André Ventura aposta em grande parte do núcleo duro do Chega como candidatos às próximas eleições legislativas antecipadas, entre eles quase toda a direção. Os lugares dividem-se um pouco por todo o país, muitos deles seguem em segundo e terceiro atrás de nomes da região, mas certo é que o presidente do Chega não abdicou daqueles que estão na linha da frente. Contudo, de fora das escolhas fica um dos fundadores e um dos nomes mais conhecidos do partido: Nuno Afonso.

Amigo de André Ventura há mais de 20 anos e politicamente próximo do presidente do Chega desde os tempos da JSD e do PSD — em que chegou a ser conselheiro nacional — Nuno Afonso é o militante número dois do Chega, logo a seguir ao líder. É um dos pilares da fundação do partido, chegou a ser vice-presidente, é chefe de gabinete, teve o papel de coordenador autárquico e foi eleito vereador em Sintra.

Desta vez, admite em declarações ao Observador que apenas teria aceitado ser o número dois em Lisboa. Tudo o resto não seria uma hipótese. Ainda assim, e apesar de não revelar as propostas por terem sido feitas numa conversa privada e pessoal entre André Ventura e Nuno Afonso, é perentório: “O que me foi proposto nem sequer foi perto disso.”

“Há um princípio fundamental, que falamos muito no partido e que é a meritocracia. O facto de não estar nas listas é uma subversão desse valor específico. Mas é uma escolha, uma estratégica do presidente do partido e depois tirar-se-ão as ilações tendo em conta o resultado”. Baseado nesses mesmos princípios e questionado sobre se esta decisão pode mesmo levar a uma saída do partido, Nuno Afonso assume que, “se alguma vez achar que esses valores estão subvertidos, há duas hipóteses: ou ficar a lutar, ou sair”.

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Até ao dia 30 de janeiro, assegura que estará a “ajudar na campanha” para que o Chega consiga o melhor resultado possível. No dia seguinte e depois de conhecidos os resultados fará uma avaliação.

No pós-eleições há ainda outro cenário em cima da mesa. Nuno Afonso é o atual chefe de gabinete de André Ventura, na Assembleia da República, e essa poderá ter sido uma das razões para o dirigente do partido ter ficado afastado das listas. “Entendo que seja importante como chefe de gabinete porque tenho essa experiência e no partido provavelmente mais ninguém terá, mas também não a tinha em 2019 e adquiria”, explica, frisando que se o argumento era de “fazer falta” neste cargo, Nuno Afonso considera que “se calhar também faria falta como deputado“.

A decisão sobre aceitar ou não o cargo não está tomada. O número dois do Chega não sabe se dirá ‘sim’ ao convite, caso ele chegue mesmo, também por sentir que foi “passado à frente” por outras figuras do partido a quem não atribui tanto mérito pelo trabalho realizado nos últimos anos. “Ser deputado ou ter a possibilidade de ser deputado é uma coisa importante e não serei apesar de a seguir ao André Ventura ser a pessoa que mais votos teve”, atira Nuno Afonso.

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Nas eleições legislativas de 2019, Nuno Afonso foi cabeça de lista por Setúbal — e já nessa altura considera que “o normal seria ser número dois por Lisboa”. Mas decidiu “ajudar o partido”, mesmo sabendo que “não ia ser eleito”. O resultado do Chega nas últimas legislativas só permitiu preencher um lugar no Parlamento, mas Nuno Afonso conseguiu 7.643 votos naquele círculo eleitoral. O melhor resultado de todo o país a seguir aos 22.053 votos do Chega em Lisboa, que levaram André Ventura como deputado único à Assembleia da República.

Nas últimas eleições autárquicas — em que o líder do partido apenas se candidatou à Assembleia Municipal de Moura — Nuno Afonso conseguiu ser eleito vereador em Sintra, com o melhor resultado do Chega a nível nacional, mais de 11 mil votos.

Mais do que isso, o número dois do Chega foi coordenador autárquico das eleições em que o partido conseguiu quase 400 autarcas a nível nacional. No rescaldo da noite eleitoral, André Ventura disse que aquele seria o “dia da implantação” em que o Chega se assumiu como “terceira força em grande parte do país”.

O crescimento e a queda anunciada

Nuno Afonso é uma das caras do Chega. O fundador do partido está desde o início ao lado de André Ventura, mas, nos últimos meses, poucas vezes tem sido visto nos holofotes apontados ao núcleo duro que se desenvolveu à volta do líder do Chega.

Esteve no processo de recolhas de assinatura quando o Chega ainda estava a tentar ser um partido — e fez parte da estratégia que levou a essa recolha — foi um dos nomes nas listas às eleições europeias, as primeiras do partido, e antes das legislativas foi o responsável pela elaboração de um documento intitulado “As 70 medidas para erguer Portugal”, quando ainda não estava fechado um programa.

Chegou à Assembleia da República a convite de André Ventura, quando o líder do partido conquistou o lugar de deputado único. Mais tarde, é escolhido para coordenador toda a operação das autárquicas, mas o Congresso de Coimbra é um volte-face no partido.

Entrou como vice-presidente e saiu como vogal. André Ventura justificou-o com a antiguidade, mas Nuno Afonso admitiu ao Observador, em plena reunião magna e ainda antes de estar certo sobre a despromoção, que isso o deixaria “magoado”. No palco disse ainda mais: “Apunhalado.”

Nuno Afonso “magoado” com saída de vice-presidente. Permanência na direção “depende da proposta” de Ventura

Foi apenas o início. Depois das autárquicas teria sido apontado para ficar responsável por uma comissão autárquica e o cargo ficou nas mãos de Bruno Nunes, vereador e cabeça de lista a Setúbal, e de dois vice-presidentes: Pedro Santos Frazão e Marta Trindade. André Ventura justificava-o com a necessidade de mostrar às pessoas outros rostos do Chega.

Se as eleições podiam ser uma forma de mostrar que Nuno Afonso ainda fazia parte das apostas de André Ventura, as opções do líder do Chega vieram demonstrar exatamente o contrário. Para número dois de Lisboa — o único lugar que Nuno Afonso aceitava — Ventura apostou em Rui Paulo Sousa, responsável pela Comissão de Ética.