“É absolutamente essencial aproveitar as grandes empresas portuguesas para que elas possam ser líderes da transição energética”. O argumento já tinha sido invocado pelo ministro do Ambiente a propósito da normalização das relações entre o Governo e a EDP que se seguiu à chegada de João Matos Fernandes à pasta da energia, em 2018 e num momento de grande litigância entre a elétrica e o Estado.

Desta vez foi usada, esta terça-feira, numa apresentação da Galp Energia, naquela que foi a primeira aparição pública juntos dos dois membros do Governo (ministro do Ambiente e secretário de Estado da Energia) e do presidente executivo, Andy Brown, e a primeira intervenção após as palavras duras que o primeiro-ministro António Costa dirigiu à Galp por causa da gestão do fecho da refinaria de Matosinhos.

Costa e “as asneiras” da Galp ao fechar refinaria. Como uma decisão com nove meses inflamou a campanha

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Sem ir tão longe como o primeiro-ministro, que, embalado pela campanhas das autárquicas, acusou a empresa de fazer “asneiras” e “disparates” e deixou no ar o que podia ser interpretado como uma ameaça — “Quem se porta assim deve levar uma lição” —  Matos Fernandes tinha apontado à insensibilidade, falando mesmo em “coração de pedra” a propósito do anúncio do fecho da refinaria a duas semanas do Natal do ano passado.

A Galp nunca comentou estas críticas, mas em declarações, num encontro com jornalistas à margem da Web Summit, Andy Brown já tinha sinalizado um mea culpa ao assumir que a empresa podia ter gerido melhor a relação com os trabalhadores e com as autoridades no dossiê de Matosinhos. No mesmo encontro, o gestor indicou que a Galp ia precisar da colaboração do Governo para assegurar a sustentabilidade ambiental e viabilidade económica da única refinaria nacional em Sines.

Mas acabou por ser o lítio a juntar a Galp, o ministro do Ambiente e o secretário de Estado, João Galamba, que tem sido o protagonista do Governo na defesa da estratégia para a exploração do lítio numa perspetiva de desenvolvimento de uma cadeia industrial. Daí que o anúncio de uma parceria entre a Galp e a Northvolt, empresa sueca de sistemas de baterias, tenha sido bem recebido pelo Governo.

Galp e Northvolt querem investir 700 milhões em unidade industrial em Portugal, mas lítio virá também de fora

“Não havendo um grande futuro em Portugal para o petróleo e o gás, é com enorme satisfação que vemos a Galp a comportar-se como uma empresa de energia”, neste caso virada para a transição energética e não presa aos combustíveis fósseis. “É uma escolha privada”, mas que cabe ao Governo promover. Daí a “profunda satisfação” com o projeto de construção de uma unidade de processamento de lítio que possa reter em Portugal o elo com maior valor acrescentado da cadeia que vai das minas de espodumena às baterias usadas nos carros elétricos.

Gestor da Galp diz que apoios do PRR serão um “bom uso de fundos públicos”

Mas se a escolha é privada, já o investimento previsto de 700 milhões de euros espera poder contar com os fundos públicos do PRR, como deixou claro o presidente executivo da Galp.

Questionado sobre se a parceria avançará com o investimento mesmo sem receber apoios do plano de recuperação europeu — que podem ir até 15% do total — Andy Brown não foi explícito. Mas não deixou de sublinhar que o PRR “será um apoio muito importante porque vamos competir com fornecedores (chineses) com custos muito baixos” e isso pode fazer diferença na competitividade do projeto que será financiado em partes iguais pelos dois parceiros em regime de projet-finance. A decisão final de investimento anunciado pelo consórcio Autora só será tomada em 2023 e só nessa altura é que os promotores avançarão com eventuais pedidos de outros apoios públicos, como benefícios fiscais.

O gestor destacou também que a unidade de lítio encaixa no estratégia de recuperação definida pela Comissão Europeia (que tem outros instrumentos financeiros previstos para o lítio) pelo que “será um bom uso de fundos públicos”. Mas o projeto da Galp não é o único a apostar em refinarias de lítio que está a concorrer aos milhões do PRR.

Dos insetos ao lítio e aos chips, passando pelo inevitável hidrogénio. Estes consórcios são candidatos a fundos do PRR

Apesar de ser uma decisão privada, Matos Fernandes não se coibiu de revelar a sua expectativa sobre a localização da futura unidade que pode criar até 1.500 postos de trabalho diretos e indiretos. A Galp colocou Sines na ficha de candidatura ao Plano de Recuperação e Resiliência, apesar de referir que há vários locais a sul e a norte que estão a ser estudados.

Para o ministro do Ambiente, “haverá certamente muitas localizações a ser estudadas…. mas parece fazer mais sentido a norte do que a sul, apesar de este projeto ter também de importar lítio para poder funcionar em pleno. Naturalmente que a norte parece mais bem localizado do que a sul (porque estão lá as futuras áreas de exploração) e quanto mais para o interior, diria que melhor. Mas os investidores é que saberão responder”.

E a questão da importação, referida rapidamente por Matos Fernandes e desenvolvida pelos responsáveis da empresa, pode ter um peso relevante na decisão. O presidente executivo da Northvolt, Paolo Cerruti, explicou que a produção prevista para Portugal, designadamente para o projeto da Savannah para Boticas (que aguarda luz verde ambiental), não será suficiente para alimentar a unidade de conversão pelo que está prevista importação, nomeadamente do Canadá, mas também do Brasil ou eventualmente da Austrália. E aí, a necessidade de um porto de águas profundas para receber as cargas pode fazer diferença na localização da futura refinaria de lítio.