Há dois anos, a 11 de janeiro de 2020, a China assumia a primeira morte relacionada com a Covid-19: um homem de 61 anos que era um frequentador do mercado de animais vivos de Wuhan. Até meados de abril desse ano, o país registou mais de 4.600 mortes, mas desde então o mundo ó teve conhecimento de mais um par de mortes.
O homem de Wuhan foi, durante mais de um ano, a primeira vítima oficial do coronavírus SARS-CoV-2. No entanto, em maio de 2021, o certificado de óbito da norte-americana Lovell “Cookie” Brown foi alterado pelos médicos, modificando a história.
A mulher de 78 anos tinha morrido a 9 de janeiro de 2020. A causa de morte inicialmente indicada foi acidente vascular cerebral e doença pulmonar obstrutiva crónica, mas na correção passou a constar também “pneumonia de Covid-19”, noticiou o jornal californiano The Mercury News. A própria família só soube da alteração em setembro de 2021.
A alteração antecipou em quase um mês a primeira morte com Covid-19 no Estados Unidos, atribuída a Patricia Dowd que morreu a 6 de fevereiro de 2020. Mas o mesmo jornal diz que, pelo menos, cinco certificados de óbitos de janeiro de 2020 (de cinco estados diferentes) foram alterados para incluir a Covid-19 entre as causas de morte.
Outro caso intrigante foi o de Peter Attwood, um britânico de 84 anos cuja causa de morte só foi identificada sete meses depois do óbito. A Public Health England (PHE) declarou os primeiros casos de infeção com SARS-CoV-2 a 31 de janeiro de 2020 — dois cidadãos chineses —, mas Peter Attwood morreu no dia anterior, depois de ter passado semanas no hospital, com sintomas compatíveis com a Covid-19.
China mantém a estratégia “zero Covid”
Se é difícil estabelecer quando terá acontecido a primeira morte causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 — visto estes exemplos retificados terem acontecido ainda antes de serem confirmados os primeiros casos de infeção no país —, é ainda mais difícil dizer quando é que o vírus começou a infetar pessoas ou quando se começou a espalhar pela China e pelo mundo.
O que a China (não) fez para evitar a pandemia. O resto do mundo pode pedir contas ao regime?
Ainda no final de dezembro, a China admitiu ter dezenas de casos de pneumonia causados por um novo vírus, que mais tarde veio a chamar-se SARS-CoV-2. Apesar de terem prontamente sequenciado geneticamente o vírus e o terem divulgado publicamente, foram também acusados de terem tentado ocultar o surto que se desenvolvia no país — e que podia já estar em curso, silenciosamente, há um, dois ou mais meses.
Temos provas que sugerem que o vírus começou a espalhar-se em Wuhan em novembro de 2019. Então porque é que o governo chinês o tentou encobrir?”, interroga-se Chunhuei Chi, diretor do Centro para a Saúde Global da Universidade Estatal do Oregão, citado pela DW. “A decisão inicial de esconder estes fatos é a forma típica dos governos autoritários reagirem às crises.”
Durante as primeiras semanas de janeiro, nem a Organização Mundial de Saúde anteviu que o vírus se podia transmitir entre humanos e que se poderia disseminar-se à escala mundial — atualmente, com mais de 310 milhões de casos e 5,5 milhões de mortes conhecidos — e só declarou tratar-se de uma situação de emergência mundial a 30 de janeiro.
Por essa altura, Wuhan já estava totalmente confinada há uma semana, desde dia 23, para tentar conter a disseminação do vírus e assim ficou até junho. Um ano depois, os cidadãos de Wuhan festejavam e conviviam como se o vírus não tivesse surgido ali, mas a estratégia da China continua a ser a de “zero Covid”. Ainda no mês passado, a cidade de Xi’an fechou em cada cerca de 13 milhões de pessoas — mais do que o total da população portuguesa fechada numa cidade — levando muitos habitantes a ficarem sem comida e medicamentos, lembra a DW.
Há dois anos que as cidades e regiões chinesas enfrentam confinamentos severos e testagem em massa da população, sempre que surgem novos casos, com o objetivo de controlar completamente a transmissão do vírus — uma estratégia que nenhum outro país conseguiu (ou quis) igualar. O país está praticamente isolado do mundo, com as viagens de e para a China reduzidas ao mínimo essencial mesmo com mais de 80% da população vacinada.
A origem do vírus continua a ser desconhecida
Ao fim de mais de dois anos desde os primeiros casos de Covid-19, ainda antes de a doença ter nome, a origem do vírus continua a ser uma incógnita. O mercado de Wuhan pode não ter sido a origem do surto, mas somente um local que proporcionou uma maior disseminação.
A hipótese de que o vírus esteja relacionado com o Instituto de Virologia de Wuhan ainda não foi descartada totalmente, apesar de ter sido sempre refutada pela China e não ter sido confirmada pela a OMS. Há um ano, a OMS tentou fazer uma investigação sobre a origem do vírus que foi altamente condicionada pelas autoridades chinesas e o relatório final muito contestado.
E se um dos cientistas de Wuhan tiver trazido o coronavírus do trabalho de campo sem saber?
Ao fim de tanto tempo — e com tantos bloqueios da China — é pouco provável que se consiga encontrar este rasto perdido, mas talvez nem seja importante. Há um ano, Diana Bell dizia que o mais importante não é perceber a origem de vírus específicos, porque o problema geral está identificado.
“Não precisamos de conhecer a fonte, só precisamos de parar aquela mistura de animais nos mercados”, disse a especialista em doenças da vida selvagem na Universidade de East Anglia à France24. “Precisamos de parar o comércio de animais selvagens para consumo humano”.