído em março de 2010, e que teve a adesão de 98% dos clientes, que representavam 96% do capital investido, um valor de cerca de 773,9 milhões de ativos e 215,4 milhões de passivos. O Fundo recuperou quase todo o dinheiro de quem tinha investido no produto Retorno Garantido e que permitiu, diz Jaime Antunes, “recuperar muito dinheiro”.

Mas desse total conseguidos pelos fundos mais o dinheiro que o Estado recuperou ainda ficam a faltar recuperar cerca de 500 milhões. Mas esta é uma estimativa. Aliás, a Associação Privado Clientes tem lutado junto do tribunal, no âmbito do processo de insolvência, para que haja uma reavaliação de quem são ainda os credores. A Associação tem sido muito crítica da atuação da comissão liquidatária e também gostaria de ver nomeada nova comissão de credores. Em julho o Sapo24 contava que as últimas contas registadas junto do tribunal eram de 2018.

O processo arrasta-se há anos em tribunal. O BPP caiu há 11 anos. Há outros processos em tribunal, nomeadamente alguns contra o Estado, outro contra a Deloitte, outra contra o Banco de Portugal, de muitos anos e sem que tenha havido decisões.

É por isso que Jaime Antunes realça ao Observador que a detenção deste sábado “é importante, é a justiça a funcionar”, mas “infelizmente para os clientes não resolve nada” e até, diz, “pode mascarar tudo o resto”. Aliás, o diretor da Polícia Judiciária, Luís Neves, na conferência de imprensa, fez questão de se dirigir às vítimas do BPP, dizendo querer dar uma “palavra de conforto” de que “fizémos a nossa parte e a justiça é isto mesmo”.

Jaime Antunes concorda que é o trabalho da Polícia Judiciária, mas que há que por a funcionar todo o sistema e, por isso, realça a morosidade dos tribunais. “Relevante é que os tribunais funcionem e que os tribunais tomem decisões”, conclui.

João Rendeiro foi detido na África do Sul, perto de Durban, zona de surf. “Ficou surpreso. Não estava à espera”