Sete militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) são suspeitos de agredir, proferir insultos racistas e humilhar “com satisfação e desprezo” vários imigrantes em Vila Nova de Milfontes, Odemira, noticia esta quinta-feira a CNN Portugal.
Os casos remontam a 2019 e 2018 e envolveram trabalhadores do setor da agricultura oriundos de países como o Bangladesh, o Nepal e o Paquistão, vítimas de jovens militares da GNR.
A Polícia Judiciária encontrou vídeos que captaram episódios de violência no telemóvel de um militar de 25 anos, que gravava o que acontecia por diversão, e que já estava a ser investigado por factos idênticos após denúncia da própria GNR. O caso está a ser investigado pelo Ministério Público (MP).
Um dos vídeos mostra migrantes apanhados na rua em falsas operações stop e levados para o posto, onde seriam agredidos e humilhados. Um deles terá mesmo sido levado para um descampado e terá sido torturado com gás pimenta: os militares te-lo-ão obrigado a inalar pela boca e pelo nariz a substância através de um falso teste do balão. Apesar do choro e pedidos de ajuda, os militares não param.
Num outro vídeo, filmado dentro do posto da GNR, três migrantes são agredidos nas mãos com uma régua e sujeitos a pancadas no corpo, além de insultos e humilhações. “Durante todos estes atos, os arguidos riam-se e divertiam-se com a subjugação que impunha àqueles três indivíduos, sem qualquer justificação e sem que qualquer um deles levasse a cabo qualquer ação para fazer cessar tais condutas”, pode ler-se na acusação do MP a que a CNN teve acesso.
Os militares são suspeitos de 33 crimes, entre os quais sequestro, ofensas à integridade física qualificada e abuso de poder, referindo o MP que os levavam a cabo devido ao “uso excessivo de poder de autoridade que o cargo de militar lhes confere”.
Relativamente aos motivos que levaram as agressões, o MP concluiu que que se devem a “ódio claramente dirigido às nacionalidades que tinham e apenas por tal facto e por saberem que, por tal circunstância, eram alvos fáceis”.
Noutro caso, dois militares da GNR terão algemado um migrante e transportaram-no no carro de patrulha, proferindo insultos e desferido-lhe vários murros na cabeça. Um dos militares chegou mesmo a encostar-lhe uma espingarda shotgun no rosto, enquanto tudo era filmado.
O sucedido não está reportado no expediente, não consta do relatório de serviço daquele turno nem de qualquer outro turno.
Questionada pela CNN Portugal, a GNR garante que reportou “prontamente” o sucedido ao Ministério Público. Foi também instaurado um processo de inquérito por parte da Inspeção-Geral da Administração Interna, que vai tentar apurar as circunstâncias e a conduta dos militares, para posteriormente aplicar medidas sancionatórias.
“Estão envolvidos sete militares do Destacamento Territorial de Odemira, em que três deles são reincidentes” neste tipo de comportamento, explica a GNR.
O ministério da Administração Interna (MAI) acrescenta que dois dos militares envolvidos foram suspensos na sequência de outro processo que já transitou em julgado. Outros cinco encontram-se “ao serviço, a trabalhar normalmente”, adiantou fonte oficial da GNR ao Expresso.
“O conteúdo das imagens exibidas não corresponde ao padrão de comportamento que a GNR e os seus militares devem ter no exercício das suas funções”, frisa o MAI.
Também contactado pelo canal, o ex-ministro Eduardo Cabrita (que ocupava o cargo na altura dos factos) preferiu não tecer quaisquer comentários.
Alguns dos militares agora acusados pelo Ministério Público já tinham sido considerados culpados num outro processo. Cinco foram condenados a penas de prisão suspensa por crimes de ofensas à integridade física, sequestro, entre outros, sendo que três também estão envolvidos neste caso mais recente.
Questionado sobre o caso no final de uma reunião do Conselho Europeu, em Bruxelas, António Costa referiu apenas que se trata de “um caso que está em investigação criminal, de um processo que está em curso por parte das autoridades judiciárias, e que já tinha parcialmente sido parcialmente investigado pela Inspeção Geral da Administração Interna”. Além disso, ressalva o primeiro-ministro, pelo menos um desses agentes já foi alvo de uma medida disciplinar de expulsão.”
“Muitos militares eram de cá, as pessoas conhecem-nos”, lamenta, por sua vez, o presidente da junta de Vila Nova de Milfontes, Francisco Lampreia, dizendo olhar para o caso com “tristeza e mágoa”. “Há que investigar e tirar as devidas consequências.”
“Continuam a chegar muitos novos migrantes”, acrescenta o autarca em declarações à CNN, “não temos capacidade para integrar tantas pessoas, é impensável”.
Um dos migrantes presente nos vídeos encontrados pela PJ morreu num acidente, enquanto as restantes já terão abandonado o país.