Eram 9h30 da manhã em Durban, na zona este da África do Sul, quando João Rendeiro entrou na sala de audiências do tribunal de Verulam. Atrás de si, vários jornalistas — na maioria portugueses — tentavam captar imagens do banqueiro na sua primeira presença em tribunal desde que saiu de Portugal, há três meses, depois de ter sido condenado a uma pena de prisão efetiva. Na chegada ao banco dos réus, Rendeiro tropeçou e rapidamente foi ajudado por um dos seus advogados de defesa a levantar-se.

De seguida, entrou o juiz — enquanto Rendeiro ainda verificava se se tinha magoado no braço durante a queda, segundo o relato da agência Lusa, que esteve dentro da sala. Apresentado ao juiz, respondeu que sim, em inglês, à pergunta “Compreende as acusações?”. O procurador do Ministério Público tinha acabado de expor quais as razões pela qual pedia que João Rendeiro ficasse em prisão preventiva enquanto aguarda a decisão da Justiça sul-africana sobre o pedido de extradição que irá ser apresentado pelas autoridades portuguesas. Rendeiro não falou mais em tribunal e também não respondeu à pergunta “Está arrependido?” que lhe fez um jornalista à saída. Foi levado por dois guardas para fora da sala.

Esta segunda-feira era esperado o anúncio das medidas de coação para Rendeiro, decretadas pelo juiz, mas a decisão acabou por ser adiada para o dia seguinte, para as 11h00 hora local (9h00 em Lisboa). A defesa do banqueiro fez um pedido de adiamento da audição, alegando não ter tido tempo suficiente para preparar a defesa — pedido a que o tribunal acedeu.”De acordo com a lei sul-africana, é permitido que seja feito um pedido de adiamento”, confirmou a porta-voz do tribunal, Natasha Kara, aos jornalistas presentes no local.

Kara — que se dirigiu aos jornalistas portugueses no final da sessão para dar conta do que se tinha passado em tribunal — também confirmou que a defesa pediu a libertação sob fiança e que terá de ser apresentada documentação para sustentar que Rendeiro pode pagá-la. “O procurador não está a favor, devido aos antecedentes do arguido”, acrescentou a porta-voz, deixando clara qual é a posição do Ministério Público sul-africano.

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As imagens do primeiro dia de João Rendeiro em tribunal

Ao Observador, a advogada sul-africana de Rendeiro, June Markes, confirmou que a sessão de hoje foi um “simples adiamento”. “O meu cliente está bem e irá recorrer se a fiança for negada“, avançou.

Rendeiro pode ficar detido 40 dias até processo de extradição estar formalizado

A estratégia da defesa do banqueiro português parece ser a de apostar claramente em assegurar a liberdade de Rendeiro. June Marks tem sublinhado nas várias entrevistas que já deu aos media portugueses que ainda “é cedo” para discutir a questão da extradição, querendo apenas focar-se para já em assegurar a saída em liberdade de Rendeiro, sob caução.

Ao Diário de Notícias, Marks disse que “o máximo de dias de detenção permitido num caso como este é 18”, de acordo com a lei sul-africana. Contudo, a Convenção Europeia de Extradição, que abrange a África do Sul, prevê que esse prazo possa ser alargado até 40 dias.

Um procurador português ouvido pelo mesmo jornal explica que os 18 dias correspondem ao prazo máximo para Portugal enviar toda a documentação que formaliza o pedido de extradição. Após esses 18 dias, e tendo toda a documentação chegado à África do Sul, a detenção pode ser prorrogada até aos tais 40 dias.

A partir desse momento, a Justiça sul-africana terá de decidir sobre o pedido, havendo espaço para recurso até uma decisão final. Todo o processo, como explicou o jurista Paulo Saragoça da Matta ao Observador, “deverá estar concluído entre seis e oito meses”.

Como vai funcionar e quanto tempo pode demorar a extradição de Rendeiro? Oposição de ex-banqueiro será difícil

Para o advogado, caso Rendeiro se oponha ao pedido de extradição tem pela frente um caso difícil. O facto de Portugal e África do Sul estarem ambos abrangidos pela mesma convenção significa que os argumentos geralmente invocados para impedir uma extradição — como a aplicação de pena de morte num dos países e não no outro, por exemplo — já estão arredados. “Tinha de ser uma coisa casuística e não geral”, explicou Saragoça da Matta. “Não é o típico caso de ‘não vamos extraditar para os EUA, porque lá há pena de morte’, tinha de ser do género ‘este processo é tudo nulo, porque…’”.

A equipa da advogada de June Marks terá sido contratada por Rendeiro há cerca de três meses, segundo o que disse a própria à SIC.

À entrada do tribunal, o conselheiro da embaixada de Portugal em Pretória, Manuel Graínha do Vale, falou aos jornalistas sobre o processo e relembrou que o processo de extradição não é automático: “A Justiça tem os seus tempos”, afirmou, garantindo que os serviços consulares portugueses não tinham qualquer conhecimento da presença de Rendeiro na África do Sul até à detenção. “Temos a louvar a atuação das autoridades sul-africanas, que foram muito diligentes neste processo”, acrescentou o cônsul.

O ministro dos Negócios Estrangeiros confirmou na tarde desta segunda-feira que João Rendeiro não pediu a intervenção da diplomacia portuguesa no caso, mas que, mesmo assim, a representação portuguesa na África do Sul está atenta ao caso: “A embaixada portuguesa em Pretória deslocou um funcionário diplomático para acompanhar este processo”, limitou-se a dizer Augusto Santos Silva, que recusou comentar o caso “do ponto de vista judicial” por ser não apenas ministro dos Negócios Estrangeiros, mas também “ministro de Estado”.

O banqueiro português passará a noite na esquadra de polícia de North Durban, a cinco quilómetros do hotel onde foi detido pelas autoridades sul-africanas. Foi também ali que passou as últimas duas noites.

O banqueiro é procurado para cumprir uma pena de cadeia de cinco anos e oito meses por falsidade informática e falsificação de documentos. Num segundo processo, condenado a uma pena de dez anos por fraude fiscal, é também procurado — mas para ficar em prisão preventiva, depois de ter comunicado que não pretendia regressar a Portugal. Já em fuga, o banqueiro foi condenado num terceiro processo por burla qualificada a três anos e seis meses. Estes dois últimos processos estão ainda em recurso.

*Artigo corrigido na parte referente aos processos que Rendeiro enfrenta.