Uns estão contra a participação de Djokovic no Open da Austrália, outros estão a favor da participação de Djokovic no Open da Austrália, outros decidem não ter uma opinião concreta sobre a participação de Djokovic no Open da Austrália. Numa altura em que tudo aponta para que o tenista consiga mesmo jogar o primeiro Grand Slam do ano mas o governo australiano ainda tem o poder de reverter o visto do sérvio, já é possível perceber quem é que está contra ou a favor da permanência do atleta no país.

Ainda assim, independentemente da opinião de cada um, existe uma linha de pensamento unânime entre todos: nada do que se está a passar é bom para o ténis, nada do que se está a passar foi abordado da forma certa pelas instituições australianas e nada do que se está a passar terá uma conclusão contundente.

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Quem está contra: os atletas australianos e a farpa de Jamie Murray

Independentemente de todas as declarações mais ou menos públicas, um dado é certo: a população da Austrália, particularmente a população do Estado de Victoria, é a principal opositora à entrada de Novak Djokovic no país e à participação do tenista no Grand Slam australiano. Ao fim de praticamente dois anos de restrições recorrentes e muitas limitações à liberdade devido à pandemia de Covid-19, os cidadãos da Austrália não entendem como é que um não vacinado pode entrar no território do país — mas esse é essencialmente um problema do governo australiano e não necessariamente um problema do sérvio.

Dentro do universo do ténis e ainda antes de toda a polémica gerada quando o atleta aterrou em Melbourne, Jamie Murray foi um dos primeiros a criticar a isenção médica atribuída a Djokovic. “Se fosse eu a não estar vacinado, não tinha isenção nenhuma. Mas ainda bem para ele”, disse o britânico que é especialista em pares. No desporto australiano, também surgiram várias vozes contra a participação do tenista no Grand Slam. Corey McKernan, antigo jogador de futebol australiano, lembrou precisamente o facto de a população de Victoria ter sofrido muito com as restrições impostas desde o início de 2020.

“Existem pessoas com familiares a morrer ou a precisar de cuidados de saúde urgentes que não conseguem entrar nos respetivos Estados. Dizem às pessoas que não podem ir ao supermercado ou ao café se não estiverem vacinadas mas quando é o número 1 do mundo já pode?”, escreveu McKernan no Twitter. Na mesma rede social, o também ex-jogador de futebol australiano Kevin Bartlett defendeu (de forma irónica) que os cidadãos australianos estão a ser “tomados por tontos”.

“Novak Djokovic é o melhor jogador de ténis de sempre. Esqueçam Laver, Agassi, Federer, Sampras, Nadal, McEnroe, Connors e Borg. O Novak tem 20 Grand Slams, 87 títulos e biliões de dólares e nós nem sabíamos que tem uma condição médica debilitante. Fomos tomados por tontos”, atirou, referindo-se à isenção médica atribuída ao sérvio que, até esta semana e à notícia de que Djokovic terá estado infetado com Covid-19 em dezembro, ainda não tinha sido justificada.

Quem está a favor: Nick Kyrgios e as “tempestades de m****”

Em sentido oposto, ainda que de forma mais cautelosa do que o normal, está Nick Kyrgios. O tenista australiano, que entretanto testou positivo à Covid-19 e também está em dúvida para o Grand Slam, tem sido particularmente crítico da forma como toda a novela está a ser abordada e tratada pelas instituições do país e tem-se colocado num patamar de compreensão à situação de Djokovic.

“Eu acredito definitivamente em tomar atitudes. Vacinei-me pelas outras pessoas e pela saúde da minha mãe. Mas a forma como estamos a abordar a situação do Novak é muito, muito má. Estes meses, estas manchetes. É um dos nossos grandes campeões mas, no final do dia, é humano. Façam melhor”, escreveu o tenista de 26 anos no Twitter logo no início de toda a polémica. Nas últimas horas, Kyrgios voltou à carga e associou as próprias dores à situação que tem Djokovic como protagonista.

“Sabemos que a comunicação social gosta de criar estas tempestades de m****, com a minha história e com tudo o que está a passar-se com o Novak. Como desportista australiano, sinto-me bastante envergonhado pelo que estão a fazer a uma pessoa que fez muito por nós e pelo desporto. Acho que não é correta a forma como estão a lidar com a situação mas a comunicação social gosta de dividir as pessoas”, acrescentou o atleta.

Quem não está contra nem a favor e só defende a vacinação: Andy Murray atirou-se a Farage, Nadal desejou “maior das sortes”

Andy Murray, tantas vezes uma voz sensata no meio do circuito ATP, apresentou uma abordagem moderada a todo o problema: criticou as indecisões, não esqueceu que Djokovic já poderia estar vacinado e não quis dar opiniões muito vincadas sobre um assunto onde não conhece todas os vértices.

“Acho que toda a gente está chocada, para ser honesto. Por agora, vou só dizer duas coisas. A primeira é que espero que o Novak esteja bem. Conheço-o bem, sempre tive uma boa relação com ele e espero mesmo que esteja bem. A segunda é que nada disto é bom para o ténis e não acho que seja bom para nenhum dos envolvidos”, explicou o tenista escocês, garantindo que não comunicou com o sérvio ao longo dos últimos dias.

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Ainda assim, Andy Murray não escondeu que a possibilidade de ficar provado que Djokovic mentiu — ou na questão de ter estado infetado com Covid-19 ou na questão de ter estado em vários eventos com dezenas de pessoas, sem máscara, já depois de testar positivo — pode levar a consequências mais gravosas. “Preciso de esperar e ouvir tudo o que aconteceu antes de fazer mais comentários, porque não acho que seja justo ficar apenas a especular. Já se souberam algumas coisas que não me parecem muito boas. Quero ouvir todos os factos antes de explicar tudo o que penso sobre isto”, acrescentou, não deixando de sublinhar que Djokovic deveria ouvir somente os especialistas.

“Não lhe cabe a ele dizer o que é a coisa certa a fazer. Tem de ouvir os especialistas nestas matérias, é o que eu faço. Posso aceitar que atletas jovens e saudáveis que sejam infetados com Covid-19 acabem por ficar bem. Mas eu confio naquilo que me é dito pelos cientistas e os médicos. Nada disto é sobre ouvir o que os políticos ou o governo nos dizem. É sobre ouvir os médicos e os cientistas e as pessoas que realmente sabem alguma coisa sobre o assunto”, atirou, em entrevista ao jornal The Age.

[Ouça aqui o programa “Outras Histórias do Desporto” da Rádio Observador sobre as críticas de Andy Murray a Nigel Farage:]

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Os comentários de Andy Murray sobre o caso, curiosamente, alargaram-se ao universo que envolve Novak Djokovic. O tenista de 34 anos aproveitou para lançar algumas farpas a Nigel Farage, antigo líder do UKIP e a grande figura do Brexit no Reino Unido, que viajou para Belgrado para estar perto da família do sérvio e até já entrevistou o tio do atleta. “O momento estranho em que lhes dizes que passaste a maior parte da tua carreira a defender a deportação de pessoas da Europa de Leste”, escreveu Murray nas redes sociais.

Por fim, Rafa Nadal. Assim como Andy Murray, o tenista espanhol tem tido uma postura muito neutra em relação a toda a situação — mas sempre sem descurar a ideia de que Djokovic já poderia estar vacinado, evitando assim todo este imbróglio. Pouco depois de o sérvio ser detido na chegada a Melbourne, Nadal lembrou que “toda a gente tem de fazer aquilo com se sente bem mas existem regras, e sem a vacina, podem aparecer alguns problemas”.

“Ele é livre para ter a opinião dele mas depois existem consequências. Claro que o que está a acontecer não é bom para o Novak. Mas, se estiveres vacinado, podes jogar no Open da Austrália. Temos estado a atravessar tempos muito desafiantes, muitas famílias têm estado a sofrer nos últimos dois anos. É normal que as pessoas aqui na Austrália tenham ficado muito frustradas com o caso porque têm estado a passar por todo este tempo muito difícil. Eu acredito naquilo que os especialistas dizem. Se eles dizem que temos de ser vacinados, temos de ser vacinados. Se o fizermos, não temos problemas nem aqui nem em lado nenhum”, defendeu o espanhol, cuja relação com Djokovic é publicamente cordial mas não de simpatia.

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Já esta segunda-feira, na sequência da decisão judicial que decretou a libertação de Novak Djokovic e que, por agora, autoriza a participação do tenista no Open da Austrália, Rafa Nadal declarou que “a Justiça falou”. “Quer eu concorde ou não com o Djokovic nestas coisas, a Justiça falou e disse que ele tem o direito de participar no Open da Austrália. E acho que essa é a decisão mais justa, se for mesmo resolvido dessa forma. Desejo-lhe a maior das sortes. É desporto. Existem muitos interesses num nível geral, muitos interesses num nível económico, publicitário. Tudo é muito melhor quando os melhores podem estar a jogar”, disse o espanhol, antes de defender novamente a vacinação.

“As instituições mais importantes do mundo dizem que a vacina é a arma para travar esta pandemia e o desastre em que temos vivido nos últimos 20 meses”, concluiu.